Draghi defende emissão regular de dívida conjunta para recuperar competitividade na UE
Mario Draghi estima que um investimento de 800 mil milhões por ano aumentaria a produção na UE em cerca de 6% no prazo de 15 anos, e pede por mais cooperação entre os Estados-membros.
A recuperação da competitividade na União Europeia (UE) face aos Estados Unidos e à China vai custar cerca de 5% do PIB da União Europeia por ano – cerca de 800 mil milhões de euros. A estimativa foi feita por Mario Draghi, antigo presidente do Banco Central Europeu, que explica que esse valor deverá ter origens no setor privado como também público de forma a aumentar a produtividade no bloco europeu em cerca de 6% no prazo de 15 anos. Fora os valores, Draghi defende ainda a emissão regular de dívida conjunta para voltar a colocar a Europa em condições de competir com outros mercados no mundo.
A conclusão consta num relatório elaborado pelo antigo primeiro-ministro italiano e apresentado esta segunda-feira, na sequência de um pedido da Comissão Europeia, no ano passado, que tem como propósito identificar as fragilidades europeias numa altura em que a falta de competitividade ameaça o bloco europeu. Para Mario Draghi, não existe margem para dúvidas: “A competitividade que a União Europeia tinha há 20 anos deixou de existir“.
“Isto não advém de falta de pessoas inteligentes ou boas ideias. Existem muitas barreias para comercializar boas ideias na Europa, atualmente”, lamentou o economista. Segundo o relatório, mais de 60% das empresas europeias apontam a regulamentação como um obstáculo ao investimento, e 55% das PME identificam as barreiras regulamentares como o seu maior desafio.
“Desde 2008, perto de 30% dos unicórnios com origem na Europeia abandonaram o bloco e a maioria foi para os Estados Unidos, e isto tem de mudar. A Europa tem de ser casa da inovação, não só em áreas emergentes como também setores tradicionais“, afirmou Draghi, durante uma conferência de imprensa, sublinhando que o bloco “está presa e povoada de empresas tecnológicas medianas que já estão maduras”, alertou.
No seu muito aguardado relatório (inicialmente previsto para ser apresentado em junho), Draghi instou o bloco a desenvolver tecnologias avançadas, criar um plano para cumprir os seus objetivos em matéria do clima e a reforçar a defesa e a segurança de matérias-primas essenciais, classificando a tarefa como “um desafio existencial”.
Para tal, será necessário reforçar a capacidade de investimento nos 27 Estados-membros, mas não só: “O investimento privado poderá financiar parte das nossas necessidades, mas vamos precisar de financiamento comum em áreas estratégias, nomeadamente, as redes energéticas“, explicou. Segundo Draghi, uma das principais razões para uma intermediação financeira menos eficiente na Europa reside no facto de estarmos perante uma “fragmentação dos mercados de capitais” e fluxos baixos de poupança.
Mas como? Ursula von der Leyen, que esteve presente na apresentação do relatório adiantou que existem duas maneiras de concretizar a estratégia delineada pelo antigo governante italiano: “As contribuições nacionais – ou seja, quase todo o orçamento comunitário – ou novas formais financiamento. Ambas são possíveis, tem de haver vontade política dos Estados-membros“, apelou. Um desses novos instrumentos poderá resultar da emissão mais alargada de dívida pública.
No relatório, Draghi explica que a emissão desses ativos numa base mais sistemática “exigiria um conjunto mais sólido de regras orçamentais que garantam que um aumento da dívida comum seja acompanhado de uma trajetória mais sustentável da dívida nacional“, por forma a evitar que a sustentabilidade da dívida pública seja posta em causa.
“Se as condições políticas e institucionais estiverem reunidas, […] a UE deve continuar, com base no modelo do Plano de Recuperação e Resiliência [PRR] da UE [adotado durante a Covid-19], a emitir instrumentos de dívida comuns, que seriam utilizados para financiar projetos de investimento conjuntos que aumentarão a competitividade e a segurança da União”, argumenta Mario Draghi. Isto porque tal instrumento iria permitir, a seu ver, “produzir um mercado mais profundo e mais líquido de obrigações da UE”.
Mario Draghi propõe também que, “para financiar uma série de programas centrados na inovação e no aumento da produtividade, os Estados-membros possam considerar aumentar os recursos disponíveis para a Comissão, adiando o reembolso” dos fundos europeus aludindo assim ao pagamento das verbas dos planos nacionais do PRR.
Descarbonização no centro da estratégia
Para o economista italiano, a descarbonização deve estar no centro do plano da UE para a recuperação de atividade no bloco.
“A UE deve combinar a descarbonização com a competitividade. Queremos que a descarbonização seja uma fonte de crescimento no bloco europeu. Se todas as políticas estiverem em sintonia com os objetivos climáticos, e é um grande “se”, a descarbonização será uma oportunidade de crescimento“, frisou durante a conferência de imprensa.
Assim, o plano de Draghi sugere um plano conjunto para a descarbonização, que engloba a produção de energia limpa e a promoção de tecnologias de economia circular, dado que ambas permitiriam reduzir os preços da energia, considerando que são um caminho essencial para assegurar o futuro da competitividade europeia.
“Temos de incentivar a indústria a apostar na descarbonização e inovação e transformar nisto numa vantagem competitiva”, frisou.
Produtividade e população
A falta de recursos humanos será um elemento essencial para a concretização desta estratégia. Segundo o relatório de Mario Draghi, a União Europeia está a entrar num primeiro período da história em que o crescimento não será apoiado pelo aumento da população. Até 2040, prevê-se que a população ativa diminua em cerca de dois milhões de trabalhadores por ano.
“Neste momento, os nossos níveis de produtividade são fracos. Temos de nos apoiar mais na produtividade para impulsionar o crescimento”, alertou o economista italiano, sublinhando que se a UE mantivesse a taxa média de crescimento da produtividade registada desde 2015, isso seria apenas seria suficiente para manter o PIB constante até 2050 – insuficiente para suprir as novas necessidades de investimento que vão surgindo.
Defesa
Pela primeira vez, desde a Segunda Guerra Mundial, a Europa será forçada a investir mais na defesa face aos desafios geopolíticos. Segundo dados oficiais, o bloco europeu é, atualmente, o segundo mercado que mais gasta em recursos militares. Mas segundo Draghi, “isso não se reflete na força da nossa capacidade industrial de defesa”.
Um dos motivos que justifica esta falta de investimento, deve-se a uma fragmentação do mercado, o que “dificulta a capacidade” do bloco produzir em escala, alerta o documento. A título de exemplo, refere que pela Europa fora são utilizados 12 tipos diferentes de tanques de guerra, enquanto os EUA produzem apenas um.
Assim, e relembrando os esforços postos em prática durante a pandemia de Covid-19, Mario Draghi defende que seja posto em prática uma aquisição conjunta e colaborativa de equipamentos de defesa, pois contribuiria para reduzir a dependência externa de fornecedores fora da União.
Leia aqui o relatório na íntegra
Notícia atualizada pela última vez às 13h02
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