Estabelecimento estável – 2022 e os riscos resultantes do fim da pandemia

  • Gonçalo Cid
  • 17 Maio 2023

As empresas deverão já olhar para a realidade de 2022 e perceber de que modo poderão ter criado estabelecimento estável em jurisdições onde formalmente não têm escritórios.

Por norma, as regras fiscais internacionais restringem os países de tributar os rendimentos empresariais gerados por não residentes no seu território, a menos que o rendimento seja atribuível a um estabelecimento estável (EE) do não residente nessa jurisdição bem como em diversas leis fiscais internas e tratados para evitar dupla tributação.

Não existem dúvidas que um não residente tem um EE noutra jurisdição, se aí tiver uma instalação fixa, através da qual a empresa exerça toda ou parte da sua atividade, sendo que o que constitui uma instalação para efeitos de EE varia e é determinado caso a caso.

A possibilidade da casa de um empregado constituir um EE foi discutida pela primeira vez pela OCDE em 2017. Nos seus comentários ao Artigo 5º1, afirma-se, claramente, que a discussão sobre a casa de um empregado, para efeitos de EE do seu empregador não residente, não era uma extensão ou alteração do Artigo, mas uma clarificação da sua interpretação.

Assim, prevê-se que um escritório doméstico pode constituir um EE, sempre que a presença seja permanente e contínua, sendo esta interpretação ainda mais relevante sempre que ao trabalhador não seja disponibilizado um escritório e que o mesmo se veja obrigado a trabalhar desde a sua residência.

Esta interpretação foi reforçada, no contexto da pandemia de Covid-19, pelas orientações emitidas por diversas autoridades fiscais mundiais, nas quais Portugal não se incluiu, indicando que não haveria lugar à criação de EE pelo facto dos empregados trabalharem a partir de uma jurisdição diferente.

De facto, nessa altura, o trabalho exercido desde casa não teria um grau de permanência necessário para constituir um EE, e a obrigação de os empregados trabalharem desde casa, foi imposta pelos diferentes governos e não pelo empregador.

Com o fim da pandemia, a tendência do trabalho remoto foi acompanhada pelo crescimento significativo de nómadas digitais. Como tal, existe o risco para as empresas de que a presença dos seus empregados numa jurisdição diferente da sua, possa alargar a sua pegada fiscal, ainda que não intencional.

Recentemente, alguns Estados europeus pronunciaram-se sobre esta matéria, e em sentidos opostos. Polónia e Dinamarca consideram a existência um EE de entidades não residentes, quer pelo nível de senioridade e responsabilidade dos trabalhadores, quer porque a função implicava o trabalho remoto naquele território por indicação do empregador. Por outro lado, Espanha e Países Baixos, decidiram não haver EE porque a decisão do trabalho remoto pertenceu aos trabalhadores e estes não tinham poderes para vincular ou representar a empresa.

Podemos, assim, antecipar que estas situações venham a ser decididas caso a caso. É muito provável que as Autoridades Fiscais, incluindo a Portuguesa, privilegiem a prevalência da substância sob a forma para decidir se o domicílio de um empregado constitui um EE.

Ainda que a potencial carga fiscal que resulte de um EE se limite aos lucros atribuíveis às suas atividades (neste caso, o empregado), os requisitos regulamentares e o cumprimento das diversas obrigações fiscais em cada país devem ser acauteladas.

Assim, as empresas deverão já olhar para a realidade de 2022 e perceber, por terem empregados a trabalhar remotamente, de que modo poderão ter criado, ainda que sem intenção, EE em jurisdições onde formalmente não têm escritórios, de forma a cumprirem as suas obrigações fiscais.

1 – Convenção Modelo da OCDE

  • Gonçalo Cid
  • Sócio responsável pelo departamento de Fiscal da Andersen Legal

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