CEO da TAP diz que viu atuação da SRS Legal e da Morais Leitão com “perplexidade”
Christine Ourmiére-Widener e Alexandra Reis, nos anexos da auditoria da IGF, apontam responsabilidades às sociedades de advogados Morais Leitão e SRS Legal, a que ambas recorreram.
Entre os vários anexos que foram juntos à auditoria realizada pela Inspeção-Geral de Finanças (IFG), cujas conclusões sobre a saída intempestiva de Alexandra Reis da TAP – com a consequente indemnização de 500 mil euros – foram segunda-feira conhecidas, encontram-se várias referências negativas à atuação da SRS Legal, que assessorou a TAP e à da Morais Leitão, que esteve do lado de Alexandra Reis.
A IGF foi clara nas conclusões sobre este processo de indemnização em causa, com o recurso a uma figura jurídica que não existe, isto é, um despedimento com acordo. E isso levou a IGF a concluir que o acordo da TAP com Alexandra Reis é mesmo nulo. Assim, em cinco pontos, ficaram explicadas as razões que levaram a inspeção a comunicar ao ministro das Finanças, para decisão da TAP, a necessidade da ex-administradora em devolver 450 mil euros dos 500 mil euros brutos pagos. E o que levou Fernanda Medina, a decidir a demissão do chairman da TAP, Manuel Beja, e da presidente executiva, Christine Ourmiére-Widener.
Mas logo nas respostas ao relatório preliminar, apresentado às partes pela IGF no final de fevereiro, Christine Ourmiére-Widener e Alexandra Reis, juntas ontem em anexo à auditoria, apontam responsabilidades às sociedades de advogados de topo — Morais Leitão e SRS Legal — a que ambas recorreram, externamente.
Argumentos da ex-CEO da TAP: “perplexidade” perante a atuação dos advogados da SRS Legal e da Morais Leitão
Em resposta à IGF, é respondido que Christine Ourmières-Widener “não é jurista de formação nem tem quaisquer conhecimentos jurídicos ou experiência de gestão de empresas públicas em Portugal”. E que por isso, sempre que necessário, “solicita aconselhamento externo especializado”, como foi o caso. E sublinha que “não foi alguma vez alertada para qualquer risco específico” que as decisões dos assessores jurídicos pudessem acarretar. Ou que a hipótese de enquadrar a saída de Alexandra Reis à luz das regras do estatuto do gestor público era mais favorável à TAP no que respeita a uma eventual indemnização.
E, por isso, foi com “perplexidade” que se viu confrontada, recentemente, com “as dúvidas quanto à solução jurídica encontrada”. Perplexidade essa que foi “ainda maior”, quando Christine Ourmières-Widener leu a fundamentação jurídica do relatório preliminar da IGF, explicando que “não compreende nem aceita que, no decorrer de todo o processo negocial, esses argumentos não tenham sido suscitados quer pelos consultores jurídicos da TAP (SRS Legal), quer mesmo pelos consultores jurídicos de Alexandra Reis (Morais Leitão) e ainda pelos representantes do Governo”.
A defesa da CEO da TAP admite ainda que “não lhe caberia a si, pelas razões apresentadas, sequer equacionar a hipótese do enquadramento legal, à luz do Estatuto do Gestor Público”. Solução essa que “nunca foi sequer invocada pela equipa de assessores jurídicos, ao longo de todo o processo negocial”.
Tendo este “detalhe” escapado a pessoas que a CEO da TAP descreve como tendo “conhecimento jurídico qualificado e com especiais deveres de zelo e diligência, quanto ao estudo de todos os cenários legais aplicados ao caso, como poderia antever outros cenários jurídicos?”, questiona a defesa da ex-líder da transportadora aérea.
No seu contraditório, a CEO começa por dizer que “a condução do assunto foi atribuída a um escritório de advogados de renome que, na altura, já assessorava a TAP em questões laborais”. Relembrando que, à data, a diretora jurídica da TAP, Stéphanie Silva, se encontrava em licença de maternidade, pelo que, na equipa, não havia nenhum jurista com o perfil para matéria de tal complexidade. “Sempre que necessário, a TAP recorre a serviços jurídicos externos, fazendo-o junto de escritórios de advogados de primeira linha, como foi o caso, ao recorrer à SRS Legal”. “Foi de total boa-fé” que Christine assume ter assinado “o acordo de cessação de relações laborais”.
