Bancos “culpam” legislador pelo aumento das comissões
Associação que representa setor da banca alerta Parlamento que proibir comissões pode violar a Constituição. E diz aos deputados que estão a desconsiderar o Banco de Portugal.
Contra a interferência do Parlamento, os bancos avisam agora que proibir a cobrança de comissões pelos serviços que prestam pode violar a Constituição portuguesa, alertando ainda para as “consequências indesejáveis” com um novo travão no comissionamento, como o desincentivo à inovação ou a redução da oferta a médio prazo. A associação que representa o setor “passa a culpa” do aumento das comissões para o legislador. E diz aos deputados que estão a “desconsiderar” o papel do Banco de Portugal nesta matéria.
Num longo comentário enviado à comissão de orçamento e finanças (COF), que prepara novas limitações nas comissões bancárias, a Associação Portuguesa de Bancos (APB) considera que os projetos de lei do PS e do PAN – que preveem o fim de algumas comissões relacionadas com o crédito à habitação, além de outras alterações nos preçários dos bancos – “carecem de sustentação nos factos ou no Direito”.
Em relação aos factos, a APB contesta a ideia de que os bancos pratiquem comissões “desproporcionais”, “excessivas” ou “abusivas”, alguns dos adjetivos que encontrou nos projetos de lei que estão em discussão no Parlamento.
“Apesar de ser por todos reconhecido, desde logo pelo setor, que o nível de comissionamento bancário aumentou na última década, parece-nos claro reconhecer que tal aumento nunca permitirá, por si só, levar à conclusão de que se assistiu a um aumento desproporcional ou abusivo, ou que o atual nível de comissionamento não se encontrará alinhado com o real custo dos serviços que visa remunerar, ou com o nível de comissionamento bancário nos demais Estados europeus”, argumenta a associação liderada por Vítor Bento.
Lembrando um relatório do Banco de Portugal sobre este tema, que concluiu que as comissões praticadas pelos bancos em Portugal não se desviam de forma significativa do que se pratica lá fora, a APB justifica o aumento das comissões com o aumento “considerável” dos custos indiretos, como a regulação.
E aqui atira ao próprio legislador, responsabilizando-o pelo aumento das comissões:
“Sempre que o legislador aumenta o nível dos deveres de informação a prestar aos clientes, sempre que obriga a que os trabalhadores bancários cumpram requisitos mais exigentes de conhecimento e competências, sempre que obriga a que os bancos tenham um papel mais preponderante no combate ao terrorismo e ao branqueamento de capitais, sempre que obriga a que os bancos cumpram requisitos mais exigentes ao nível da cibersegurança dos seus sistemas ou sempre que aumenta a responsabilidade objetiva dos bancos pela prestação de serviços bancários, o legislador está, clara e consequentemente, a determinar um incremento do custo, e, consequentemente, do preço dos serviços bancários e, concomitante e consequentemente, a determinar um aumento dos custos indiretos associado à respetiva prestação”.
Sobre este ponto, a APB salienta como o aumento da regulação se traduziu num reforço dos trabalhadores afetos a áreas de controlo, risco, compliance e reporte a supervisores: subiu de 5% do total de colaboradores dos serviços centrais dos bancos em 2009 para 15% em 2019.
"Sempre que o legislador aumenta o nível dos deveres de informação a prestar aos clientes, sempre que obriga a que os trabalhadores bancários cumpram requisitos mais exigentes de conhecimento e competências, (…) o legislador está, clara e consequentemente, a determinar um incremento do custo, e, consequentemente, do preço dos serviços bancários e, concomitante e consequentemente, a determinar um aumento dos custos indiretos associado à respetiva prestação.”
Viola a Constituição?
A APB aborda ainda a questão da “função social da banca”, outro dos argumentos dos deputados para acabar com algumas comissões a fim de assegurar “um acesso adequado da população aos serviços financeiros”.
Segundo a associação, limitar os bancos nas comissões acaba por ter um efeito contraproducente. “Para cumprir a sua função social e conseguir atrair o capital privado necessário para o desenvolvimento da atividade que sustenta essa função social, a banca tem de conseguir remunerar o seu capital em valor superior ao seu custo económico, sob pena de a desejada função social se tornar inviabilizada”, contrapõe a APB.
Assim, acrescenta, se não se atende à função social da banca, impor proibições na cobrança de comissões será antes uma “verdadeira restrição à livre iniciativa económica dos bancos, suscetível de violar as normas estruturantes do quadro constitucional nacional”.
