A entrevista de Lucília Gago em seis pontos essenciais

PGR assumiu que autorizou o comunicado e que escreveu o "famoso" parágrafo que levou Costa a demitir-se, revelou que o inquérito do ex-primeiro-ministro ainda decorre e criticou a ministra da Justiça.

Seis anos depois de ter iniciado o mandato, a procuradora-geral da República, Lucília Gago, quebrou o silêncio e deu a sua primeira entrevista, no rescaldo da polémica do “famoso” parágrafo do comunicado no âmbito da Operação Influencer.

Em entrevista à RTP na segunda-feira, Lucília Gago assumiu que autorizou o comunicado e que ela própria escreveu o “famoso” parágrafo que levou António Costa apresentar a demissão, revelou que o inquérito do ex-primeiro-ministro ainda decorre, garantiu que Marcelo Rebelo de Sousa não acrescentou “nem uma vírgula” e ainda criticou a postura da ministra da Justiça.

Estes foram os seis pontos essenciais das declarações dadas pela procuradora-geral da República.

O polémico parágrafo do comunicado

O polémico parágrafo do comunicado relativo à Operação Influencer e que levou à demissão de António Costa foi um dos pontos abordados por Lucília Gago. A procuradora assumiu que escreveu e autorizou o parágrafo e que, por “razões de transparência”, não poderia ter agido de outra forma.

“Esse parágrafo foi concebido conjuntamente entre mim e o gabinete de imprensa. Acontece que em todas as situações, não só essa, em que os temas são particularmente sensíveis, relevantes, há um acompanhamento muito próximo sobre o que é dito. A inclusão desse parágrafo é da minha inteira responsabilidade. Não o escondo. Aliás, já o assumi publicamente”, assumiu Lucília Gago, que acrescentou ainda que também a divulgação do mesmo foi da sua “inteira responsabilidade”.

Para a procuradora não seria admissível a omissão a essa referência – a das suspeitas à intervenção do na altura primeiro-ministro António Costa. “Ninguém iria perceber que devesse ser omitida essa referência. Pelo contrário, teria havido uma tentativa de branquear ou de proteger. Não acho que, por razões de transparência, devesse ser omitida a referência”, acrescentou.

Lucília Gago durante a cerimónia de posse dos secretários de Estado do XXIV Governo Constitucional, no Palácio da Ajuda.Hugo Amaral/ECO

Consciente que o “famoso” parágrafo poderia desencadear uma “reação forte ao seu conteúdo”, Lucília Gago assumiu que a avaliação feita por António Costa é “pessoal” e “política” — e que culminou na sua demissão do cargo de primeiro-ministro — e que não cabe ao Ministério Público fazer.

“O Ministério Público fez o seu trabalho. Com transparência, revelou o que tinha de revelar e não tem mais que se preocupar, não deve fazê-lo, com as consequências que daí advêm para o próprio, se ele quiser optar por determinada solução. Volto a dizer: é uma decisão que tomou, pessoal e politicamente“, disse, dando exemplos de outros casos políticos na Europa.

Sobre a instauração do inquérito, assume que decorreu da “singela circunstância de o Ministério Público estar obrigado, por razões de legalidade, a dar essa sequência”. “A mera alusão à prática de um crime obriga o Ministério Público à instauração de inquérito. Não se pode ter dois pesos e duas medidas. Não se pode dizer que todos os cidadãos são iguais perante a lei e depois querer dar um tratamento diferenciado à figura de um primeiro-ministro. Todos os cidadãos têm de ter um tratamento igual”, notou.

O inquérito a Costa ainda decorre

Depois de explicar que a certidão dos autos da Operação Influencer chegou à Procuradoria-Geral da República (PGR) e foi reencaminhada para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) com a sua “chancela”, Lucília Gago confirmou que o inquérito que visa António Costa ainda decorre.

“Coisa que ainda se está a apurar no inquérito que ainda está pendente. Ou seja, o senhor primeiro-ministro à data foi ouvido nesse inquérito, a seu pedido. Na altura, o magistrado que procedeu à audição entendeu que não havia indícios fortes da prática de ilícitos, logo não o constituiu como arguido. Foi ouvido como testemunha naquele momento. O inquérito ainda corre. Não sei, nem poderia saber, se vai haver encerramento de inquérito a breve trecho, quanto tempo vai demorar essa investigação“, revelou.

Em abril, o STJ decidiu entregar a investigação relativa a Costa ao Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), passando o processo para a primeira instância, igual a qualquer cidadão, perdendo o foro especial de primeiro-ministro.

António CostaLusa

A procuradora frisou que não se sente responsável pela demissão do ex-primeiro-ministro. “Não me sinto responsável pela demissão do primeiro-ministro. O primeiro-ministro fez uma avaliação pessoal e política. Poderia ter continuado a exercer as suas funções. Ursula von der Leyen permaneceu em funções. Como aqui ao lado em Espanha, Pedro Sánchez tem a sua mulher alvo de uma investigação. Portanto, não é de modo algum automática”, sublinhou.

Marcelo não acrescentou “nem uma vírgula” ao comunicado

Na entrevista dada esta segunda-feira à RTP, Lucília Gago garantiu que Marcelo Rebelo de Sousa não teve influência na introdução do parágrafo no comunicado. “Quando fui à Presidência da República, o comunicado estava já preparado, com aquele parágrafo”, disse.

O Chefe de Estado não acrescentou “nem uma vírgula“, assegurou a procuradora-geral da República. “O que acontece é que não podíamos revelar aquele comunicado antes do início da audiência porque ainda estava uma detenção por concretizar”, revelou.

