Teste nacional à semana de quatro dias arranca. Sim ou não?
Num dos pratos da balança os benefícios para a saúde mental e a maior capacidade de atração e retenção de talento. No outro prato, os receios de perda de produtividade e de competitividade.
Quem não gostaria de trabalhar apenas quatro dias por semana, ganhando um dia extra de descanso e mantendo o seu rendimento? Se a semana de quatro dias de trabalho veio para ficar ainda não é claro, mas teve o dom de dar impulso à discussão sobre flexibilidade, saúde mental e até produtividade. Agora é a vez de Portugal testar este modelo, num piloto promovido pelo Governo, projeto que arranca com 39 empresas, abrangendo um total de 1.000 trabalhadores. Quais as vantagens e desvantagens deste novo modelo de trabalho?
Múltiplos benefícios têm sido apontados relativamente à adoção da semana de trabalho de quatro dias, sendo que o maior equilíbrio entre a esfera privada e a profissional é o que mais pesa na balança, em prol da saúde mental e do bem-estar. Recentemente, o Laboratório Português de Ambientes de Trabalho Saudáveis (LABPATS) recomendou a concretização da semana de quatro dias de trabalho, sem perda de remuneração, para uma melhor conciliação da vida profissional e familiar, e também para uma melhor e maior capacidade retenção das novas gerações.
“O trabalho é uma área da sua vida, mas não é a área da sua vida”, afirma Tânia Gaspar, coordenadora do trabalho desenvolvido pelo LABPATS. Mas a semana de quatro dias só funciona com algumas condições, defende. “Não pode haver decréscimo salarial, ou seja, que a pessoa não fique a receber menos, e que a pessoa não tenha que fazer o trabalho de todos os dias naqueles quatro dias, senão acaba por ficar completamente sobrecarregada.”
Reconhecendo que há atividades profissionais em que a semana de quatro dias é mais fácil de aplicar do que noutras, a psicóloga acrescentou ainda que “se a pessoa tiver de fazer o mesmo número de horas [da semana] numa fábrica, por exemplo, em quatro dias, vai haver quatro dias muito pesados e isso pode levar à exaustão”.
Na experiência que arranca esta segunda-feira, e tendo em conta as últimas informações divulgadas pelo Ministério do Trabalho, não haverá, perda de rendimento para os trabalhadores que beneficiarem de uma redução de horário, e também não é esperada concentração horária nos restantes dias. Haverá, sim, alguma flexibilidade no que toca à dimensão da redução horária.
No caso da Crioestaminal, Evolve e Onya Health, três das empresas que anunciaram publicamente que farão parte do piloto do Governo, a semana de quatro dias será alternada com a tradicional semana de cinco dias, o que dará uma redução das habituais 40 horas semanais para 32 horas semanais, de 15 em 15 dias.
Redução do stress, absentismo e rotatividade
Um relatório publicado no final de fevereiro por investigadores da Universidade de Cambridge, a partir do projeto-piloto de 61 empresas no Reino Unido, concluiu que trabalhar quatro dias por semana reduz o stress e mantém os níveis de produtividade.
Os investigadores sustentam que durante os seis meses em que estas organizações reduziram o horário de trabalho dos seus colaboradores em 20%, sem redução salarial, as baixas por doença diminuíram na ordem dos 65% e a rotatividade reduziu em 57%.
A investigação aponta também que 79% dos funcionários indicaram que o seu burnout (exaustão) foi reduzido e 39% disseram que os seus níveis de stress diminuíram.
Números especialmente importantes para a realidade nacional quando sabemos que, atualmente, os problemas relacionados com stress e saúde mental dos trabalhadores, resultando em absentismo, presentismo e quebras de produtividade, estão a custar às empresas portuguesas até 5,3 mil milhões de euros por ano, uma subida face aos 3,2 mil milhões estimados no ano passado, dava conta o II Relatório “Custo do Stresse e dos Problemas de Saúde Psicológica no Trabalho”, da Ordem dos Psicólogos Portugueses.
Mas, voltando ao Reino Unido, 61 empresas e 2.900 trabalhadores experimentaram, de junho a dezembro de 2022, este modelo de trabalho. E o piloto inglês ‘passou no teste’ com distinção.
Feito o balanço final, a maioria das empresas participantes (91%) não planeia voltar à semana de cinco dias. Só três empresas interromperam a experiência e duas ainda ponderam horários de trabalho mais curtos. As restantes encaram a experiência como bem-sucedida, tendo em conta os aumentos de receitas ou os menores níveis de burnout.
“Questionava-me se seria muito mais difícil para as empresas fazer semanas de trabalho de quatro dias e a resposta parece ser não. As organizações fizeram um excelente trabalho e estão realmente satisfeitas com ele”, comentava Juliet Schor, responsável pela investigação, à Bloomberg (acesso pago, conteúdo em inglês), no final de fevereiro, aquando da divulgação destes dados.
