Salários reais têm crescido menos do que produtividade, sobretudo no turismo
Estudo indica que salários reais têm crescido menos que produtividade, sobretudo em setores ligados ao turismo e imobiliário. Mostra também que emprego tem aumentado mais em setores pouco produtivos.
Os salários reais dos trabalhadores portugueses têm crescido menos do que a produtividade, aponta um estudo publicado esta quarta-feira pelo Laboratório Colaborativo para o Trabalho, Emprego e Proteção Social (CoLabor). Em setores como o alojamento, a restauração e o imobiliário, essa diferença entre ganhos e produtividade “é particularmente aguda“. Chega a ser quatro vezes mais expressiva do que a média nacional.
“No que concerne à relação entre salários e produtividade, constata-se que, desde 2013, o ganho médio real dos trabalhadores evoluiu abaixo da produtividade média real, com exceção do verificado em 2020, ano em que a pandemia da Covid-19 teve impactos económicos pronunciados”, é explicado no estudo da autoria de Frederico Cantante, investigador do CoLabor e professor do ISCTE.
Em concreto, entre 2013 e 2022, o ganho médio real aumentou 10,6%, enquanto a produtividade real avançou 18,7%. Ou seja, houve uma diferença de 8,1 pontos percentuais.
Tal leva o CoLabor a sublinhar que “o período posterior à Grande Recessão foi, sobretudo, marcado por um desajustamento entre a evolução dos salários e da produtividade”. Por exemplo, olhando só para 2022, o ganho médio real caiu, por efeito dos níveis históricos de inflação, mas nesse ano a produtividade real aumentou, como mostra o gráfico abaixo.
Embora este seja o cenário geral para o mercado de trabalho português, há determinados setores que se destacam. No alojamento, restauração e similares, o hiato entre a evolução dos salários e a da produtividade foi “particularmente agudo”: enquanto o ganho médio real aumentou 19,4%, a produtividade apreciou-se 54,7%, o que resulta numa diferença de 35,3 pontos percentuais.
Da mesma forma, nas atividades imobiliárias, o ganho real aumentou 8,6%. Enquanto isso, a produtividade melhorou 43,4%. Ou seja, houve um hiato de 34,8 pontos percentuais.
E também na agricultura, produção animal, caça, floresta e pesca, e no comércio por grosso e a retalho, e na reparação de veículos automóveis e motociclos foram registados fossos bem superiores à média nacional (25,2 pontos percentuais e 24,1 pontos percentuais, respetivamente).
Em comparação, nas indústrias transformadoras, o ganho avançou 15,6% e a produtividade 26,8%, o que resultou num fosso de 11,2 pontos percentuais. Já na indústrias extrativas verificou-se o cenário inverso: o ganho cresceu mais do que a produtividade, num fosso de 3,9 pontos percentuais.
O CoLabor realça ainda que há setores onde, pelo menos, um destes indicadores recuou, na última década. É o caso dos transportes e armazenagem, onde a produtividade caiu (1,6%), mas o ganho médio avançou (9,1%), fugindo, assim, à regra verificada para o conjunto do mercado de trabalho português.
Já no setor da eletricidade, gás, vapor, água quente e fria e ar frio, tanto a produtividade como o ganho médio real recuaram, na última década, mas o primeiro indicador caiu mais do que o segundo, o que também contraria a tendência geral apurada para o mercado de trabalho.
Mais produtividade, melhores salários?
Esta análise do CoLabor é particularmente relevante numa altura em que os salários têm sido um dos temas quentes do mercado de trabalho português, com economistas e empregadores a avisarem que só se a produtividade aumentar será possível praticar aumentos robustos — aproximando os ordenados portugueses dos praticados noutros países europeus.
Ora, o estudo publicado esta quarta-feira confirma que há uma correlação positiva entre os ordenados e a produtividade, mas deixa um alerta. “Os níveis salariais médios das atividades económicas tendem a correlacionar-se positivamente com a sua produtividade, embora de forma não linear”, destaca o CoLabor.
Deste modo, são traçados vários perfis setoriais. Há atividades económicas com valores baixos para o ganho médio e para a produtividade, como é o caso do alojamento, restauração e similares. Mas também atividades cuja produtividade está “em linha ou acima da média nacional”, mas o ganho pouco supera o verificado no perfil anterior. É o caso do comércio e das atividades imobiliárias.
Já o setor da informação e comunicação (no qual se incluem os empregos ligados à informática) destaca-se ao aliar uma produtividade média que representa cerca do dobro da média nacional a um ganho médio próximo dos 2.000 euros — “um valor bastante acima do apurado para o conjunto da economia”.
Mais emprego em setores menos produtivos
O estudo publicado esta quarta-feira cruza também as tendências de evolução do emprego com a produtividade, chegando à conclusão que atividades com baixa produtividade deram um “contributo acentuado” para a criação líquida do emprego, na última década.
“As atividades económicas que mais contribuíram para a criação de emprego no período 2004-2022 tendem a registar níveis de produtividade comparativamente baixos”, é realçado.
Em causa estão setores como o alojamento, restauração e similares, as atividades administrativas e dos serviços de apoio e ainda a construção. “Juntas representam 35% desse aumento” do emprego, destaca o CoLabor.
Por outro lado, setores como o comércio, as atividades de consultorias e as indústrias transformadoras conseguiram uma produtividade em linha ou pouco acima da média nacional e também contribuíram em 35% para o emprego líquido criado.
Já os setores onde a produtividade mais cresceu deram um contributo menos acentuado para o emprego. As atividades de informação e comunicação, por exemplo, o registaram uma “produtividade acima da média nacional” e contribuíram “em cerca de 9% para o emprego líquido criado entre 2013 e 2022“.
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