Marcelo Rebelo de SousaLusa

Sobre a acusação feita por Marcelo Rebelo de Sousa, que a acusou de “maquiavelismo” por ter instaurado o inquérito do caso das gémeas no mesmo dia das buscas do caso Influencer, a procuradora assume que as palavras causaram alguma “perplexidade”, “desconforto” e “surpresa” e garante que não existiu um “esforço” para alinhar as diligências.

“Tive de ouvir sucessivas alusões a essas frases. Provocaram até, naquele específico contexto, umas gargalhadas que eram audíveis no registo áudio. Isso criou a ideia de que houve um esforço de serem alinhadas datas para aquelas diligências. Não fui eu que instaurei o inquérito e não sabia dessa data no momento em que fui à Presidência da República. Quis o destino que tivesse assim ocorrido”, disse.

Criticas à ministra da Justiça

Foi no final de junho, numa entrevista dada ao Observador, que a ministra da Justiça, Rita Alarcão Júdice, defendeu que quer que o próximo procurador-geral da República tenha um perfil de liderança e comunicativo, “ponha ordem na casa” e ajude a pôr fim a uma “certa descredibilização” do Ministério Público. A titular da pasta da Justiça admitiu ainda que o Governo quer iniciar “uma nova era”.

A ministra da Justiça, Rita Alarcão Júdice, conversa com a procuradora-geral da República, Lucília Gago (E), durante a cerimónia de posse dos secretários de Estado do XXIV Governo Constitucional, no Palácio da Ajuda, em Lisboa, 05 de abril de 2024.JOSÉ SENA GOULÃO/LUSA

Menos de 15 dias depois, Lucília Gago reagiu a esta posição tomada pela ministra da Justiça. A procuradora confessou que ficou “incrédula” e “perplexa” e classificou as declarações como “indecifráveis” e “graves”.

“Indecifráveis porque se o diagnóstico está feito, não revelou qual fosse, e também não o disse numa audiência que lhe pedi, que me concedeu e que durou três horas. Se havia qualquer elemento relevante que quisesse apontar, seria uma ocasião ótima para o fazer“, explicou.

Lucília Gago considera também as declarações “graves” por afirmar que o Ministério Público tem uma situação de “falta de liderança”, de “falta de capacidade de comunicação”, e que “tem de arrumar a casa” e haver uma “restituição da confiança”. “Ou seja, dizendo ou querendo dizer implicitamente que nos últimos tempos houve uma perda de confiança imputável ao Ministério Público e à liderança da procuradora-geral. A minha conclusão é a de que estas declarações, que se juntam a muitas outras, imputam ao Ministério Público a exclusiva responsabilidade pelas coisas más que acontecem na Justiça, coisa que eu rejeito em absoluto”, sublinhou.

PGR garante que nunca ponderou demitir-se

Outro dos “pontos-chave” na entrevista dada pela procuradora-geral da República foi se ponderou ou não demitir-se do cargo. Lucília Gago garantiu que não e que está consciente da “campanha orquestrada” para esse efeito.

“Não, nunca ponderei demitir-me. Não coloquei nunca essa questão, porque encaro o meu mandato como sendo um mandato que leva um cunho de rigor, de objetividade e de isenção. Estou perfeitamente consciente de que há uma campanha orquestrada por parte de pessoas que não deviam. Campanha orquestrada na qual se inscrevem um conjunto alargado de pessoas que têm ou tiveram no passado responsabilidades de relevo na vida da nação”, disse.

Lucília GagoHugo Amaral/ECO

O Manifesto dos 50, documento divulgado em abril e assinado por um conjunto de 50 personalidades, veio “alimentar” a necessidade de uma reforma, criticando a postura da PGR. Este documento surgiu em defesa de um “sobressalto cívico” que acabe com a “preocupante inércia” dos agentes políticos relativamente à reforma da Justiça, num apelo ao Presidente da República, Governo e Parlamento.

Desde então, quer partidos quer a sociedade civil têm alertado para a necessidade da procuradora-geral da República dar explicações aos deputados, não só pela violação do segredo de Justiça com a divulgação das escutas, como para explicar a falta de resultados, até agora, na investigação da Operação Influencer que teve consequências políticas relevantes para o país. Na semana passada, Lucília Gago transmitiu ao Parlamento “a disponibilidade para aceitar o convite para a audição que aquela lhe endereçou.

A quebra do silêncio

Lucília Gago, que em seis anos nunca concedeu uma única entrevista a um órgão de comunicação social, tem-se escudado em comunicados pontuais através do seu gabinete de imprensa, mesmo estando no olho do furacão por ter escrito o famoso parágrafo que levou António Costa a apresentar a demissão na sequência da Operação Influencer. Agora, explicou que sempre preferiu “discrição” e que não tem “culto da imagem”

Sempre considerei que a discrição é sempre melhor do que o espalhafato. Não tenho, nem nunca tive, o culto da imagem. Não privilegio tal coisa e não preciso de popularidade. Não preciso, de modo algum, de estrelato. Também considero que é e sempre foi a minha prioridade dar um contributo sério e honesto e muito, muito envolvida com aquilo que considero os problemas da Justiça e do Ministério Público. Tudo o que procurei fazer foi numa ótica de isenção e de retidão”, disse à RTP.

A procuradora-geral da República explicou que foram duplicados os elementos que compõem a assessoria de imprensa da Procuradoria-Geral da República e que desde o início do seu mandato houve a “preocupação de dotar o gabinete de imprensa de mais elementos”.

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