TC decide pedido de Marcelo: Lei das Ordens Profissionais é ou não inconstitucional?

O prazo está a chegar ao fim e o Tribunal Constitucional vai ter de dar o seu veredito esta segunda-feira: a Lei das Ordens Profissionais é ou não é inconstitucional?

É já esta segunda-feira, dia 27 de fevereiro, que termina o prazo para o Tribunal Constitucional (TC) se pronunciar sobre a Lei das Ordens Profissionais, que altera o regime jurídico das associações públicas profissionais. O pedido de fiscalização preventiva foi feito por Marcelo Rebelo de Sousa no dia 1 de fevereiro.

Para o Presidente da República, o decreto da Assembleia da República suscitava dúvidas relativamente ao “respeito de princípios como os da igualdade e da proporcionalidade, da garantia de exercício de certos direitos, da autorregulação e democraticidade das associações profissionais, todos previstos na Constituição da República Portuguesa (CRP)”. Desta forma, decidiu pedir a fiscalização ao TC.

A nova lei das Ordens Profissionais vai alterar questões como as condições de acesso às respetivas profissões, introduzir estágios profissionais remunerados e criar uma entidade externa para fiscalizar os profissionais. No texto final foram introduzidas alterações como precisões sobre as taxas cobradas durante o estágio e a possibilidade de serem reduzidas. A duração dos estágios fixou-se em 12 meses, podendo ser maior em casos excecionais. Outra das alterações foi a aprovação da existência de um órgão disciplinar, que não estava previsto na anterior lei-quadro, que prevê a fiscalização sobre a atuação dos membros das ordens profissionais, composto por elementos externos às profissões respetivas.

Outra das questões polémicas é a introdução das sociedades multidisciplinares. Uma questão que poderá levantar problemas concretos na advocacia, uma vez que a profissão de advogado é dificilmente compatível com outras profissões, nomeadamente com os contabilistas certificados. Exemplo disso é que os contabilistas certificados não têm sigilo profissional, são obrigados a reportar à Autoridade Tributária, enquanto os advogados têm sigilo profissional.

Quase todas as Ordens Profissionais se mostraram contra esta proposta que nasceu do PS e do PAN. Segundo dados do Conselho Nacional das Ordens Profissionais (CNOP), existem atualmente em Portugal 20 ordens profissionais, tendo as duas últimas sido criadas em 2019, a Ordem dos Fisioterapeutas e a Ordem das Assistentes Sociais. Estas ordens regulam a atividade de mais de 430 mil profissionais.

Apesar de ser um diploma complexo, Marcelo Rebelo de Sousa teve dúvidas sobre alguns aspetos e decidiu pedir a fiscalização ao TC. Entre as dúvidas do chefe de Estado está:

  • Avaliação final do estágio profissional feita por um júri independente, de “reconhecido mérito”, com elementos externos à atividade profissional em causa;
  • Um órgão disciplinar com elementos externos à profissão em causa, que não sejam membros da associação pública profissional;
  • A criação de um órgão de supervisão que exerce funções de controle dos profissionais da classe em questão;
  • O exercício de uma função na Ordem Profissional em causa ser incompatível com o exercício de funções dirigentes em qualquer cargo da função pública;
  • A criação da figura do provedor em cada associação pública que seja externo à profissão em causa e que defenda os destinatários dos serviços da profissão em causa e que seria designado pelo bastonário, sob proposta do órgão de supervisão e que não poderá ser destituído a não ser por “faltas graves” no exercício da função.

No requerimento enviado ao TC, consultado pelo ECO, Marcelo Rebelo de Sousa relembrou os juízes do Palácio Ratton que o regime constitucional definido para as associações públicas profissionais é “muito próprio”, sublinhando a existência do princípio da autorregulação das associações profissionais que devem reger-se por “princípios democráticos internos, dotados de órgãos próprios e eleitos pelos seus associados”.

Abertura do ano judicial 2023 - 10JAN23
Marcelo Rebelo de SousaHugo Amaral/ECO

O chefe de Estado sublinhou também que o artigo 267º da CRP define que “as associações públicas só podem ser constituídas para satisfação de necessidades específicas e que não podem ser constituídas como sindicatos” e ainda o artigo 165º, 1, alínea s) que estipula a reserva relativa que a Assembleia da República tem em matérias de associações públicas. Marcelo invocou ainda o artigo 47º que estipula a liberdade de todos no acesso à profissão. Por isso, e mantendo a tónica sempre no princípio da autorregulação, a criação de um órgão de supervisão, de um provedor, de um órgão disciplinar e de um júri para avaliação no estágio, todos eles com entidades externas à profissão, “violam esse mesmo princípio”.

O Presidente da República referiu ainda em requerimento que a criação de um regime de incompatibilidades absolutas relativamente ao exercício de funções dirigentes na função pública, deixando de lado o regime de avaliar essas incompatibilidades em cada caso concreto, viola o princípio da proporcionalidade, ao criar-se esta “restrição desproporcionada”. Deu como exemplo o caso de um diretor de serviço de um hospital público do SNS ficar impedido de ter funções em órgãos diretivos na Ordem dos Médicos, o que não acontece com um médico do serviço de um hospital privado, violando assim também o princípio da igualdade.

