Caso EDP/CMEC. As relações próximas de Mexia e Manuel Pinho

Na acusação do DCIAP, os procuradores explicam em que se baseava a relação que consideram "próxima" entre Manuel Pinho e António Mexia.

No total, são seis arguidos e indícios de apenas seis crimes: dois de corrupção ativa para ato ilícito de titular de cargo político e quatro de corrupção passiva para ato ilícito de titular de cargo político. Apesar do despacho de acusação do chamado processo EDP/CMEC – que foi conhecido na segunda-feira – ultrapassar as mil páginas, ser composto por 16 volumes, dois de aceleração processual, ter agregado um extenso conjunto de apensos, em formato físico e digital, a investigação ter durado 12 anos, o resultado a imputação de apenas um crime a cada um dos seis arguidos.

Em resumo, segundo a acusação a que o ECO teve acesso, os magistrados do Ministério Público, Carlos Casimiro e Hugo Neto, consideram que António Mexia e João Manso Neto corromperam Manuel Pinho, ex-ministro socialista da Economia, para obter 840 milhões de euros de benefícios para a EDP. O MP pediu ainda a perda de bens dos arguidos e de duas empresas do Grupo EDP (EDP, SA e EDP Gestão de Produção de Energia, SA) no valor desses mesmos 840 milhões de euros a favor do Estado. A acusação foi esta segunda-feira conhecida, através de um comunicado da Procuradoria-Geral da República, já liderado por Amadeu Guerra, que foi tão rápido divulgado, antes mesmo da notificação aos próprios arguidos.

A relação próxima entre António Mexia e Manuel Pinho

Na acusação do DCIAP, em que a prova é composta essencialmente por excertos de reuniões e milhares de emails trocados entre os arguidos, os procuradores do DCIAP explicam em que se baseava a relação que consideram “próxima” entre Manuel Pinho e António Mexia. O ex-líder da elétrica conheceu o ex-ministro da Economia de Sócrates nos anos 80. Ambos trabalharam no BES diretamente com Ricardo Salgado, o ex-líder do banco. A ligação era próxima ao ponto de Mexia ser padrinho da filha mais nova de Pinho.

Outro dos pontos que foi sublinhado pelo MP, no alegado pacto corruptivo, o antigo ministro da Economia nomeou a então namorada de António Mexia – Guta Moura Guedes – para dirigir o programa de arte do Allgarve. Apenas tê-lo-á feito para garantir o financiamento de um doutoramento nos Estados Unidos, explicam os magistrados.

O antigo ministro da Economia, Manuel Pinho, à chegada do tribunal para prestar depoimentos sobre o julgamento do caso EDP, no Campus da Justiça, em Lisboa, 19 de dezembro de 2023. O antigo ministro da Economia (entre 2005 e 2009) Manuel Pinho, que está em prisão domiciliária desde dezembro de 2021. MIGUEL A. LOPES/LUSAMIGUEL A. LOPES/LUSA

“O arguido Manuel Pinho já há muito tinha acertado com os arguidos João Manso Neto e António Mexia que a EDP/Horizon financiaria a sua carreira académica nos Estados Unidos após sair do Governo, naturalmente por ter aceitado favorecer a EDP, em tudo o que lhe fosse possível e necessário, no desempenho das suas funções de Ministro da Economia”, escreve a acusação.
Este parágrafo levou a que Manuel Pinho tivesse reagido à acusação, garantindo que nunca precisou “da ajuda de ninguém para ensinar em universidades estrangeiras”. Neste caso, a Universidade de Columbia.

Segundo a acusação, ainda antes de Mexia ser nomeado presidente da EDP, este e o antigo ministro acordaram que, “mediante a concessão por parte do primeiro, enquanto presidente executivo da EDP, de apoio desta empresa à carreira profissional e académica de Manuel Pinho após este sair do governo, este último, enquanto ministro da Economia, aprovaria a nomeação de Mexia para o cargo” cimeiro da EDP e “favoreceria indevidamente essa empresa sempre que tal se proporcionasse e fosse possível no exercício das suas funções de ministro da Economia”.

“O que veio a ocorrer, nomeadamente na transição dos CAE (Códigos de Atividade Económica) para os CMEC (Custos para Manutenção do Equilíbrio Contratual) e na entrega das barragens de Alqueva e Pedrogão à EDP sem concurso, com um prejuízo para o Estado e consumidores de eletricidade superior a mil milhões de euros”, imputa a acusação àqueles arguidos, segundo a Lusa.

