Nova bastonária diz que Justiça não pode ser vista como um “custo” para o poder político
A nova bastonária dos advogados defende que a esmagadora maioria dos processos que se tramitam na Justiça não é a dos casos mediáticos mas sim "a que afeta os idosos, as crianças e as mulheres".
“O Estado ao cuidar da Justiça nada mais faz do que cumprir com a sua obrigação constitucional.” e “não pode ser vista como um custo”. As palavras são de Fernanda de Almeida Pinheiro, a nova bastonária da Ordem dos Advogados (OA), na cerimónia de abertura do ano judicial, que decorre no STJ, em Lisboa.
Apelidando de “insensibilidade política” a que existe perante o facto da Justiça custar “muito caro aos cidadãos e cidadãs, que se vêm despojados dos seus mais básicos direitos constitucionais de acesso à justiça. Bastará trazer aqui à colação a forma como os sucessivos governos têm vindo a ignorar a necessidade premente de atualizar a tabela de honorários dos Advogados e das Advogadas inscritas no Sistema de Acesso ao Direito e aos Tribunais (SADT), que já não é revista há quase 20 anos”.
“Jamais se poderá aqui afirmar que o princípio da tutela jurisdicional efetiva, que se encontra consagrado nos artigos 20º e 268º da Constituição da República Portuguesa, está a ser devidamente cumprido e isso tem de ser corrigido. Se é verdade que o erário tem de ser gerido com rigor e parcimónia, não é menos verdade que o Estado, ao investir na Justiça, nada mais faz que cumprir com a sua obrigação constitucional de a disponibilizar aos cidadãos e cidadãs que a ela recorrem, uma vez que são estes, através dos seus impostos e taxas, que a pagam. Sendo a justiça um serviço público não poderá jamais ser qualificada como um “custo” ou uma “despesa” do Estado”, diz a líder dos 35 mil advogados.
“Não se vislumbra nenhuma alternativa viável que não passe por uma alteração do sistema de custas judiciais, que deveriam ser aplicadas em função dos seus rendimentos”, sublinha, avisando a ministra da Justiça que “a Ordem dos Advogados encontra-se inteiramente disponível para criar, em conjunto com o Ministério da Justiça, as necessárias sinergias para garantir este direito constitucional dos cidadãos e cidadãs, ou seja, assegurar o acesso à informação, à consulta jurídica e ao patrocínio judiciário de Advogado, perante qualquer autoridade judicial ou outra, até porque esta é, também, uma das suas atribuições estatutárias. Para que essas sinergias sejam encontradas, torna-se imperativo que o sistema judiciário, no seu todo, seja dotado de meios humanos, de meios técnicos e dos meios logísticos adequados a promover uma justiça célere e adaptada a cada circunstância”.
A presença da nova bastonária da Ordem dos Advogados na abertura do ano judicial é uma das novidades deste ano, a par com um protesto dos funcionários judiciais à porta do Supremo Tribunal de Justiça (STJ).
As intervenções das principais figuras do setor – ministra da Justiça, Procuradora-geral da República, presidente do Supremo Tribunal de Justiça, bastonária dos Advogados -, bem como dos mais altos representes do Estado (Presidente da República e presidente da Assembleia da República), verificam-se numa altura em que há uma onda de protestos sindicais por parte dos guardas prisionais, funcionários judiciais e trabalhadores dos registos e notariado, relacionados com problemas remuneratórios, questões de carreira e condições de trabalho, entre outras.
A nova bastonária defende que a esmagadora maioria dos processos que se tramitam na Justiça não é a dos casos mediáticos mas sim “a que afeta os idosos, as crianças e as mulheres”. Dizendo que “através da comunicação social chegam, todos os dias, às nossas casas, noticias sobre o desenrolar de processos mediáticos, que nos vão sendo servidos como uma espécie de telenovela da vida real. Porém, não podemos nunca perder de vista que a esmagadora maioria dos processos que se tramitam na justiça criminal não é essa, é a outra, é aquela que impacta os mais frágeis”.
E não deixou de alertar para a paralisação da justiça administrativa e fiscal, “com prejuízos gravíssimos para os cidadãos, para as cidadãs e para as empresas que operam no território nacional. O mesmo se diga em relação à ação executiva, que representa hoje cerca de 80% dos processos tramitados nos tribunais cíveis, onde, a título de exemplo, uns simples embargos podem levar anos a serem julgados, com executados quase sempre desacompanhados de Advogado, que seguem sendo alvo de penhoras, algumas delas ilegais, por vezes ao longo de anos a fio, sem que uma decisão seja proferida”.
Não deixou igualmente de falar na nova Lei das Ordens Profissionais, prometendo medidas concretas ameaça à liberdade e à autonomia de algumas profissões, “que pretende claramente arredar as profissões liberais da sua autorregulação intrínseca, por via de uma intolerável ingerência de terceiras entidades, que nada conhecem sobre a legis artis de cada uma delas. Esta lei pretende condicionar pela via disciplinar, mas não só, os seus associados e associadas. No entanto, esta situação merecerá, também, da nossa parte, medidas concretas que impeçam a sua entrada em vigor nos termos em que se encontra redigida”.
Fernanda de Almeida Pinheiro, com 53 anos, foi eleita como bastonária da Ordem dos Advogados para o triénio de 2023 a 2025, a 15 de dezembro. Tornando-se assim a terceira mulher a ocupar o cargo de líder dos advogados, depois de Maria de Jesus Serra Lopes, em 1990, e de Elina Fraga, eleita em 2013. A advogada contabilizou 59,6% dos votos. Ou seja: 10.539 do total de votos, contra os 7.245 de Paulo Pimenta. No total, votaram 17. 783 advogados, num universo de quase 37 mil.
Na segunda-feira, na cerimónia de tomada de posse, a advogada defendeu que “é essencial que a justiça chegue aos cidadãos e às cidadãs, independentemente da sua origem, dos seus meios económicos e do seu estrato social. E, uma vez mais, é imprescindível a participação da advocacia neste acesso dos cidadãos e cidadãs à justiça”.
Fernanda de Almeida Pinheiro – aplaudida por várias vezes enquanto discursava – defendeu que é essencial “rever as condições de acesso ao sistema de acesso ao direito e aos tribunais, tal como é fundamental garantir um verdadeiro acesso à consulta jurídica em todo o território nacional e, por fim, mas não menos importante, garantir a remuneração digna aos profissionais inscritos no sistema”, sublinhou.
A advogada foi uma das líderes do grupo de advogados que juntou mais de 3500 votos para realizar um referendo sobre o sistema de previdência da classe. Referendo esse que acabou por dar-lhe razão e defender a possibilidade de opção entre a CPAS e o regime geral de Segurança Social para os advogados. Apesar de alguns dos seus oponentes a terem apelidado da ‘candidata bloquista’, a advogada não milita em nenhum partido político. Irá exercer o mandato em exclusividade com o salário que o cargo de bastonário implica.
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