Alívio fiscal? Multidisciplinares permitem que sociedades de advogados paguem IRC como uma empresa normal

Os advogados que queiram fugir à transparência fiscal já o podem fazer se as sociedades de advogados onde exercem passarem a sociedades multidisciplinares, passando a ser tributados em sede de IRC.

Os advogados que queiram fugir ao regime da transparência fiscal já o podem fazer se as sociedades de advogados onde exercem passarem a sociedades multidisciplinares. Ou seja: se passarem a ter profissionais de outras áreas nos seus escritórios. Os advogados estavam obrigados a pagar impostos pelo regime da transparência fiscal, em sede IRS, mas se escaparem a essa obrigatoriedade serão tributados pelo regime geral de IRC, que tem uma taxa muito mais baixa. Ou seja, até aqui, os advogados eram tributados como sócios e não como empresa, o que faz com que paguem valores muito altos de impostos a título individual.

A transparência fiscal é o regime obrigatório que incide sobre certas pessoas coletivas que faz operar a desconsideração parcial da respetiva personalidade jurídica para efeitos de tributação, apurando-se o lucro tributável na esfera jurídica das pessoas coletivas mas não sendo estas tributadas em sede de IRC, exceto quanto às tributações autónomas. Sendo, ao invés, os respetivos sócios tributados diretamente em sede de IRS.

Em causa o novo estatuto da Ordem dos Advogados, que entrou em vigor em abril e que passou a permitir sociedades de advogados multidisciplinares.

Esta tem sido, aliás, a orientação da Autoridade Tributária (AT) que acaba com dúvidas que ainda pudessem existir. “Isto decorre da lei mas já existem várias orientações da AT a confirmar este entendimento”, explicou José Luís Moreira da Silva, presidente da Associação das Sociedades de Advogados de Portugal (ASAP), em declarações à Advocatus.

Assim sendo, os lucros das sociedades de advogados deixam de ser imputados diretamente aos sócios e tributados em IRS nas a sociedade passa a pagar IRC como qualquer empresa à taxa de 21%, muito mais baixa quando comparada com as taxas de IRS, que, juntamente com o adicional de solidariedade, podem chegar aos 53%. E se houver distribuição de dividendos aos sócios, estes pagarão IRS a 28%.

“Com esta alteração é conferido o Direito à Liberdade fiscal do Advogado”, explica o advogado Pedro Marinho Falcão, sócio da Cerejeira Namora, Marinho Falcão & Associados.

“Esta solução tem o defeito de não ser neutra, isto é, exige uma mudança de natureza relevante da sociedade. Também aumenta a desigualdade, pois para as multidisciplinares há um regime diverso das sociedades de advogados. A lei devia ser neutra e ter um regime igual independentemente do tipo de sociedade”, explica ainda José Luís Moreira da Silva. Que acrescenta que “infelizmente, várias sociedades que nunca pensaram em ser multidisciplinares estão a pensar ser apenas por esta questão fiscal”.

Talk Advocatus "O futuro das sociedades multidisciplinares" - 23JUN23
José Luís Moreira da Silva, presidente da ASAPHugo Amaral/ECO

Com a entrada em vigor do novo Estatuto da Ordem dos Advogados os advogados podem constituir ou ingressar como sócios ou associados em sociedades profissionais de advogados ou em sociedades multidisciplinares, nos termos do regime previsto na Lei n.º 53/2015, de 11 de Junho. Com a introdução do regime das sociedades multidisciplinares o regime de transparência fiscal passa a ser aferido através do ponto 2) da alínea a) do n.º 4 do artigo 6.º do CIRC, ou seja, as sociedades multidisciplinares apenas estarão sujeitas ao regime de transparência fiscal se cumprirem cumulativamente os seguintes requisitos:

  • A sociedade cujos rendimentos provenham, em mais de 75 %, do exercício conjunto ou isolado de atividades profissionais especificamente previstas na lista a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS;
  • Se durante mais de 183 dias do período de tributação, o número de sócios não seja superior a cinco;
  • Nenhum dos sócios seja pessoa coletiva de direito público;
  • E pelo menos, 75 % do capital social seja detido por profissionais que exercem as referidas atividades, total ou parcialmente, através da sociedade.

“Se não preencher cumulativamente os referidos requisitos, a sociedade multidisciplinar deixará de estar sujeita ao regime de transparência fiscal e passará a ser tributada, numa primeira fase, no âmbito do regime geral em sede de IRC. Neste caso, e numa segunda fase, os resultados distribuíveis [dividendos] serão sujeitos a tributação em sede de IRS na esfera dos sócios. Acresce que no regime geral existe a possibilidade de os sócios deliberarem a não distribuição de resultados (dividendos) de forma a poderem ou fortalecer as suas reservas ou realizar investimentos. No regime de transparência fiscal esta decisão é irrelevante na medida em que haverá sempre uma imputação do rendimento líquido aos sócios independentemente da sua vontade”, concluiu Pedro Marinho Falcão.

Para o advogado António Macedo Vitorino “a dita transparência fiscal traz bloqueios ao desenvolvimento do negócio da advocacia. Desincentiva o investimento e potencia uma lógica de curto prazo, de distribuição de resultados no imediato que não podem ser guardados como reservas e reinvestidos porque são logo sujeitos a uma tributação muito superior à tributação em IRC”.

O regime de transparência fiscal foi estabelecido com a criação do Código do IRC há mais de 30 anos. Num contexto diferente do que se encontra atualmente, o mesmo tinha três objetivos principais: neutralidade fiscal, combate à evasão fiscal e a eliminação da dupla tributação económica.

“O regime, para além de iníquo e desajustado ao contexto atual das sociedades de advogados, potencializa uma situação de concorrência desleal face às sociedades estrangeiras que, ao optarem por se localizar em Portugal como sucursais, vêm-lhe ser aplicado o regime geral do IRC (sem transparência fiscal)”, explica José Pedroso de Melo, of counsel da TELLES.

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