Por seu turno, nessas mesmas respostas aos resultados preliminares da IGF, a TAP considera que é “absolutamente normal, com base num princípio de confiança, se atue com base no aconselhamento jurídico externo (a SRS Legal)”, acrescentando que “é ainda relevante referir que a TAP já tomou a iniciativa de fazer cessar este contrato de serviços prestados pela sociedade de advogados em causa“. O mesmo foi confirmado pelo escritório liderado por Pedro Rebelo de Sousa: “a SRS Legal confirma que a assessoria jurídica à TAP — iniciada em outubro de 2020 para o processo de reestruturação da empresa — cessará a 31 de maio de 2023”, referiu fonte oficial da sociedade de advogados, cujo dossier estava entregue ao sócio César Sá Esteves.
Alexandra Reis e a Morais Leitão
Alexandra Reis é mais discreta nas acusações que faz à sua anterior equipa de advogados da Morais Leitão. Apesar de ter sido este escritório que cessou a ligação jurídica que tinha com a engenheira. O que não aconteceu com a TAP, que foi esta a ter iniciativa de afastar a SRS Legal.
No contraditório entregue à IGF – já escrito e assinado pelos seus novos advogados Pedro Melo, sócio da Miranda, e as advogadas Paula Caldeira Dutschmann e Maria Ataíde Cordeiro- pode ler-se que Alexandra Reis celebrou “este acordo de total boa-fé, com a firme convicção que o mesmo seria válido”, acrescentando numa nota de rodapé da página quem assessorou juridicamente quem neste processo e que Alexandra Reis tem “formação em engenharia e não em direito”.
Já a Morais Leitão, logo em dezembro, quando foram conhecidos publicamente os termos da saída de Alexandra Reis da TAP, esteve em contacto com a ex-secretária de Estado do Tesouro “para esclarecimentos relativamente ao trabalho feito anteriormente, por ser esse o nosso dever de cuidado e imperativo de cortesia. Por manifesto conflito de interesses e atenta a leitura estrita que fazemos do Estatuto da Ordem dos Advogados, não nos foi possível voltar a prestar serviços jurídicos e reabrir o cliente, o que comunicámos a Alexandra Reis“, segundo explicou ao ECO, fonte oficial do escritório. Justificando ainda que Alexandra Reis foi cliente da Morais Leitão, “num projeto específico de assessoria, a negociação da sua saída da TAP. Como tal, prestámos serviços num período circunscrito (janeiro e fevereiro de 2022), tendo o assunto sido concluído e encerrado imediatamente depois”, explicou a mesma fonte.
O escritório liderado por Nuno Galvão Teles terá cessado a ligação profissional com a ex-secretária de Estado por potenciais conflitos de interesses, já que desde o verão de 2022 que assessoram a transportadora aérea em questões comerciais e contratuais. Segundo o que o ECO apurou, o dossier esteve com a sócia Helena Tapp Barroso.
E foi depois desta reunião entre Alexandra Reis e a Morais Leitão, que a ex-secretária de Estado do Tesouro recorreu, a 15 de janeiro deste ano, aos serviços de Pedro Melo, coordenador Direito Público & Regulatório, da Miranda.
Esta segunda-feira, em comunicado, Alexandra Reis discorda das conclusões do parecer mas não pretende recorrer para os tribunais. Em comunicado a que o ECO teve acesso, a gestora esclarece a sua decisão: “Por minha vontade própria devolverei o que indica a IGF, lamentando os ataques de caráter de que fui alvo nos últimos meses e com os olhos postos no futuro”.
A gestora que saiu da TAP com um acordo, foi depois para a presidência da NAV e, finalmente, assumiu as funções de secretária de Estado do Tesouro, insiste na tese de que foi demitida e não saiu por acordo. “O acordo resultou de uma iniciativa e proposta da TAP, a que acedi de boa-fé. E acedi com a finalidade última de evitar problemas institucionais no seio da Comissão Executiva da TAP”, escreve Alexandra Reis, numa primeira reação ao relatório da IGF.
Neste contexto, considera que teria direito a uma indemnização, porque se tratou de uma demissão por conveniência [os termos que são usados no Estatuto do Gestor Público]. “Não posso, pois, concordar com o Relatório da IGF (…) Mas, para que não restem quaisquer dúvidas, e como afirmei desde o início, não quero ter um euro sobre o qual recaia a mínima suspeita”. Alexandra Reis vai ter de devolver um total de 450.110,26 euros.
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