Operação Marquês. Sócrates pode recorrer para Constitucional, mas não muda o desfecho

Sócrates não pode recorrer da substância da decisão do Tribunal da Relação. Mas pode recorrer de questões de lei para o Constitucional. Recurso interposto "não terá efeito suspensivo".

Mais uma reviravolta na Justiça portuguesa. Afinal José Sócrates vai a julgamento por mais 22 crimes na Operação Marquês, para além dos seis que tinha sido pronunciado anteriormente pelo juiz Ivo Rosa. O antigo primeiro-ministro já reconheceu a “derrota jurídica” e assumiu que vai recorrer da decisão. Mas será que pode?

Não e sim. Sócrates não pode recorrer da substância da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa. Ou seja, não pode recorrer sobre as matérias de facto, mas pode recorrer relativamente a questões de lei.

Segundo explicou ao ECO/Advocatus o advogado Pedro Marinho Falcão, “esta decisão não admite recurso ordinário”, apenas para o Tribunal Constitucional (TC) onde se discutem unicamente questões de interpretação da lei e não questões de substância. “Esta decisão não resulta na culpabilidade dos arguidos, determina apenas a ida dos mesmos a julgamento. Desta decisão não resulta imputação de responsabilidade, resulta apenas uma outra interpretação jurídica dos factos”, referiu o advogado.

Assim, o antigo primeiro-ministro pode recorrer, mas só sobre o conteúdo do acórdão. Ou seja, pode recorrer se considerar que foram violadas normas da Constituição da República Portuguesa.

Rui Costa Pereira, advogado da MFA Legal, explicou ao ECO/Advocatus que o regime de recursos para o TC tem “diversas nuances” e “especificidades” relativamente ao regime de recursos comum.

“Relativamente às situações – como a que está em causa – em que a decisão que motiva o recurso para o Tribunal Constitucional é, ela própria, proferida no contexto de um recurso anterior (no caso, do recurso que foi interposto da decisão instrutória, tomada pelo Tribunal Central de Instrução Criminal), o que a Lei do Processo do Tribunal Constitucional prevê é que o recurso interposto de decisão proferida já em fase de recurso mantém os efeitos e o regime de subida do recurso anterior“, explicou.

Sobre o recurso da decisão instrutória de não pronúncia, Rui Costa Pereira referiu que o Código de Processo Penal prevê que esse recurso “apesar de ser conhecido imediatamente”, “não tem efeito suspensivo na marcha do processo“. Logo, o advogado considera que sendo interposto recurso desta decisão, o “mesmo não terá efeito suspensivo”.

Também para Paulo Saragoça da Matta o recurso nunca teria efeito suspensivo. “Não vejo como possa recorrer para o Supremo, e podendo recorrer, para o STJ ou para o TC, nunca teria efeito suspensivo”, disse.

Ainda assim, Rui Costa Pereira diz que pode haver um “twist” devido a um pormenor: “É que antes estava-se a recorrer de uma decisão instrutória de não pronúncia; agora, diferentemente, é de uma decisão de pronúncia de que se estará a recorrer. Ora, o recurso da decisão de pronúncia, quando é admissível, tem efeito suspensivo do processo. A questão que se coloca, é se esta alteração substancial, implica, ou não, uma alteração do regime e dos efeitos de recurso que vigoraram até à decisão da Relação. Qualquer uma das duas soluções tem bons argumentos a seu favor”, disse.

Pedro Marinho Falcão considera ainda que existem questões controversas do ponto de vista constitucional, “de tal forma que a Relação invoca um acórdão do TC de junho de 2023”.

“Entenderam que o crime de corrupção está mal qualificado. Estava qualificado como corrupção sem determinação concreta do ato praticado, que tem pena de três anos e prescrevia ao fim de cinco anos. A Relação qualificou como corrupção de titular de cargo político para ato ilícito, em que a pena é de oito anos e o prazo de prescrição é de dez anos”, sublinhou.

José Sócrates vai assim a julgamento por mais 22 crimes: três crimes de corrupção, 13 de branqueamento e seis de fraude fiscal. “Esta decisão da Relação deixa-me com uma grande sensação de desapontamento”, adiantou.

“Não ficou apenas provado que não havia indícios. Pelo contrário. Foram recolhidos contra-indícios que mostraram que essas alegações, nomeadamente as que diziam respeito ao TGV ou à OPA da Sonae, todas essas alegações ficaram provadas que são falsas e agora dizem que estão indiciadas. Não estão, isso não é verdade, e eu vou recorrer dessa decisão”, argumentou.

Quem vai a julgamento?

