Marquês. Salgado sabe se faz ou não perícia médica independente, no que pode ser um volte face do processo
Ministério Público, em sede de recurso, assumiu que deverá ser feita uma perícia médica independente face à doença de Alzheimer de Salgado. Decisão do coletivo é conhecida quarta-feira.
O recurso de Ricardo Salgado — relativo à condenação a seis anos de prisão efetiva por abuso de confiança no âmbito da Operação Marquês — vai ser decidido pela Relação de Lisboa esta quarta-feira. Um dia que será decisivo para o andamento deste processo, já que o coletivo de juízes irá pronunciar-se se a perícia médica independente ao arguido deveria ter sido feita na primeira instância. Caso decida que sim, isso implica poder mandar o processo de novo à primeira instância para essa questão ficar sanada. Ou mesmo suspender a pena de prisão efetiva do arguido.
Em causa a doença de Alzheimer de Ricardo Salgado, comprovada pelo médico neurologista Joaquim Ferreira, mas cujo relatório médico foi pedido pela defesa do ex-líder do BES, protagonizada pelos advogados Francisco Proença de Carvalho e Adriano Squilacce. A mesma defesa que tem pedido, várias vezes e em vários processos, para que seja feita um exame médico independente, de forma a que fique tudo esclarecido perante a justiça e a opinião pública.
Não esquecer que a defesa do ex-banqueiro já tem um ponto que joga a seu favor: o facto de, na audiência realizada a 11 de maio, no âmbito dos recursos interpostos pela defesa do ex-banqueiro e pelo Ministério Público (MP), este ter cedido que fosse feita de forma independente uma perícia no Instituto Nacional de Medicina Legal.
E o que pediram os advogados de Ricardo Salgado no recurso?
Segundo o pedido dos advogados de defesa, Francisco Proença de Carvalho e Adriano Squilacce, em causa está a omissão do juiz da primeira instância “quanto à anomalia psíquica referente à Doença de Alzheimer do arguido que ficou demonstrada no facto, o que constitui nulidade”. Acrescentando que o “acórdão recorrido violou os princípios da dignidade humana, proporcionalidade e garantias de processo criminal”.
Nesta audiência, a defesa pretendeu ainda debater “que, caso se entenda que a anomalia psíquica superveniente do arguido não está suportada pela matéria do facto provado, a primeira instância tinha de ter determinado a realização de perícia médica para determinar se o arguido tem anomalia psíquica superveniente, mas, não o fez, pelo que o próprio acórdão recorrido violou o Código Penal e, ainda, incorreu em nulidade”, já que há uma insuficiência para a decisão da matéria de facto provada. Os advogados invocam ainda o acórdão de novembro de 2021, em que o ex-presidente da Câmara de Santa Comba Dão, João Lourenço, foi condenado a uma pena suspensa de sete anos de prisão, pelo facto do arguido sofrer da doença de Alzheimer.
Em janeiro deste ano, esse recurso tinha voltado à estaca zero. Em causa a baixa médica – que já durava há três meses – do juiz a quem tinha sido distribuído o processo, em maio. O processo acabou por ser redistribuído e ficou a cargo da magistrada Maria Leonor Botelho, da terceira secção da Relação de Lisboa.
Em maio do ano passado, a defesa do ex-presidente do BES, Ricardo Salgado, recorreu da condenação a seis anos de prisão no processo separado da Operação Marquês e pediu a revogação do acórdão, considerando que a decisão de pena efetiva vai causar ou acelerar a sua morte do cliente.
O que decidiu e disse o juiz na primeira instância?
Em março de 2022, a Justiça conheceu uma das decisões mais aguardadas dos últimos anos. Foi a primeira vez que um juiz decidiria se Ricardo Salgado, o ex-homem forte do BES, seria condenado ou absolvido nos vários processos-crime em que está envolvido. Neste caso, por três crimes de abuso de confiança que saíram da acusação da Operação Marquês, processo iniciado há oito anos e que envolve ainda o ex-PM socialista, José Sócrates.
Na sala do Campus de Justiça, a leitura da decisão demorou menos de dez minutos. O juiz presidente do coletivo, Francisco Henriques — o mesmo que pertencia ao coletivo que julgou Armando Vara por um crime de lavagem de dinheiro, também saído do Marquês — não leu sequer o que se poderia chamar de uma súmula do acórdão. Limitou-se a dizer que crimes estavam em causa, baseados em que transferências e valores correspondentes, a que penas Salgado estava condenado (quatro por cada um dos crimes) e a pena final, por cúmulo jurídico, de seis anos.
Mas um dos aspetos essenciais e que mais curiosidade suscitava neste processo em concreto era o de saber até que ponto a doença de Alzheimer de Salgado seria ponderada para a aplicação da pena. No acórdão, o juiz considerou que ficou provado que o ex-banqueiro sofre desta doença neurológica mas não referiu esse mesmo estado de saúde ao aplicar a pena de prisão efetiva de seis anos. Por um lado, admitiu que existia mas, por outro não ponderou esse fator para a aplicação da pena.
Voltemos atrás no tempo. Em outubro de 2021, a defesa de Salgado alega que o seu cliente sofre de Alzheimer. Juntou um relatório médico, assinado pelo neurologista Joaquim Ferreira, depois do juiz ter recusado uma perícia médica independente, que seria pedida pelo tribunal. Perante este diagnóstico, a defesa decide então fazer um requerimento para pedir a suspensão do julgamento ou, pelo menos, a haver condenação, que fosse a uma pena suspensa.
O juiz, perante esta questão, alegou que a defesa do arguido fez “renascer” o que prevê o artigo 106.º n.º 1 do Código Penal, segundo o seu despacho datado de 21 de outubro, a que o ECO teve acesso na altura. Ou seja: a equiparação da doença de Alzheimer a uma anomalia psíquica. E que, segundo este artigo, todos os arguidos que padecem desta anomalia, devem ser condenados apenas a uma pena de prisão suspensa. “A execução da pena de prisão a que tiver sido condenado suspende-se até cessar o estado que fundamentou a suspensão”, diz a lei.
E acrescentou: “esta questão é manifestamente prematura. O julgamento ainda não terminou. Consequentemente, não existe qualquer deliberação do Tribunal coletivo. Fazer qualquer consideração sobre o assunto seria antecipar uma apreciação jurídica e valorativa que neste momento não é admissível”, dizia Francisco Henriques a 21 de outubro de 2021.
Seria, então, expectável que essa apreciação jurídica fosse feita pelo magistrado, aquando a leitura da decisão condenatória, cinco meses depois. Mas nem na leitura, nem no próprio acórdão isso aconteceu. Em 93 páginas assinadas, este magistrado dedica apenas uma linha ao assunto: “ao arguido foi diagnosticada a doença de Alzheimer, conforme declaração médica do senhor doutor Joaquim José Coutinho Ferreira”. Não tecendo qualquer valoração jurídica sobre de que forma este estado de saúde poderia influenciar ou não o tipo de pena a que foi condenado.
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