Hugo Pinho, Isabel Fernandes e Joana Pinto são diretores jurídicos de três empresas e partilharam quais são os principais desafios de liderar uma equipa legal, face ao contexto económico atual.
Liderar equipas é sempre um desafio, e quando os tempos são de crise e incerteza estes acentuam-se. Os últimos anos foram de grande turbilhão: uma pandemia, duas guerras, aumento da inflação, e perante este contexto as lideranças tiveram que se reinventar.
No setor jurídico a realidade não foi diferente. Hugo Pinho, Isabel Fernandes e Joana Pinto são diretores jurídicos de três empresas e partilharam com a Advocatus como é gerir pessoas e quais são os desafios.
“A inflação, como fator disruptivo, desafia as lideranças das equipas jurídicas de empresas a aliar o entendimento das questões legais a uma visão pragmática para mitigar os impactos económicos”, começa por afirmar Joana Pinto, diretora jurídica da Accenture Portugal.
Há cerca de 17 anos na empresa, Joana Pinto defende que, em contextos de mercado mais desafiantes, as mudanças acontecem rapidamente.
“Estes desafios colocam-se, desde logo, ao nível da negociação de contratos, especialmente de longo prazo, que se torna mais complexa devido à incerteza nos custos e preços, volatilidade nas moedas, impacto nas margens de lucro e às próprias expectativas que cada parte tem relativamente às perspetivas de evolução económica”, sublinhou.
Assim, considera que nestes casos a abordagem deve ser “mais cuidadosa” e “flexível” nas negociações de forma a garantir acordos sustentáveis para ambas as partes e que lhes permitam “navegar em contextos mais instáveis salvaguardando a estabilidade financeira das empresas”.
Joana Pinto sublinhou ainda que a incerteza sobre as expectativas económica traz desafios à gestão de contratos, o que “propicia o aumento de litígios”. “A clareza sobre as condições contratuais e a previsão de mecanismos alternativos de resolução de disputas, como arbitragem e mediação, que permitam uma resolução célere das questões controvertidas, são aspetos cruciais que não podem ser negligenciados nas negociações”, acrescentou.
Assim, perante quadros económicos voláteis como o inflacionário, considera que um assessor jurídico in-house deve ser capaz de transformar o conhecimento jurídico em decisões que estabeleçam transparência na definição de responsabilidades e promovam relações de confiança.
“Ao estabelecer clareza nas obrigações contratuais e mecanismo de gestão contratual robusta, asseguramos uma base sólida para a adaptação às flutuações económicas, contribuindo para o sucesso sustentável da organização como um todo”, notou.
Já Hugo de Almeida Pinho, diretor jurídico e de compliance da Siemens Healthineers, acredita que os desafios de liderar uma equipa jurídica de uma empresa em épocas de crise podem ser vistos de dois pontos de vista: a nível interno e externo.
No que concerne ao nível interno, os desafios prendem-se com o negócio e na forma como o departamento jurídico in-house se pode revelar um “parceiro fundamental” da sustentabilidade de contratos em curso, “especialmente os de longo prazo celebrados num momento em que estes níveis de inflação ainda não eram antecipados acionando, se necessário, todos os meios jurídicos necessários para garantir o equilíbrio contratual”.
“A segunda, externa e relacionada com a gestão das próprias equipas, cujos desafios se relacionam com a manutenção de uma alta procura por talentos na área de Legal e Compliance, nomeadamente como consequência de uma crescente tendência de internalização dos serviços jurídicos por parte das empresas, e que obrigam a um investimento ainda maior na gestão dos talentos in-house”, revelou.
À Advocatus, Hugo de Almeida Pinho revelou que em fevereiro vai abraçar um novo projeto na Arthrex, onde será diretor jurídico e compliance para toda a Europa Ocidenteal, ficando responsável por sete países – Portugal, Espanha, França, Itália, Reino Unido, Bélgica e Países Baixos.
Já Isabel Fernandes, diretora jurídica do Grupo Visabeira desde 2006, garantiu que liderar uma equipa jurídica interna em tempos de maior “turbulência” implica uma “abordagem proativa, ágil e estratégica, essencial para manter a estabilidade e o um desempenho eficiente e de valor acrescentado em face das mudanças económicas e legais usualmente impostas pelo contexto inflacionista”.
A in-house partilhou com a Advocatus que a inflação cria os seus próprios desafios, conduzindo, pela natureza dinâmica que assume, a “mudanças rápidas” e “imprevisíveis” no ambiente económico e legal e “exigindo agilidade e proatividade por parte da equipa jurídica interna”.