Quais normas? O direito à iniciativa económica privada e ao princípio da concorrência, o direito à propriedade privada, o direito à igualdade, liberdade de gestão, organização e funcionamento que rege a atividade exercida pelas instituições bancárias, alega.
"Impor proibições de cobrança de comissões por serviços prestados pelos bancos a um vasto leque de clientes bancários (sem ficarem demonstradas quaisquer especiais necessidades de apoio a tais clientes), não será, afinal, justificável atenta a função social da banca. Será, antes, uma verdadeira restrição à livre iniciativa económica dos bancos, suscetível de violar normas estruturantes do quadro constitucional nacional.”
“Consequências indesejáveis”
Na carta enviada à COF, a APB termina com um alerta sobre as “consequências indesejadas” pelo legislador caso avance com um travão no comissionamento da banca. Por um lado, cria um desincentivo à inovação e à competitividade do sistema financeiro português, podendo também, “no médio prazo, limitar as ofertas comerciais aos consumidores residentes em Portugal”.
Por outro, não tem em conta os regimes harmonizados a nível europeu que regem a atividade bancária, “adensando, ainda mais, a fragmentação da legislação e o unlevel playing field nacional”.
Por último, com esta intervenção, o Parlamento está a “desconsiderar o entendimento e o papel do supervisor na aplicação das regras de comissionamento”, diz a APB.
“Ao diagnóstico feito pelo supervisor nacional no relatório sobre o comissionamento bancário, os projetos respondem com uma prescrição de novas proibições e limitações do comissionamento bancário. Em vez de se atender aos resultados do relatório, desconsidera-se o seu conteúdo”, aponta a associação, sugerindo aos deputados que tratem destes temas no plano europeu, “aproveitando a representação parlamentar nacional no Parlamento Europeu”, em vez de fomentarem o “goldplating” [adição de imposições nacionais em relação às diretivas europeias].
Do processamento do crédito ao distrate, as comissões com fim à vista
Em relação a um dos projetos do PAN, está em causa, por exemplo, alargar a proibição de comissões por processamento do crédito a todos os contratos, incluindo anteriores a janeiro de 2021 – a lei de 2020 apenas previa o fim desta comissão para contratos realizados após aquela data. Num outro projeto, o PAN quer que as contas de serviços mínimos bancários não tenham limites nas transferências no homebanking, nem nas aplicações de pagamento de terceiros (como MB Way) associadas a essas contas.
Por seu turno, o projeto de lei do PS visa limitar os bancos na cobrança de comissões em mudanças de titularidade das contas, no caso de morte de um dos cônjuges, e ainda as comissões nos processos de habilitação de herdeiros.
No que diz respeito ao crédito à habitação, os socialistas também pretendem eliminar a comissão do distrate (documento que prova que o crédito foi reembolsado na totalidade) e ainda permitir que um cliente que pede empréstimo e já tenha um relatório de avaliação do imóvel com menos de seis meses não tenha de pagar por nova avaliação (o banco pode mandar fazer nova avaliação, mas assume as despesas). Neste último ponto, a Deco pretende que a avaliação do imóvel seja válida durante um ano.
Quanto ao regime transitório que facilita a renegociação de créditos, criado no final do ano passado para ajudar as famílias a fazer face ao aumento das taxas de juro, o PS quer proibir as vendas associadas nos processos de renegociação (tais como seguros, cartões de crédito ou mesmo bens materiais, como cabaz de alimentos).
Em entrevista ao ECO, o deputado e um dos promotores da iniciativa socialista, Miguel Costa Matos, explicou que “nos últimos anos os portugueses ajudaram a banca” e agora, numa altura em que as taxas de juro estão a subir, “seria bom os bancos começarem a ajudar os portugueses”. “Isso implica serem razoáveis e proporcionais nas comissões que cobram”, apontou. Citando dados da Deco, que apontam para uma subida das receitas comissões em 50% na última década, Costa Matos disse ter identificado “exemplos claros de comissões que subiram para lá do razoável e do proporcional”, razão pela qual o Parlamento volta a intervir no mercado bancário, após as medidas tomadas em 2020, relativas ao MB Way e ao crédito da casa.
As propostas do PS e do PAN serão agora discutidas na comissão de orçamento e finanças, em sede da qual a APB deverá ser uma das entidades ouvidas, juntamente com a associação de defesa de consumidores, o Banco de Portugal, entre outras, num processo que deverá ficar concluído antes do verão.
Recentemente, o governador do Banco de Portugal, Mário Centeno, disse no Parlamento que tem a expectativa de que os bancos desçam as comissões, tendo em conta que as taxas de juro estão agora a aumentar e a engordar a margem financeira do setor.
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