A economista e socióloga indica que foram obtidos “resultados muito semelhantes” aos de testes mais pequenos de empresas nos Estados Unidos, Irlanda e Austrália.
Os trabalhadores com uma semana mais curta gostaram da experiência devido às melhorias sentidas ao nível do stress e fadiga, mas também em termos do impacto na vida pessoal. O tempo que os homens passaram a cuidar das crianças aumentou, enquanto as mulheres dizem ter beneficiado do dia extra de folga, em simultâneo com uma maior satisfação com a vida e o trabalho.
Num exemplo entre diferentes áreas, os trabalhadores dos serviços e de organizações sem fins lucrativos encontraram mais tempo para praticar exercício físico, enquanto os da construção civil sentiram maiores benefícios em termos do sono.
Nenhum dos trabalhadores que participaram disse querer abandonar o modelo e 15% garantiram que nenhuma quantia de dinheiro os motivaria a regressar à semana de cinco dias. O absentismo, por sua vez, diminuiu de dois dias por mês para 0,7. E as receitas das organizações aumentaram 35% relativamente a períodos semelhantes do ano anterior e 1,4% durante o teste.
De forma geral, as empresas classificaram a experiência, que foi coordenada pela organização sem fins lucrativos 4-Day Week Global, com um 8,5, numa escala de um a dez.
O que acontece à produtividade?
Os resultados esperançosos no Reino Unido devem ser contrastados com outras realidades, e mais próximas ainda. Em Espanha, nove em cada dez profissionais preferiam trabalhar quatro dias por semana. Contudo, um novo estudo da Hays España, divulgado pelo Expansión (acesso pago, conteúdo em espanhol), revela que apenas 5% das empresas pensou realmente em implementar a semana de trabalho reduzida. Uma percentagem que fica muito distante da vontade de 93% dos colaboradores espanhóis.
Porquê? Receios ao nível da produtividade persistem. Cerca de 70% das empresas espanholas inquiridas pela Hays admitiram que não estão preparadas para implementar este modelo de trabalho. Preocupa-lhes que comprometa a produtividade (39%) e não estarem preparadas a nível operacional (37%).
Receios partilhados pelos empresários portugueses. Um inquérito realizado junto de 1.130 empresas associadas da Associação Empresarial de Portugal (AEP) mostra que “cerca de um terço dos empresários considera que a implementação da semana dos quatro dias não será benéfica para nenhuma das partes, e outro tanto que apenas é benéfica para os trabalhadores”.
Do inquérito resulta que os mais de mil empresários inquiridos temem os impactos que a generalização da medida teria: 71% antecipam que a medida teria um impacto “negativo ou muito negativo” nos lucros, na competitividade (69%) e na produtividade (65%). As preocupações dos gestores abrangem também o aumento das queixas dos clientes (70%) e dificuldades resultantes da organização dos processos internos (70%).
Para os empresários, quem terá mais benefícios com a implementação da semana dos quatro dias, “serão seguramente os trabalhadores e não as empresas”. Cerca de um terço considera que a implementação da semana dos quatro dias “não será benéfica para nenhuma das partes” e mais de um terço considera que “apenas é benéfica para os trabalhadores”.
A esmagadora maioria das empresas (77%) concorda (parcial ou totalmente) que, em alternativa, “seria preferível uma total flexibilidade no modelo a adotar, por acordo entre o trabalhador e a empresa”.
Se olharmos para a própria preparação do piloto português que arranca hoje, vemos esses recuos. Das 90 empresas que manifestaram, inicialmente, interesse em aderir à semana de quatro dias de trabalho, apenas 46 decidiram avançar para a segunda fase do piloto e, destas, “39 empresas, distribuídas por 10 distritos” passaram a esta nova fase, informa o Ministério do Trabalho. Destas 39, um total de “12 empresas são associadas do projeto e iniciaram a semana de 4 dias no final de 2022, ou início de 2023”.
“Lisboa, Porto e Braga são as principais localizações das empresas, entre as quais está um instituto de investigação, uma creche, um centro de dia, um banco de células estaminais que trabalha 7 dias, e empresas do setor social, indústria e comércio. Ao todo, o piloto arranca com cerca de mil colaboradores“, refere o Ministério. Na fase anterior, a mais de quatro dezenas de empresas abrangiam um total de 20.000 colaboradores.
“Das empresas que optaram por ainda não avançar nesta fase, a maioria mantém o interesse em implementar a semana de 4 dias, mas preferiu adiar para durante o segundo semestre de 2023 ou início de 2024“, refere a mesma fonte.
“O número de inscrições no projeto piloto em Portugal assemelha-se com a realidade internacional. O projeto piloto europeu contou com 20 empresas europeias, em Inglaterra 61 empresas avançaram com a experiência e, nos Estados Unidos, o piloto arrancou com 30 empresas assim como na Nova Zelândia”, conclui.
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