Trabalho híbrido torna “ainda mais difícil” calcular compensação das despesas
Trabalho híbrido tem ganhado terreno em Portugal, mas advogados alertam que torna "ainda mais difícil" calcular compensação o que o empregador tem de pagar para cobrir despesas do trabalhador.
Há mais de dois anos que a lei dita explicitamente que o empregador tem de pagar ao trabalhador uma compensação pelas despesas associadas ao teletrabalho. E está também definido o montante até ao qual essa compensação está isenta de impostos e contribuições sociais. Mas continua a haver dúvidas sobre como calcular o que pagar ao trabalhador. Pior, essa dificuldade é agravada quando estão em causa situações de trabalho híbrido, alertam os advogados ouvidos pelo ECO, numa altura em que tem aumentado o número de trabalhadores que exercem as suas funções, por vezes de forma presencial e por vezes de modo remoto.
“A circunstância de muitas empresas terem um regime híbrido entre presencial e remoto torna ainda mais difícil a aferição da justa compensação pelas despesas“, argumenta Gonçalo Pinto Ferreira, sócio coordenador da área de trabalho da Telles, em declarações ao ECO.
No mesmo sentido, Alexandra Marques Sequeira, advogada da área de laboral da Cuatrecasas, avisa que “não será fácil” às empresas (nomeadamente, as que têm um número elevado de trabalhadores) fazer o apuramento mensal do valor a pagar a cada um pela prestação dos dias de teletrabalho, já que está dependente, por exemplo, do número de dias, do facto de ter internet ou não, e do facto de ter computador atribuído ou não.
“Esta gestão seria facilitada se se tivesse optado por fixar um valor diário (dependente, claro, do número de dias de teletrabalho), à semelhança do que sucede com o subsídio de refeição”, entende a advogada.
Mas o que diz a lei? A lei do trabalho dita que o empregador deve compensar integralmente as despesas adicionais que “comprovadamente” o trabalhador suporte como consequência direta do teletrabalho, incluindo os acréscimos de custos de energia.
Essa compensação pode ser definida de uma de duas formas: por acordo entre o empregador e o trabalhador, no âmbito do contrato de trabalho ou em negociação coletiva; ou com base na apresentação de faturas, que permitam a comparação com as “despesas homólogas do trabalhador no último mês de trabalho em regime presencial”.
No caso de a compensação ser apurada com base em faturas, tudo o que for pago pelo empregador está isento de impostos e contribuições sociais. Mas os advogados têm alertado há vários anos para a dificuldade de cálculo, especialmente nos casos em que várias pessoas trabalham à distância a partir da mesma casa.
Já no caso de a compensação resultar de acordo entre as partes, está definido desde o outubro o valor máximo por dia e por cada componente até ao qual há isenção de impostos:
- 0,10 euros, quanto ao consumo de eletricidade residencial;
- 0,40 euros por consumo de internet pessoal;
- 0,50 euros por computador ou equipamento informático equivalente.
Ou seja, como alerta a advogada da Cuatrecasas, em vez de se definir um valor máximo diário único semelhante ao que está estabelecido para o subsídio de refeição, criou-se uma série de componentes que permitem uma grande variação entre trabalhadores, e até entre meses, uma vez que os valores acima referidos só são aplicados em dias completos de teletrabalho.
“Imagine-se, por exemplo, uma empresa com cerca de 200 trabalhadores em que determinadas categorias têm computador profissional e outras não. Pense-se, agora, a nível de processamento salarial. Ter que fazer esta segmentação todos os meses, em função do número de dias de teletrabalho, dos valores diários de isenção, se se tem computador profissional ou não, se se tem internet ou não. Não se justifica, ainda mais quando o valor da isenção é tão reduzido“, insiste Alexandra Marques Sequeira.
A propósito, Gonçalo Pinto Ferreira salienta que o valor em causa pode ser considerado baixo até “tendo em conta o aumento dos custos, designadamente com internet e eletricidade“, que se tem registado.
Em contraste, Carmo Sousa Machado, sócia e coordenadora da área de prática do Direito do Trabalho da Abreu Advogados, defende que, de modo geral, o valor fixado pelo Governo é adequado, “porque na maioria dos casos o que existe é a prestação de teletrabalho em apenas dois ou três dias por semana, e em simultâneo com o cônjuge, que também é compensado por essas despesas“.
Ainda assim, a advogada observa que, por causa do “enorme atraso” da fixação desse teto para isenção, algumas empresas decidiram atribuir “um valor diferente em momento bastante anterior, substituindo-se de alguma forma ao legislador”. “Donde quem já pagava continua a pagar e quem não pagava só o faz depois de ter sido interpelado para o fazer”, sublinha.
Por outro lado, Gonçalo Pinto Ferreira recorda que a fixação desse montante de isenção gerou ele mesmo “alguma intranquilidade“, na medida em que “criou em muitos trabalhadores a convicção de que o valor estabelecido equivalia a um montante obrigatório de compensação, o que não correspondia efetivamente à realidade”. O valor a pagar é o acordado ou o comprovado pelas faturas, sendo o teto da isenção apenas isso, um limite até ao qual há isenção de impostos.
“Passados estes meses, admito que esta convicção inicial esteja ultrapassada. De todo o modo, na ausência de acordo continuam a considerar-se despesas adicionais as determinadas por comparação com as despesas homólogas do trabalhador no último mês de trabalho em regime presencial, o que, na prática, se revela extremamente difícil de calcular e validar“, frisa o advogado da Telles.
Ainda há empregadores que não pagam qualquer apoio
A questão surgiu na pandemia, quando a generalidade dos trabalhadores estava obrigada a trabalhar de casa: o empregador tem ou não o dever de compensar as despesas associadas ao trabalho à distância? Entretanto, o Parlamento aprovou uma lei que dá um claro “sim” a essa resposta, mas muitos empregadores continuam a evitar esse pagamento.
“Temos consciência que muitos empregadores só fazem esse pagamento quando solicitado e quando são evidenciadas as despesas”, adianta ao ECO Carmo Sousa Machado, da Abreu Advogados.
Também Gonçalo Pinto Ferreira, da Telles, confirma esse cenário: “embora tenhamos conhecimento de várias empresas que optaram por introduzir uma compensação, na nossa experiência a maioria continua sem pagar qualquer montante“. Para o advogado, as dificuldades de cálculo já referidas podem ser uma das razões para não estar a haver pagamento.
Ainda assim, Carmo Sousa Machado salienta que, em regra, “os trabalhadores valorizam de tal forma o teletrabalho pela melhoria que isso traz à sua vida familiar e pessoal, que essa valorização acaba por se sobrepor ao valor atribuído“.
Dessa opinião partilha também Alexandra Marques Sequeira, que sublinha que “grande parte dos trabalhadores encarou o teletrabalho como um benefício“, acabando por não reclamar o pagamento da compensação. “Até porque, diga-se, também não é fácil demonstrar que houve acréscimo de custos e qual o respetivo montante”, atira a advogada da Cuatrecasas.
De acordo com os dados mais recentes do Instituto Nacional de Estatística (INE), 988,1 mil pessoas fizeram teletrabalho no primeiro trimestre de 2024, o equivalente a 19,7% da população empregada (mais 1,9 pontos percentuais) do que no trimestre anterior.
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