Um ministro para ficar? Agentes setoriais duvidam
Sete dias após ter ficado no Governo, o ministro das Infraestruturas apareceu no congresso das comunicações para anunciar mudanças nas competências do regulador. Mas teme-se estabilidade das decisões.
Foi como uma aparição: sete dias depois de ter ficado no Governo – com a proteção política do primeiro-ministro e a oposição do Presidente – João Galamba regressou à agenda pública. O ministro das Infraestruturas deixou de aparecer apenas dentro do carro oficial, foi ao congresso das comunicações e, logo à entrada, pressionado pelos jornalistas, deixou cair apenas que tem “imensas condições” para se manter no lugar. As associações e agentes que representam estas áreas é que duvidam da presença duradoura de Galamba à mesa do Conselho de Ministros. E há mesmo consenso que o ministro está numa situação fragilizada.
No congresso anual da Associação Portuguesa para o Desenvolvimento das Comunicações (APDC), na quarta-feira, a expectativa era elevada quanto ao teor da intervenção do ministro – a primeira aparição pública de Galamba depois do choque frontal entre Costa e Marcelo. “É o lugar certo para reaparecer”, dizia uma fonte do setor.
Galamba chegou com estrondo ao auditório da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa. A tentar fugir aos jornalistas que o abordavam e com as luzes das câmaras a iluminarem a plateia, a situação foi suficientemente ruidosa para interromper momentaneamente o debate entre os líderes das principais empresas de telecomunicações e provocar o burburinho na sala.
Antes do discurso de Galamba, a generalidade das pessoas ouvidas pelo ECO naquele congresso via fragilidade na posição do ministro. Um decisor do setor das telecomunicações destacou a posição “muito complicada”: “Não se pode demitir”, por ter sido segurado pelo primeiro-ministro. Outra fonte notou que as telecomunicações não param com a crise política, mas salientou que o clima de instabilidade “nunca é positivo”.
A sensação é partilhada pelas entidades que lidam com os portos. “Que o ministro está fragilizado, toda a gente reparou nisso”, nota o secretário-geral da Associação dos Agentes de Navegação de Portugal (AGEPOR). António Belmar da Costa sinaliza que, “sempre que houver decisões, pode haver desconfiança de quem está envolvido nas negociações“.
Se qualquer Governo está a prazo, a vida política de João Galamba como ministro parece ter um calendário muito mais curto em comparação com os restantes colegas. “O sentimento geral é que é um ministro a prazo”, observa o presidente da Associação Portuguesa de Operadores Logísticos (APOL), Vítor Figueiredo. Com pastas como o futuro do aeroporto de Lisboa e os investimentos na ferrovia nas mãos, teme-se que “a inércia e a demora nos últimos anos sejam mais agravadas com esta situação” política.
No momento da decisão, “um ministro em situação periclitante é altamente penalizador. Qualquer decisão pode ser facilmente revertida assim que houver um novo ministro, mesmo no próprio Governo”, acrescenta Vítor Figueiredo. O dirigente lembra o caso do despacho de Pedro Nuno Santos (antecessor de Galamba) em relação ao novo aeroporto de Lisboa, que acabou por ser revertido no dia seguinte por ordem do primeiro-ministro.
“Ataque” ao regulador das comunicações
Substituindo o primeiro-ministro, que cancelou a presença no congresso, Galamba aproveitaria o primeiro discurso depois da crise institucional entre Belém e São Bento para insistir na ideia de que a Anacom não deve ter competências administrativas, para satisfação dos players que há muito criticam a atuação do presidente, João Cadete de Matos, que está em fim de mandato. Esta parte do discurso terá caído bem junto das operadoras.
“A Anacom não deve ter atividades administrativas. Deve-se cingir às atividades regulatórias, é para isso que os reguladores existem e é esta a condição para a sua independência técnica e funcional. E quando não temos essa realidade, as coisas tornam-se menos transparentes, obviamente, e com problemas para todos”, disse o ministro em alto e bom som. “A regulação independente é essencial, mas deve ser regulação.”
A intervenção do ministro — com um discurso escrito — era aguardada com expectativa, por causa do momento político e por causa do fim do mandato de Cadete de Matos. Pediu diálogo, antecipou mudanças e deixou perceber que não quer deixar prolongar o presidente da Anacom em funções para lá do fim do mandato, em agosto.
Apesar de não ter a aprovação do Presidente da República, João Galamba mantém-se como ministro das Infraestruturas. “Continua a receber o ordenado. Enquanto assim for, tem de encontrar soluções“, considera José Manuel Oliveira, secretário-geral da Federação dos Sindicatos dos Transportes e Comunicações (Fectrans).
Se o papel do ministro para haver acordo com os maquinistas da CP foi destacado por António Costa, João Galamba terá aberto a porta a novos problemas com as outras classes profissionais da empresa pública ferroviária. Para a Fectrans, o que houve foram “soluções parciais que acentuam desigualdades entre trabalhadores e que abrem a porta ao descontentamento e a novos conflitos”.
Também nos portos João Galamba terá de voltar a negociar com os trabalhadores desta área. O Sindicato Nacional dos Trabalhadores das Administrações Portuárias apresentou um pré-aviso de greve para quatro dias em maio e nove dias em junho, depois de não ter sido discutida uma proposta de aumentos salariais, como o ministro tinha prometido em janeiro.
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