O “pingue pongue” entre o juiz e os procuradores do Ministério Público na Operação Influencer
O desacordo entre os procuradores e o juiz Nuno Dias Costa começou com as medidas de coação. O Ministério Público pedia medidas mais "duras", mas o juiz acabou por libertar todos os detidos.
Se para os procuradores do Ministério Público (MP) existem indícios da prática de crime corrupção, para o juiz Nuno Dias Costa as considerações são “genéricas e vagas”. Esta é uma das muitas posições divergentes entre a acusação e o juiz de instrução criminal, relativamente à Operação Influencer.
Este caso chegou ao palco do media em novembro e desde então que ainda não saiu de “cena”. Levou à detenção de cinco arguidos, entre eles Diogo Lacerda Machado e Vítor Escária, ex-chefe de gabinete do Primeiro-ministro e culminou com a demissão de António Costa, a posterior queda do Governo e a marcação de eleições antecipadas.
O “pingue pongue” entre os três procuradores e o juiz Nuno Dias Costa começou com as medidas de coação. O Ministério Público pediu medidas mais “duras” e “pesadas”, chegando a pedir a caução mais elevada de sempre na justiça portuguesa, no valor de 19,5 milhões de euros, à Start Campus. Ainda assim, o juiz decidiu libertar todos os detidos no dia 13 de novembro. Uma decisão que ficou “aquém” das expectativas do MP. Vejamos o que os magistrados do MP pretendiam e o que decidiu o juiz:
- Para Diogo Larceda Machado, amigo de Costa, e Vítor Escária, ex-chefe de Gabinete de Costa, o Ministério Público pediu a medida de prisão preventiva, a medida de coação mais grave. Mas o juiz apenas exigiu uma caução de 150 mil euros e a entrega de passaporte para Lacerda Machado e a entrega de passaporte e a proibição de se ausentar a para o estrangeiro para Escária.
- Para Rui de Oliveira Neves, advogado e administrador da Start Campus, o Ministério Público pediu o pagamento de 100 mil euros e a proibição de contacto. Ainda assim, o magistrado Nuno Dias Costa apenas aplicou o Termo de Identidade e Residência (TIR), ou seja, a medida de coação menos gravosa. Com o TIR, o arguido fica obrigado a comparecer perante as autoridades sempre que a lei o obrigar ou para tal for notificado e não pode mudar de residência nem dela se ausentar por mais de cinco dias sem comunicar a nova residência ou o lugar onde possa ser encontrado.
- Para Afonso Salema, administrador da Start Campus, o Ministério Público queria o pagamento de 200 mil euros e a proibição de contacto. Mas o juiz apenas aplicou o TIR.
- Para Nuno Mascarenhas, autarca de Sines, o Ministério Público exigiu a suspensão do seu mandato na Câmara Municipal de Sines, a proibição de contactos e a proibição de entrar nas instalações da autarquia. Mas o juiz decidiu aplicar-lhe apenas o TIR.
- Por fim, para a Start Campus, o Ministério Público pediu uma caução de 19,5 milhões de euros, mas o juiz apenas exigiu uma caução no valor de 600 mil euros.
Crimes indiciados também causam divergência
Também no que toca aos alegados crimes que recaem sob cada arguido os procuradores e o juiz Nuno Costa Dias divergem, chegando o magistrado a não validar os crimes de prevaricação e corrupção ativa e passiva imputados a alguns arguidos.
- No que concerne a Diogo Lacerda Machado e Vítor Escária, o Ministério Público imputava quatro crimes a cada: um de tráfico de influências, um de corrupção ativa quanto a titular de cargo político agravado e dois de prevaricação. Mas o juiz assume apenas que estão “fortemente indiciados”, em coautoria e na forma consumada, um crime de tráfico de influência.
- No que concerne a Afonso Salema e Rui de Oliveira Neves, o MP imputava sete crimes a cada: um de corrupção ativa quanto a titular de cargo político agravado, um de tráfico de influências, três de prevaricação e dois de recebimento ou oferta indevida de vantagem quanto a titular de cargo público agravado. Para Nuno Costa Dias, os arguidos estão indiciados em coautoria de um crime de tráfico de influência e um crime de oferta indevida de vantagem.
- No que concerne à empresa Start Campus, o MP indiciava de quatro crimes: um de tráfico de influências, um de corrupção ativa quanto a titular de cargo político agravado e dois de recebimento ou oferta indevida de vantagem quanto a titular de cargo público agravado. Mas o juiz considerou que estava “fortemente indiciada” de um crime de tráfico de influência e um crime de oferta indevida de vantagem.
- No que concerne, por fim, a Nuno Mascarenhas, o MP indicava-o de dois crimes: um de corrupção passiva quanto a titular de cargo político agravado e um de prevaricação. Mas o magistrado não indiciou de nenhum crime.
Apesar de na lista de crimes validados pelo juiz a corrupção, quer ativa ou passiva, e a prevaricação não constarem, isto não quer dizer que os arguidos não possam ser acusados pelos mesmos. Isto porque o Ministério Público pode voltar a colocar em “cima da mesa” estes crimes, uma vez que nesta fase o juiz não tem competência para limitar a ação do MP na definição do objeto do processo.
