Como acelerar os megaprocessos? Juízes explicam

Assinaturas digitais (em vez de rubricas em todas as páginas) ou criação da ferramenta de lupa no portal Citius para processos de grandes dimensões são algumas das propostas dos magistrados.

Poderá definir-se um prazo para a fase do julgamento – em processos sem arguidos privados da liberdade, e conforme o tipo de crime? Poderá haver uma mudança nos prazos de prescrição, para evitar que o processo não caia por terra? Poderá a lei prever prazos máximos para a realização das diligências de notificação da acusação, despacho de pronúncia e não pronúncia aos arguidos?

Estas são algumas das propostas lançadas pelos magistrados judiciais e que são o mote para a conferência – promovida pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa com o apoio do Conselho Superior da Magistratura (CSM) – que esta quinta e sexta-feira junta juízes, inspetores da PJ, advogados, académicos, oficiais de justiça e jornalistas. De fora ficaram os magistrados do Ministério Público, por imposição da Procuradora-Geral da República (PGR).

Nos últimos dois anos, os Gabinetes de Apoio aos juízes e ao presidente da Comarca realizaram um estudo, que é agora apresentado, realizado a partir de 140 processos de criminalidade altamente complexa, distribuídos na comarca de Lisboa desde 2013 até 2023. Entre eles estão processos como o do BPN, o caso EDP (que envolve Ricardo Salgado e Manuel Pinho) e a Operação Marquês, mas exclui a mais recente Operação Influencer e um dos maiores processos da justiça portuguesa, o caso do Universo Espírito Santo.

Arguidos da Operação Marquês: José Sócrates, Carlos Santos Silva, Ricardo Salgado e Armando Vara.

O CSM explica que “os megaprocessos, conhecidos por serem complexos, pela natureza dos crimes, número de intervenientes e meios de prova apresentados, impõem necessidades logísticas superiores aos processos comuns e, por isso, não permitem o tratamento e julgamento no tempo considerado adequado, levando, muitas vezes, a que a imagem da Justiça saia prejudicada”.

A instituição lembra que, nos últimos meses, levou a cabo diversas medidas para “combater as dificuldades identificadas e libertar os juízes de funções que dificultam e demoram o seu trabalho”, tendo em outubro passado decidido criar um grupo de trabalho. Para o efeito, foi lançada a Estrutura ALTEC (Apoio Logístico à Tramitação de Elevada Complexidade), equipada com a tecnologia mais recente e com a participação de juízes, assessores, oficiais de justiça e funcionários de tribunais, para permitir preparar e tratar previamente a informação destes processos.

O julgamento do caso BES, a pedido do coletivo de juízes a quem o processo foi distribuído, será o primeiro a contar com o apoio desta estrutura.

Quais as propostas elencadas no estudo?

  • Muitas vezes, nestes processos, encontra-se associada uma situação de enriquecimento ilícito, sendo que os tribunais têm dificuldade em descobrir e reconstruir o modo de obtenção dessa vantagem ilícita. A lei poderia passar a prever as situações em que compete ao agente demonstrar a origem lícita do seu património, existindo assim uma presunção de ilicitude no caso do arguido não o fazer;
  • Instituição de um mecanismo que controle o número de testemunhas apresentadas pelas partes e pelo Ministério Público, já que a regra que limita esse mesmo número “é, na realidade, a exceção”, dizem os magistrados;
  • Quanto à separação de processos, devia ser feita de forma automática nos casos em que não se consiga notificar todos os arguidos “em tempo útil” (número de tentativas de notificação frustradas);
  • Juízes devem passar a assinar e rubricar digitalmente as páginas dos acórdãos, poupando desde logo imenso tempo na assinatura à mão de peças processuais mais extensas;
  • Quando a acusação, o despacho de pronúncia/não pronúncia e o acórdão ultrapassem um determinado número de páginas (por exemplo, 100 páginas em PDF), tornar obrigatória a notificação por suporte eletrónico;
  • Sugestões relativas ao portal Citius: documentos em PDF editáveis (acusação, pronúncia, despacho de recebimento, sentenças e acórdãos), aumento da capacidade de digitalização da plataforma informática (permitindo a digitalização de documentos de grandes dimensões) e pesquisa de documentos com a criação da ferramenta da lupa no Citius nos processos de grandes dimensões, já que “é sentida a dificuldade na procura de documentos”;
  • Formação dos oficiais de justiça e magistrados para o uso das etiquetas no processo eletrónico,
  • A organização dos processos deve ser feita por forma a se localizarem mais facilmente e rapidamente os processos físicos, enquanto existirem;
  • Aumento dos recursos humanos nas unidades de processos, com afetação de equipas especiais para dar andamento aos megaprocessos (como, de certa forma, já sucede no DCIAP);
  • Criação de formas mais céleres de se realizarem traduções, já que se verificou um atraso entre o momento do pedido de tradução e a entrega documento traduzido, tornar o pagamento a estes profissionais mais rápido e, ainda, dotar os tribunais de tradutores próprios, em vez de recorrem a outsourcing;
  • No julgamento, passar-se a pagar multa para “apresentação injustificada de documentos para além do limite temporal do “encerramento da audiência”;
  • Logo que o juiz ordene a remessa do processo para o tribunal superior, a lei deveria estipular um prazo máximo para a sua remessa, por exemplo, 20 dias úteis para processos não urgentes e cinco dias úteis para processos urgentes;
  • Melhoria na forma de inquirição de testemunhas por videoconferência;
  • Limitação do número de testemunhas aos parágrafos dos factos a provar, já que a audição de testemunhas em várias sessões se revela fator de morosidade dos processos;
  • Fase de instrução deixar de existir em processos em que não existam medidas de coação privativas da liberdade;
  • Considerar a criação de tribunais coletivos dos juízos centrais criminais para megaprocessos (à semelhança do que sucede com os tribunais coletivos especificamente afetos aos julgamentos dos crimes previstos no Código Penal Militar).

Conclusões do estado dos megaprocessos

Segundo este estudo, todas as fases processuais são mais céleres quando existem medidas de coação privativas da liberdade, como a preventiva ou a prisão domiciliária, sendo que os períodos mais rápidos neste contexto são entre a acusação e a fase seguinte e a decisão instrutória e o julgamento.

“Na totalidade dos processos analisados, 77% têm uma fase de investigação mais demorada face à fase de julgamento”, lê-se no estudo a que a Advocatus teve acesso. Ainda assim, os processos mais morosos na fase de inquérito não correspondem aos mais demorados na fase de julgamento.

Entre as causas apontadas para a morosidade nos processos está o número de testemunhas quando são ouvidas mais do que uma vez ou quando se ouvem menos testemunhas por sessão, o número de sessões de julgamento e a existência de “incidentes”, como pedido de escusa do juiz, pedido de perícias, recusas do juiz, arguição de nulidades ou conflito negativo de competência.

Entre os tipos de crime dos processos que mais demoram a investigar na fase de inquérito está o terrorismo, fraude, discriminação racial, branqueamento e abuso de confiança; na fase de instrução, os de abuso de poder, falsificação, corrupção e peculato; e na fase de julgamento os de extorsão/coação, abuso de poder, abuso de confiança, abuso de autoridade militar e peculato.

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