Exclusivo Nova prestação de 240 euros: apoios às famílias mudam (outra vez) em tempo de Natal
António Costa anunciou um cheque-surpresa de 240 euros a pagar na antevéspera de Natal, desta vez para os mais carenciados. Economistas concordam, políticos nem tanto.
O primeiro-ministro revelou em entrevista à Visão que o Conselho de Ministros vai aprovar esta quinta-feira um cheque de 240 euros para as famílias fazerem face ao aumento do custo de vida. Só que ao contrário do que aconteceu em outubro, em que os apoios abrangeram a classe média, desta vez o dinheiro será apenas para beneficiários da tarifa social de eletricidade ou de prestações mínimas. O que vai ao encontro do que tem sido defendido por vários responsáveis nacionais e internacionais e é aplaudido pelos economistas ouvidos pelo ECO, mas não reúne o consenso dos partidos. E porquê fazer este pagamento só agora e porquê 240 euros?
Foi em finais de março que o Governo anunciou pela primeira vez um apoio extraordinário diretamente às famílias para fazerem face à inflação. A Rússia invadira a Ucrânia a 24 de fevereiro, fazendo disparar de imediato os preços dos combustíveis e aumentar os dos alimentos. O “cheque”, no valor de 60 euros, divididos em três prestações, começou a ser pago no final de abril, sendo destinado apenas a agregados com tarifa social de eletricidade e aos beneficiários de prestações mínimas, como o subsídio social de desemprego, o Rendimento Social de Inserção, o Complemento Solidário para Idosos ou a pensão social de velhice.
A medida seria renovada em junho, durante o primeiro debate de política geral do novo Governo de maioria absoluta. Um dos trunfos que António Costa levava na manga era o prolongamento por mais três meses do apoio ao cabaz alimentar ao mesmo universo de famílias, calculado em cerca de um milhão. A segunda leva começou a ser paga em julho, aplicando-se até final de setembro.
A inflação não dava tréguas e tal como os bancos centrais, o primeiro-ministro era obrigado a reconhecer que o efeito da inflação seria “mais duradouro do que se antecipava”. Ainda em julho, o debate do Estado da Nação serviu de palco para novo anúncio, agora ao retardador: “Em setembro, iremos aprovar um novo pacote de medidas para apoiar o rendimento das famílias e a atividade das empresas”.
Logo na rentrée, a 5 de setembro, António Costa brindou os portugueses com o “Famílias Primeiro”, um “plano de resposta ao aumento dos preços”. Só que desta vez, aquilo que tinha sido uma medida restrita passou a um apoio em larga escala. O primeiro-ministro anunciou um “cheque” de 125 euros por adulto, para rendimentos brutos até aos 2700 euros mensais, abrangendo 5,8 milhões de pessoas. A que somou 50 euros por cada dependente até aos 24 anos, num total de 2,2 milhões de crianças e jovens. As duas medidas custaram 840 milhões de euros.
Na altura, o ministro das Finanças salientou que o programa, que incluía outras medidas como o pagamento extra de 50% da pensão ou um travão à subida das rendas, tinha com marca uma “abrangência muito forte às classes médias”, que também pagam mais impostos.
Na entrevista à Visão, o primeiro-ministro também justifica a maior abrangência dos apoios de outubro. “Em setembro, percebemos que era preciso responder à classe média, e aqueles 125 euros de apoio extraordinário coincidiram com o regresso às aulas, um tempo sempre de acréscimo de despesas para as famílias”, afirmou à revista.
Agora, com o cheque de 240 euros, que será pago de uma só vez a partir da antevéspera de Natal, o Governo regressa às medidas dirigidas apenas aos mais vulneráveis. Os economistas ouvidos pelo ECO consideram esta opção mais correta e aplaudem a medida.
É mais correto fazer este apoio do que apoiar um grupo maior e que não precisa. Corrige-se mais as desigualdades.
“Faz sentido que seja aos mais desfavorecidos e não de uma forma generalizada como anteriormente”, sustenta o economista António Nogueira Leite. “É mais correto fazer este apoio do que apoiar um grupo maior e que não precisa. Corrige-se mais as desigualdades”, acrescenta o professor catedrático da faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa.
“Dar apoios tão alargados não faz sentido. Não faz sentido alguém como eu receber 50 euros pelas minhas duas filhas. É estar a contrariar as políticas do BCE. Temos de remar todos para o mesmo lado, não tendo medidas expansionistas”, afirma o economista Luís Aguiar-Conraria. “Aqui não há remédio, é preciso apoiar estas famílias e é possível fazê-lo apoiando mais e gastando menos, sem contrariar as políticas do banco central”, acrescenta o professor catedrático da Universidade do Minho.