Na quinta-feira, a acusação do Ministério Público foi quase toda reposta na íntegra pelas juízas desembargadoras do Tribunal da Relação de Lisboa. Do total de 189 crimes que estavam na acusação do DCIAP, agora são 118 crimes que levam os arguidos a julgamento, ao invés dos 17 decididos pelo juiz de instrução Ivo Rosa.

“Atento aos indícios existentes relativamente à prática, dos factos, pelos arguidos, parece-nos que, pese embora a acusação não ser uma peça sem mácula, os factos alegados, ainda que alguns sejam factos instrumentais, cujo relevo não decorre diretamente, permitem um enquadramento dos ilícitos. Deste modo, entendemos que os factos expurgados devem regressar à acusação e, consequentemente, à pronúncia”, disse o coletivo de juízas.

As juízas acabam por voltar a pronunciar quase todos os arguidos de um dos processos mais mediáticos da justiça portuguesa: José Sócrates, Armando Vara, Ricardo Salgado, Zeinal Bava, Henrique Granadeiro, Carlos Santos Silva, Joaquim Barroca, Helder Bataglia, Luís da Silva Marques, Diogo Gaspar Ferreira, Rui Horta e Costa, José Paulo Pinto de Sousa, Rui Mão de Ferro, João Perna, Sofia Fava, Gonçalo Trindade Ferreira e Inês do Rosário.

Do lado das pessoas coletivas, voltam também ao estatuto de arguidas pronunciadas as duas empresas do Grupo Lena e a RMF. De fora ficou Bárbara Vara, pelos crimes de branqueamento, e a sociedade Pepelan.

“A prova indiciária de que Ricardo Salgado terá corrompido Henrique Granadeiro (ex-chairman da PT) e Zeinal Bava (ex-CEO da PT) com cerca de 50 milhões de euros, para favorecer a compra de títulos de dívida do GES, é suficientemente forte”, referiram as juízas.

Ricardo Salgado estava acusado por 21 crimes – de corrupção ativa de titular de cargo político, de corrupção ativa, de branqueamento de capitais, abuso de confiança, falsificação de documento e fraude fiscal qualificada. Foi pronunciado por três crimes de abuso de confiança e condenado, em março de 2022, a uma pena de seis anos por esses três crimes que saíram da Operação Marquês.

Agora, a Relação decidiu acrescentar os crimes de corrupção e de branqueamento de capitais. O coletivo de juízas decidiu pronunciar o antigo presidente do BES por um crime de corrupção ativa de titular de cargo político, para atos ilícitos, relativo a negócios entre o grupo Portugal Telecom (PT) e o Grupo Espírito Santo (GES) “no que concerne aos pagamentos efetuados ao arguido José Sócrates”.

A decisão pronuncia também Salgado por outros dois crimes de corrupção ativa, para atos ilícitos, relativos a negócios entre a PT e o GES, por pagamentos efetuados aos antigos administradores da PT Zeinal Bava e Henrique Granadeiro.

Armando VaraLusa

No caso de Armando Vara, também volta a ser pronunciado por um crime de corrupção e um de branqueamento de capitais.

Carlos Santos Silva, o empresário e amigo de Sócrates, que ficou conhecido como testa de ferro do ex-primeiro-ministro, vai ser julgado por um crime de corrupção passiva de titular de cargo político para atos ilícitos, em coautoria com José Sócrates, e por um crime de corrupção ativa para atos ilícitos, desta vez em coautoria com os arguidos Joaquim Barroca, José Ribeiro dos Santos e as sociedades LEC SA, LEC SGPS e LENA SGPS relativamente ao arguido Luís Marques. No total, vai ser julgado por 23 crimes, dois de corrupção, 14 de branqueamento de capitais e sete de fraude fiscal.

Na decisão instrutória do juiz Ivo Rosa, em abril de 2021, não foi validada grande parte da acusação da Operação Marquês e decidiu pelo arquivamento na decisão instrutória de 172 dos 189 crimes que constavam da acusação original, restando apenas 17 crimes, e com a acusação mais grave, de corrupção, a cair com a decisão do juiz Ivo Rosa.

O juiz decidiu pela não pronúncia de José Sócrates no que toca aos crimes de corrupção de que estava acusado. José Sócrates, Ricardo Salgado, Henrique Granadeiro, Carlos Santos Silva, Zeinal Bava, Armando Vara — e mais 20 arguidos — conheceram em abril de 2021 a decisão do debate instrutório.

No recurso, os procuradores pediam à Relação de Lisboa que reponha a acusação original da Operação Marquês, de outubro de 2017, e pediam o julgamento de José Sócrates três crimes de corrupção passiva de titular de cargo político, 13 crimes de branqueamento de capitais e três crimes de fraude fiscal. Os seis crimes de falsificação de documento imputados na acusação que estarão sob perigo de prescrição.

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