Ministério Público recorreu da decisão
Perante as medidas de coação decretadas pelo juiz Nuno Dias Costa, o Ministério Público recorreu. Mas em que divergem?
O juiz considerou que as medidas de coação propostas quer para Diogo Lacerda Machado quer para Vítor Escária são “manifestamente desproporcionais sobretudo à luz da pena que previsivelmente pode vir a ser aplicada, não valendo aqui considerações genéricas ou estereotipadas”. Considerando assim que a prisão preventiva “não é compatível como uma pena de prisão antecipada”.
No recurso apresentado, o Ministério Público entende que as medidas de coação propostas “eram” e “são” proporcionais “à muito elevada gravidade dos crimes imputados e às penas que previsivelmente lhes serão aplicadas”. Ainda assim, assinalaram que ocorreram entretanto “circunstância com manifesto relevo para a tomada de decisão”, como a exoneração de Escária e a demissão de Costa.
Desta forma, os procuradores admitiram no recurso uma mudança sobre a medida de coação mais pesada aos dois arguidos. “Embora não se vislumbre de que modo tais exigências poderão ser totalmente debeladas, certo é que os arguidos Vítor Escária e Diogo Lacerda Machado encontram-se em liberdade há cerca de um mês e assim previsivelmente permanecerão durante esses vários meses até à decisão do recurso, pelo que se admite que, nesse momento não seja necessária a aplicação de uma medida privativa da liberdade a tais arguidos”, referem.
Já para o juiz Nuno Dias Costa, o Ministério Público foi “demasiado conclusivo”, baseado em considerações “genéricas e vagas” no que toca a alguns factos do despacho de indiciação. Assume que os indícios “não preenchem nem o tipo de corrupção passiva, nem o tipo de corrupção ativa” e que “à luz da descrição factual fica por preencher o elemento do tipo objetivo do tipo de crime de corrupção para a prática de um qualquer ato ou omissão”.
Mais uma vez, o Ministério Público responde que existem fortes indícios dos crimes em causa, sublinhando que deveria ser conferida “maior credibilidade ao teor das conversas” nas escutas aos arguidos do que à “versão apresentada em interrogatório”.
Assim, os procuradores consideram que o juiz cometeu diversos erros de apreciação, principalmente ao deixar cair os crimes de corrupção e prevaricação. No recurso, o Ministério Público aponta que, por exemplo, no crime de corrupção, a vantagem que importa é a que é “oferecida ou solicitada, não sendo necessária a sua efetiva entrega” e que a prevaricação não depende de um resultado, mas antes da atuação com o objetivo de beneficiar terceiros ou o Estado.
No que toca a João Galamba, que até ao momento não foi ouvido pela justiça nem detido, os procuradores consideram que este foi o “autor” e “verdadeiro mentor” desta teia de esquemas, fazendo conluio com Afonso Salema e Rui de Oliveira Neves. “Parece-nos cristalino que o arguido não só atuou conluiado com os arguidos Afonso Salema e Rui Oliveira Neves, da Start Campus, como foi na verdade o autor e verdadeiro mentor dos factos ora em apreço”, lê-se no recurso.
Assim, o Ministério Público considera que todos os atos foram praticados pelo ex-ministro das Infraestruturas, enquanto membro do Governo, ou, “pelo menos, seriam por si preparados e apresentados em Conselho de Ministros”. Contrariando mais uma vez o juiz Nuno Dias Costa, os procuradores consideram que João Galamba é suspeito de prevaricação.
Já no que toca a Nuno Mascarenhas, que o juiz considerou não existirem indícios de nenhum crime, afirmando que o autarca delegou competências numa vereadora para aprovar licenças que eram essenciais à construção da Start Campus. Mas para o Ministério Público é irrelevante que tivesse delegado competências, uma vez que existiria um acordo para influenciar as decisões. Os procuradores reforçaram no recurso que o autarca foi corrompido.
No recurso apresentado o Ministério Público assumem alguns erros no decurso do processo. Para além do Ministério Público, também as defesas de Diogo Larceda Machado e de Vítor Escária recorreram da decisão do juiz Nuno Dias Costa.
A operação do dia 7 de novembro do Ministério Público assentou em pelo menos 42 buscas e levou à detenção de cinco pessoas para interrogatório: o chefe de gabinete do primeiro-ministro, Vítor Escária; o presidente da Câmara de Sines, Nuno Mascarenhas; dois administradores da Start Campus, Afonso Salema e Rui Oliveira Neves; e o advogado Diogo Lacerda Machado, amigo de António Costa.
No total, há nove arguidos no processo, entre eles o ministro das Infraestruturas, João Galamba; o presidente da Agência Portuguesa do Ambiente, Nuno Lacasta; o advogado e antigo porta-voz do PS, João Tiago Silveira; e a empresa Start Campus.
O primeiro-ministro demitiu-se depois de se saber que o seu nome tinha sido citado por envolvidos na investigação do MP a negócios do lítio, hidrogénio e do centro de dados em Sines, levando o Presidente da República a dissolver a Assembleia da República e convocar eleições legislativas para 10 de março.
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