Ex-PGR já foram ao Parlamento prestar contas? Sim, todos desde 2000

Conferência de líderes reuniu-se para decidir se Lucília Gago deverá ser chamada ao Parlamento para justificar as buscas à sede do PSD e da casa de Rui Rio, transmitida em direto nas tv's.

No dia 12 de Julho, o país acordou com as buscas a casa do ex-líder social democrata, Rui Rio. Em direto nas televisões, os inspetores da Autoridade Tributária e da Polícia Judiciária entravam na casa de Rio, com o próprio a falar aos jornalistas da sua varanda, ironizando a situação. Um episódio que originou logo críticas dos variados quadrantes políticos. Dias depois, o presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, acusava as autoridades judiciárias de estarem a permitir crimes em direto, tendo em conta que a investigação em causa está ainda em segredo de Justiça.

A PJ suspeita de um esquema de pagamento de ordenados a funcionários do PSD com recurso a verbas da Assembleia da República que são destinadas a cargos de assessoria dos grupos parlamentares. No total, foram 20 buscas, 14 delas domiciliárias, cinco a instalações de partido político e uma em instalações de Revisor Oficial de Contas, que contou com 100 inspetores e diversos peritos informáticos e financeiros. Da sede do PSD levaram material para analisar que pode conter informação relativa à estratégia do partido.

O tema adensa-se ainda mais, depois de, na sexta-feira, no seguimento desta investigação, saber-se que as autoridades judiciárias pretendem alargar o âmbito do caso aos assessores dos outros partidos da Assembleia da República (AR), segundo o Expresso. O objetivo é tentar perceber se os assessores realmente trabalham para os respetivos grupos parlamentares ou se não têm qualquer tipo de atividade na AR e trabalham antes apenas para os partidos, recebendo na mesma dinheiro do Parlamento.

Dias depois das televisões filmarem agentes policiais a entrarem e saírem da casa de Rui Rio, os líderes dos partidos com assento parlamentar, reuniram-se em conferência de líderes para analisar precisamente as buscas judiciais na sede nacional do PSD mas também a possível audição da titular da investigação criminal, Lucília Gago, no Parlamento, para prestar esclarecimentos sobre esta investigação: nomeadamente a violação do segredo de justiça e o uso de (muitos) meios para estas buscas.

Marcelo Rebelo de Sousa não se quis pronunciar sobre a possibilidade. O Presidente da República declarou que a ida de Lucília Gago à Assembleia da República é “uma questão do Parlamento”, não comentando as declarações de Augusto Santos Silva nem as decisões do Parlamento, mas disse que assume uma posição de árbitro.

A acontecer, será caso único? Já anteriores procuradores-gerais foram ao Parlamento prestar contas em relação a casos concretos? A partir de 2000, sim, praticamente todos. Relembramos aqui os casos mais paradigmáticos.

Souto Moura (de 2000 a 2006)

Dezembro 2005

Corria o ano de 2005, com o processo Casa Pia a ocupar páginas de jornais, a título diário. Na altura, os advogados de defesa e de acusação do processo Casa Pia mostraram-se contra a audição, no Parlamento, do procurador-geral da República (PGR), Souto Moura, requerida pelo PS e aprovada pelos deputados do PSD e BE. Ma explicar-se o magistrado acabou por ir justificar-se perante os deputados.

O PS quis questionar Souto Moura na Comissão dos Assuntos Constitucionais sobre as alegadas falhas que existiram na investigação do processo de pedofilia da Casa Pia. A audição, como quase todas, foi à porta fechada.

Janeiro 2006

No final do mandato, Souto Moura volta a ser ouvido no Parlamento sobre os registos telefónicos de altas figuras do Estado incluídos no processo Casa Pia, tendo sido forçado a dizer que a investigação acerca do caso ainda não estava concluída.

“A investigação vai continuar”, disse Souto Moura depois da audiência de cerca de 25 minutos que também teve com o Presidente da Republica, Jorge Sampaio, a quem foi apresentar “um conjunto de elementos” já apurados pelo Ministério Público.

A audiência no Palácio de Belém, solicitada pelo PGR, ocorreu seis dias depois do presidente Jorge Sampaio ter pedido que as averiguações acerca dos registos telefónicos incluídos no processo Casa Pia estivessem “concluídas a curtíssimo prazo”.

Fevereiro de 2011

Já como ex-procurador-geral da República Souto Moura, foi ao Parlamento para esclarecer que seguimento foi dado pelo Ministério Público às conclusões da última comissão de inquérito à queda do avião onde morreu Sá Carneiro, nos anos 80, em Camarate.

O deputado social-democrata Campos Ferreira considerou que a audição do antigo PGR é a «diligência das diligências», já que, depois de entregues as conclusões da oitava comissão de inquérito, que concluiu pela ocorrência de um atentado, o «Ministério Público decidiu não fazer as diligências que deviam ter sido feitas».s conclusões da oitava comissão e as guardou na gaveta».