O ex-presidente da EDP – Energias de Portugal, S.A., António Mexia fala durante a conferência de imprensa para a apresentação dos resultados de 2019, na sede da EDP, em Lisboa, 20 de fevereiro 2020. ANDRÉ KOSTERS / LUSAANDRÉ KOSTERS / LUSA

Lembrando que Antonio Mexia e Manuel Pinho eram “compadres”, a acusação adianta que estes arguidos reafirmaram esse pacto logo que o primeiro iniciou funções como presidente de administração exceutivo da EDP, tendo Mexia informado de imediato o então também administrador da EDP João Manso Neto do pacto que havia firmado com Manuel Pinho, pedindo-lhe que se articulasse de “forma estreita e ilegal em benefício indevido da EDP com os membros do gabinete do (então) ministro da Economia responsáveis pelo setor da energia.

Ficou ainda estabelecido que o diretor-geral da energia e agora arguido Miguel Barreto faria chegar “rascunhos e projetos de legislação e despachos eleborados pela EDP e pelo advogado Rui Oliveira Neves da sociedade Morais Leitão” favoráveis aos interesses da EDP, competindo-lhe também votar a favor do apoio da EDP à carreira profissional e académica de Manuel Pinho.

“António Mexia e Manso Neto anuiram assim de modo a favorecerem indevidamente a EDP a conseguir aumentar os lucros dessa empresa, garantindo a sua permanência na administração e o recebimento dos inerentes salários e prémios, dependentes também dos lucros da empresa”, diz a acusação.

Por seu lado, Miguel Barreto colaborou, concertado com Mexia, Manso Neto e Manuel Pinho, para a “fixação de um montante a pagar pela EDP pela extensão da concessão do domínio público hídrico à EDP em cerca de metade do sustentado pela REN.

A acusação sustenta também que Miguel Barreto participou, concertado com o arguido Rui Cartaxo (membro do gabinete de Manuel Pinho), João Conceição (administrador da REN), Manso Neto e com o advogado da Morais Leitão na “feitura de legislação do setor da energia e de decisões” do então ministro Manuel Pinho, conformes aos interesses da EDP e dos arguidos Mexia, Manso Neto e Manuel Pinho.

A acusação entende que o arguido Rui Cartaxo tomou conhecimento por Manuel Pinho do pacto firmado entre este e Mexia e aderiu ao mesmo, comprometendo-se “a colaborar decisivamente na sua execução”, em concertação com outros arguidos.

“Miguel Barreto, Rui Cartaxo e João Conceição bem sabiam que as suas condutas eram criminalmente ilícitas”, diz a acusação, de 1.070 páginas, notando que com a conduta descrita, João Conceição e Rui Cartaxo “conseguiram como pretendiam integrar a administração da REN e receber as inerentes remunerações e prémios”.

A acusação diz que Manuel Pinho, Miguel Barreto, Rui Cartaxo e João Conceição “mercadejaram com os cargos públicos que ocuparam” e que Manuel Pinho “tinha plena consciência” que “atuava em oposição à lei e aos seus deveres funcionais” de ministro.

João Conceição, administrador executivo da REN e ex-assessor do ministro Manuel Pinho, com o seu advogado, Rui Patrício.Paula Nunes / ECO

O que diz a acusação a Mexia, Manso Neto e Pinho?

António Mexia e João Manso Neto são acusados pelo MP de terem corrompido Manuel Pinho, ex-ministro socialista da Economia, para obter 840 milhões de euros de benefícios para a EDP. O MP pediu ainda a perda de bens dos arguidos e de duas empresas do Grupo EDP (EDP, SA e EDP Gestão de Produção de Energia, SA) no valor desses mesmos 840 milhões de euros a favor do Estado.

Um valor que corresponde ao alegado benefício que terá sido concedido pelos arguidos acusados de corrupção passiva ao Grupo EDP. Segundo a acusação, a que o ECO/Advocatus teve acesso, os magistrados do MP chegaram a este valor através de pareceres técnicos que foram sendo juntos ao processo ao longo dos 12 anos em que durou a fase de investigação.

De acordo com a acusação, os factos ocorreram entre 2006 e 2014 e, em síntese, relacionam-se com a transição dos Contratos de Aquisição de Energia (CAE) para os Custos de Manutenção do Equilíbrio Contratual (CMEC), designadamente com a sobrevalorização dos valores dos CMEC, bem como com a entrega das barragens de Alqueva e Pedrógão à Eletricidade de Portugal (EDP) sem concurso público e ainda com o pagamento pela EDP da ida de um ex-ministro para a Universidade de Columbia dar aulas.