O pontapé de saída desta lei

O projeto de lei relativo às ordens profissionais foi aprovado em votação final global pelo Parlamento no dia 22 de dezembro de 2022, com votos favoráveis de PS, Iniciativa Liberal e PAN, votos contra de PSD, Chega e PCP e abstenções de BE e Livre. Esta aprovação gerou muitas críticas quer por parte dos partidos políticos, como o PSD e PCP, quer pela Ordem dos Advogados.

Apesar deste diploma ter sido aprovado devido à maioria parlamentar PS de António Costa, esta lei surge na sequência de inúmeros alertas da Comissão Europeia e da OCDE. Estes organismos consideravam que em Portugal existiam demasiadas restrições no acesso às atividades profissionais, prejudiciais à atividade económica do país.

Alertas que se intensificaram com o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), que trouxe de novo a questão da desregulamentação das ordens profissionais, incluindo a sua fiscalização por entidades exteriores, também em matéria disciplinar, e o fim do acesso reservado da atividade a profissionais inscritos nas mesmas, como médicos, advogados, engenheiros, economistas, psicólogos, contabilistas, nutricionistas ou arquitetos.

Desta forma, Portugal comprometeu-se junto de Bruxelas que a lei relativa às profissões regulamentadas entraria em vigor até ao quarto trimestre de 2023. É um dos marcos que Portugal tem de cumprir para ter acesso ao terceiro cheque do PRR de 2,4 mil milhões de euros.

Fiscalização vai atrasar tranche do PRR de 2,4 mil milhões?

O pedido de fiscalização da lei das ordens profissionais pode atrasar a entrega de 2,4 mil milhões, a próxima tranche do PRR que Portugal deveria receber? António Mendonça, bastonário dos Economistas e presidente do CNOP, que abrange 17 das 20 ordens profissionais existentes no país, defende que não.

Em causa está o terceiro pedido de Portugal à Comissão Europeia (CE) do pagamento 2,4 mil milhões que supostamente estaria dependente da aprovação do diploma, aprovado pelo Parlamento a 22 de dezembro, da lei das associações públicas profissionais.

O plano inicial era o de aprovar este diploma em 2020, como foi feito, mas o Presidente da República submeteu a fiscalização preventiva de constitucionalidade pelo TC este decreto da Assembleia da República que altera a legislação relativa às associações profissionais e o acesso a certas profissões reguladas.

Na reunião que a CNOP teve com Marcelo Rebelo de Sousa, a 7 de fevereiro, a CNOP assumiu rejeitar “as pressões que já estão a ser feitas para condicionar o Tribunal Constitucional, na sua apreciação da constitucionalidade deste diploma, associando a sua entrada em vigor ao desbloqueamento de fundos do PRR. “Quisemos [nesta audição] salientar a rejeição ao que consideramos ser uma pressão junto do Tribunal Constitucional que é a alegação de que o processo atrasa a receção de verbas do PRR [Plano de Recuperação e Resiliência]”, disse António Mendonça.

António Mendonça, presidente da CNOP e bastonário da Ordem dos EconomistasMIGUEL A. LOPES/LUSA

“Nós não compreendemos. Se há preocupação da parte da OCDE e da Comissão Europeia tem que ver com o acesso à profissão, e não com o que foi feito em matéria de alteração à legislação das associações profissionais”, afirmou. O responsável sublinhou ainda que o CNOP “sempre participou no processo de acordo com os timings sugeridos. Aliás, o próprio Presidente da República foi extremamente rápido. Recebeu o diploma na segunda-feira (31 de janeiro) e na terça-feira tomou logo a posição, enviando para o Tribunal Constitucional. Portanto, este argumento não faz sentido e é uma tentativa de condicionar a decisão do Tribunal Constitucional”, considerou.

José Luís Moreira da Silva, presidente da Associação de Sociedades de Advogados de Portugal, defende igualmente que “a ideia que tem sido veiculada, que se não fosse aprovado o diploma como o foi, Portugal poderia ficar em risco de perder fundos europeus, não me faz sentido, pois outros países aprovaram esta matéria com inúmeras exceções, admitidas expressamente pela própria Diretiva Serviços”.

A mesma posição foi tomada pela bastonária da Ordem dos Advogados, Fernanda de Almeida Pinheiro, ao rejeitar estas mesmas pressões que alegadamente estarão a ser feitas ao TC. A líder dos advogados adiantou ainda que “nos termos da individualidade de cada Ordem, existem questões que se colocam de forma mais incisiva a umas que a outras, já que se prendem com a identidade do exercício da própria profissão, como é o caso da multidisciplinaridade e da incumbência da remuneração dos candidatos ao exercício da profissão. Neste sentido, a Senhora Bastonária dos Ordem dos Advogados aproveitou a oportunidade para reiterar e enfatizar a necessidade de revisão destas duas matérias.

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