 

Pinto Monteiro (mandato de 2006 a 2012)

Dezembro 2008

No final de 2008, o Procurador-Geral da República da altura, Fernando Pinto Monteiro, foi ao Parlamento falar sobre as investigações ao Banco Português de Negócios (BPN), na sequência de um requerimento entregue pelo PS.

O líder parlamentar dos socialistas, à data, Alberto Martins, justificou o pedido de audição do PGR, explicando que “os factos graves que conduziram à nacionalização do BPN e que lesaram o interesse nacional não podem deixar de ser alvo de uma investigação criminal célere, profunda e consistente, que responsabilize civil e criminalmente os responsáveis por essa situação”.

O Procurador-Geral da República, Pinto Monteiro, durante a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias na Assembleia da República, em Lisboa, 2 de outubro de 2012.

Março de 2010

Neste caso, foi o próprio Pinto Monteiro que manifestou disponibilidade para ser ouvido na comissão parlamentar de inquérito destinada a averiguar o alegado envolvimento do Governo na intenção de compra da TVI pela PT. Dando por “esclarecidas” as controvérsias relativas ao processo Face Oculta, Pinto Monteiro declarou que, em relação ao negócio PT/TVI, iria “com todo o gosto” à AR. A comissão foi pedida por sociais-democratas e bloquistas de forma a averiguar o alegado envolvimento do primeiro-ministro José Sócrates na intenção da PT de comprar a TVI.

Março de 2011

Pinto Monteiro foi ouvido no Parlamento devido à célebre entrevista em que insinuava que o seu telefone poderia estar sob escuta, já que de vez em quando ouvia “uns barulhinhos estranhos” no mesmo.

O pedido foi feito pelo PSD. Na altura, o presidente da bancada parlamentar social-democrata, Miguel Macedo, criticava o Governo, afirmando que se este “tivesse sentido de Estado teria imediatamente chamado à presença do seu ministro da Justiça e o PGR para esclarecer esta afirmação gravíssima”.

À data, Sócrates afirmou não ter conhecimento de nenhuma escuta ilegal, considerando que o PGR não deixará de exercer as suas competências caso isso se verifique, declarações que o líder parlamentar do PSD considerou deixarem “no ar a ideia de que pode efetivamente haver escutas ilegais”.

Joana Marques Vidal – (2012-2018)

Março de 2019

Joana Marques Vidal, a antecessora de Lucília Gago, em 2018, não poupou críticas à atitude da Polícia Judiciária Militar (PJM) no inquérito ao furto de Tancos, principalmente a rem relação ao “reaparecimento” do material militar. Numa análise, que admitiu carecer ainda de um “estudo aprofundado”, questionou mesmo a necessidade da existência desta polícia.

Ouvida na Comissão Parlamentar de Inquérito, a já ex-procuradora recordou a sua surpresa quando soube, por um comunicado da PJM, dia 18 de outubro de 2018, que tinham sido recuperadas as armas, roubadas dos paióis cerca de quatro meses antes, na sequência de investigações em curso. “A partir do momento em que a competência da investigação era do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), coadjuvado pela PJ, a PJM não tinha competência para fazer qualquer diligência de investigação sem comunicar ao MP e à PJ. Esse comunicado denota alguma leitura não adequada da PJM em relação à lei e das suas obrigações face ao ocorrido”.

Lucília Gago (mandato iniciado em outubro 2018 )

Fevereiro 2020

Até a atual esteve prestes a ser ouvida no Parlamento mas a audição da procuradora-geral da República acerca da diretiva sobre poderes hierárquicos no Ministério Público (MP), acabou por ser chumbada. Foi apenas ouvido o presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público e o ex-PGR, Cunha Rodrigues. Os requerimentos vierm do Iniciativa Libera (IL), CDS e Chega para que ouvir Lucília Gago, mas foram reprovados, nessa parte, com os votos do PS e a abstenção do PCP e da deputada não inscrita Joacine Katar Moreira.

Cerimónia de abertura do ano judicial 2020 - 06JAN20

A polémica em torno desta orientação de Lucília Gago remonta a outubro de 2019, quando o Conselho Superior do Ministério Público (CSMP) levantou a questão se a autonomia do Ministério Público (MP) absorve a hierarquia do Ministério Público? Ou seja, se os magistrados do MP são subordinados à hierarquia do diretor do DCIAP, dos DIAP’s ou, da PGR.
Deste modo, o CSMP propôs a Lucília Gago pedir um parecer ao Conselho Consultivo sobre o conflito entre esta autonomia e hierarquia dos magistrados do MP. A procuradora seguiu a proposta do Conselho Superior e pediu o parecer.

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