É preciso apoiar estas famílias e é possível fazê-lo apoiando mais e gastando menos, sem contrariar as políticas do banco central.
Essa é também política que tem sido defendida pela presidente do BCE, Christine Lagarde, ou por responsáveis do FMI, evitando que os apoios impeçam a descida dos preços. Ainda esta semana, Vítor Gaspar, diretor do departamento de Assuntos Orçamentais do FMI, veio defender que “os governos devem adotar estratégicas orçamentais que ajudem a reduzir as pressões inflacionistas e as vulnerabilidades do endividamento no médio prazo, incluindo a contenção no crescimento da despesa – protegendo ao mesmo tempo áreas prioritárias, incluindo o apoio para os mais atingidos pela crise do custo de vida”.
O maior partido da oposição defendeu medidas mais alargadas. O presidente do PSD, Luís Montenegro, considera que a medida “vem dar razão” ao plano que o partido defendeu há meio ano, mas defendeu “mecanismos de apoio a todas as famílias, incluindo as famílias da classe média”, remetendo para a necessidade de aliviar o IRS no terceiro, quarto e quinto escalão de IRS. André Ventura, também apelou a medidas mais abrangentes: “A classe média tem de estar dentro destes apoios”.
Quer o Bloco de Esquerda quer o PCP acusaram o Governo de apresentar medidas pontuais em vez de apoios mais estruturais para ajudar as famílias, numa altura em que tem “cofres cheios”. “Este não é um problema de um único mês, nem deste mês em particular. É um problema que já vem de trás e que se vai continuar a sentir nos meses seguintes”, sublinhou a deputada comunista Paula Santos.
Porquê só agora e porquê 240 euros?
A questão do timing é pertinente. Haverá razões políticas. O facto de o apoio ser anunciado e concedido nesta altura, contribui “para reforçar uma opinião positiva do Governo”, considera António Nogueira Leite, admitindo que também possa ser “uma resposta a situações menos bem recebidas pelos portugueses nos últimos tempos”, como os vários casos envolvendo ministros e secretários de Estado. Luís Aguiar-Conraria prefere não comentar o contexto político, mas acredita que a medida foi “feita para ser no Natal. Parece-me humano”.
Há também razões económicas e orçamentais. Na entrevista à Visão, o primeiro-ministro revela que o défice “não ultrapassará seguramente 1,5%” este ano, menos quatro décimas do que o valor previsto no Orçamento do Estado para 2023. O que se deve à revisão em alta do crescimento económico. Na segunda-feira, o ministro das Finanças tinha afirmado que “as projeções no OE em relação ao crescimento para este ano vão ser ultrapassadas”. Em vez de 6,5%, Portugal vai crescer, pelo menos, 6,7%. Por outro lado, a inflação, que em novembro registou uma variação média de 7,3%, muito acima dos 4% previstos no Orçamento para este ano, contribuiu para aumentar significativamente a receita fiscal, em particular do IVA.
Em novembro, o ministro das Finanças deixava a garantia que o Governo iria “devolver às famílias o acréscimo de receita que o Estado teve”. Pelo menos parte dele, já que mesmo com os cerca de 240 milhões que vai custar o cheque de 240 euros o saldo orçamental será menor. “Desta vez, em dezembro, encontrámos folga para esta medida, específica para as famílias mais vulneráveis, sejam pensionistas, sejam beneficiários de prestações sociais”, justificou o primeiro-ministro.
O apoio de 240 euros foi calculado para compensar o sobrecusto do aumento do cabaz de bens alimentares. Em novembro, a taxa de variação homóloga nos bens alimentares e bebidas não alcoólicas foi de 20%, segundo os dados divulgados esta terça-feira pelo INE. A taxa de inflação média dos produtos alimentares não transformados foi de 11% nos últimos 12 meses.
De uma só vez, o Governo decide avançar com um apoio que corresponde ao dobro dos apoios específicos para este universo social, que tinha sido de 120 euros em seis prestações mensais. Juntando os vários apoios extraordinários, as famílias desfavorecidas vão receber, ao todo, 465 euros. Para quem tem filhos até aos 24 anos, somam-se ainda mais 50 euros por cada um. Como o cheque de 240 euros chega mesmo na antevéspera de Natal, uma consequência direta do brilharete orçamental à custa da inflação e da enorme cobrança de impostos, o Pai Natal tem concorrência este ano.
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