“O planeamento estratégico das tarefas sob responsabilidade da equipa jurídica interna torna-se crucial, exigindo igualmente um reforço da colaboração entre a equipa jurídica e outras áreas da empresa para aferir potenciais impactos legais da inflação nos negócios e desenvolver estratégias conjuntas tendo em vista mitigar esses mesmos riscos”, disse.
Assim, como consequência da inflação, considera inevitável a pressão nos custos operacionais da empresa, “abarcando igualmente os gastos relacionados com a prestação dos serviços jurídicos”. “A inflação tende a impactar contratos existentes, especialmente aqueles com preços fixos ou indexados, impondo a necessidade de muitas vezes ter que se renegociar termos contratuais para lidar com o aumento de custos, cláusulas de acerto da inflação, entre outros aspetos legais”, acrescentou.
Por outro lado, Isabel Fernandes garantiu que o aumento de medidas legais e alterações regulatórias em contexto inflacionista requer da equipa jurídica interna uma “vigilância permanente”, de forma a assegurar a conformidade do negócio e mitigando os riscos legais.
“O provável aumento da litigiosidade em resultado do aumento nos custos é, por regra, uma realidade, havendo a necessidade da equipa legal os gerir e resolver de forma eficaz”, disse.
As mais-valia das equipas jurídicas internas
Desde a proximidade com os negócios e pessoas até à redução dos custos associados, várias são as mais-valias de uma equipa de in-house numa empresa apontadas pelos três diretores jurídicos.
Hugo de Almeida Pinho assegurou que as vantagens são “inúmeras” e “bastantes visíveis”, o que levou à tendência de internalização de serviços jurídicos acentuada nos últimos anos.
“Como mais-valias principais, enumeraria a proximidade com o negócio e pessoas e o alinhamento cultural que uma equipa in-house acrescenta e que são dificilmente replicados pelos advogados externos que, naturalmente, continuarão a ser fundamentais para as empresas mas, cada vez mais, enquanto apoio especializado à equipa in-house em matérias mais complexas”, revelou o diretor jurídico.
Para Joana Pinto, fatores como a globalização, o aumento de regulamentação e a rápida evolução tecnológica tornaram as competências no domínio da gestão de risco especialmente importantes. Assim, considera que a proximidade às dinâmicas operacionais e sua integração na cultura organizacional permite fazer uma gestão de risco mais eficaz.
A diretora jurídica da Accenture assegura ainda que em ambientes económicos instáveis e voláteis é necessário desenvolver estratégias proativas para evitar litígios e liderar a resolução eficiente de disputas, economizando tempo e recursos.
“Os advogados in-house estão melhor posicionados para fazer esta gestão, nomeadamente, através da implementação de políticas e procedimentos que minimizem riscos, evitem conflitos e facilitem a resolução precoce de problemas jurídicos. Esta mais-valia que os advogados internos podem trazer às organizações é ainda maximizada pela colaboração interdepartamental de que os assessores jurídicos beneficiam dentro das empresas, que possibilita uma abordagem integrada das soluções jurídicas nas estratégias globais da empresa”, acrescentou.
Outra das mais-valias apontadas por Joana Pinto foi a influência que podem ter junto das partes interessadas da empresa, “fazendo as perguntas certas”. “As equipas jurídicas estão especialmente posicionadas para fornecer este aconselhamento jurídico estratégico que vai além da conformidade regulatória, constituindo-se como parceiros estratégicos que ajudam a empresa a tomar decisões informadas em resposta às mudanças económicas e regulatórias especialmente potenciadas nestes contextos económicos”, disse.
Já para Isabel Fernandes as equipas jurídicas internas têm um conhecimento e compreensão “mais profundos da realidade da empresa” e necessidades específicas do negócio, permitindo-lhes um melhor alinhamento das estratégias legais definidas com os objetivos comerciais da empresa. Por outro lado, adianta que a equipa interna está “imersa na cultura e nos valores da empresa”, facilitando a comunicação e colaboração entre departamentos e ajuda na tomada de decisões alinhadas com a visão e missão da empresa.
“Esta mesma realidade irá permitir que em contextos de maior exigência (“turbulentos”) a equipa jurídica interna assegure uma resposta mais rápida e ágil às questões legais emergentes, não havendo a necessidade de aferir disponibilidade de advogados externos ou mesmo de implementar processos de contratação sempre que uma nova questão legal surgir”, notou.
A diretora jurídica do Grupo Visabeira afirmou também que uma equipa jurídica interna reduz, a médio e longo prazo, os custos associados à necessidade, de forma relativamente contínua, “externalizar os serviços jurídicos por parte da empresa, assumindo igualmente um papel primordial no interface e colaboração com consultores externos quando tal se revele necessário recorrer em resultado da complexidade de certos temas e/ou volume de trabalho”.
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