“Ainda segundo a acusação, um dos arguidos, à data ministro da Economia, apoiou a nomeação de outro arguido como presidente executivo da EDP e favoreceu indevidamente essa empresa, mediante contrapartidas. Ao acordo, que para o efeito ambos fizeram, vieram a aderir os restantes arguidos, que o concretizaram também mediante contrapartidas”, diz o mesmo comunicado.

“Ao acordo, que para o efeito ambos fizeram, vieram a aderir os restantes arguidos, que o concretizaram também mediante contrapartidas”, conclui a acusação. Quanto a alguns dos factos pelos quais era investigado Miguel Barreto, ex-diretor-geral da Energia – relacionados com o negócio da “Home Energy” –, foram arquivados, por falta de provas, acrescenta o Ministério Público.

As 27 barragens investigadas que, afinal, são só duas suspeitas

Uma das suspeitas previstas na acusação do Ministério Público no processo da EDP/CMEC é a entrega das barragens do Alqueva e de Pedrógão à EDP sem concurso público. Ou seja, do total de concessões e explorações de 27 barragens portuguesas que os magistrados do DCIAP investigaram, nos últimos doze anos, só relativamente a estas duas é que o Ministério Público (MP) considera, agora, que há indícios de crime. Deixando ‘cair’ as suspeitas às restantes 25.

Em causa as críticas ao facto do Executivo socialista (à data, liderado por José Sócrates) ter adjudicado a concessão e exploração de 27 barragens sem recurso a concurso público. A elétrica alegou que era um direito adquirido e, por isso, não eram obrigados a lançar esse mesmo concurso público.

Manuel Pinho terá autorizado, quando era ministro da Economia, uma extensão da concessão de exploração de 27 barragens por 25 anos à EDP em que esta deveria ter pago um valor mínimo de 1,6 mil milhões de euros, mas pagou apenas 759 milhões. O valor final a pagar pela EDP foi fixado num despacho assinado por Manuel Pinho e Francisco Nunes Correia, então ministro do Ambiente.

Na altura da negociação dos CMEC, a EDP fechou a extensão das concessões do domínio hídrico. Por 759 milhões, a elétrica garantiu a concessão de 27 barragens por 25 anos, numa produção de 4.000 megawatts. No texto original do relatório, assumiu-se o valor de 581 milhões de euros como uma renda excessiva tendo por base estimativas da REN.

O alargamento dos prazos de exploração de 27 barragens também motivou queixas à Comissão Europeia, em 2012. Depois de uma longa investigação, Bruxelas determinou, em 2017, que a metodologia utilizada para calcular o valor pago pela empresa foi adequado.

As testemunhas que irão a julgamento

Para além do ex-presidente do Banco Espírito Santo Internacional (BESI), José Maria Ricciardi, entre as testemunhas elencadas pelo Ministério Público (MP) na acusação do caso EDP/CMEC, estão o atual presidente da Caixa Geral de Depósitos (CGD), Paulo Macedo, o presidente do BCP, Miguel Maya, e Carlos Santos Ferreira, presidente da CGD entre 2005 e 2008, quando Manuel Pinho era ministro da Economia.

Entre as testemunhas estão ainda António Castro Guerra, que foi secretário de Estado Adjunto da Economia e Inovação no ministério de Manuel Pinho; Sérgio Figueiredo, antigo administrador da Fundação EDP; Margarida Matos Rosa, presidente da Autoridade da Concorrência entre 2016 e 2023 e vários auditores do Tribunal de Contas.

O inquérito é composto por 16 volumes e dois de aceleração processual, segundo a informação na acusação, que acrescenta que “a estes volumes acresce um extenso conjunto de apensos” em formato físico e digital.

Que crimes estão imputados aos seis arguidos?

  • António Mexia, ex-presidente executivo da EDP: um crime corrupção ativa para ato ilícito de titular de cargo político.
  • João Manso Neto, ex-presidente da EDP Renováveis e ex-administrador da EDP: um crime corrupção ativa para ato ilícito de titular de cargo político.
  • Manuel Pinho, ex-ministro da Economia do Governo socialista de José Sócrates: um crime corrupção passiva para ato ilícito de titular de cargo político.
  • João Conceição, ex-assessor do ministro Manuel Pinho no Ministério da Economia: um crime corrupção passiva para ato ilícito de titular de cargo político.
  • Miguel Barreto, ex-diretor-geral da Energia: um crime corrupção passiva para ato ilícito de titular de cargo político.
  • Rui Cartaxo, ex-assessor de Manuel Pinho no Ministério da Economia: um crime corrupção passiva para ato ilícito de titular de cargo político.

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

Caso EDP/CMEC. As relações próximas de Mexia e Manuel Pinho

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião