João Lourenço: Virar uma página da mesma história?
É o antigo general que agora veste as cores do partido, que evoluiu ao lado de José Eduardo dos Santos e que é agora o seu sucessor. Uns veem em Lourenço sinais de uma mudança, outros de continuidade.
As notícias sobre a má saúde de José Eduardo dos Santos, 38 anos à frente dos destinos de Angola, começavam a enfraquecer o regime quando o Presidente decidiu não voltar a candidatar-se e dar lugar a eleições, e a escolha para o substituir à frente do partido que governa o país desde a independência foi João Lourenço. O ministro da Defesa foi uma escolha consensual no seio do MPLA, mas falta saber se, após as eleições — o MPLA venceu com 64% dos votos, de acordo com os dados provisórios –, vai haver viragem ou continuidade nas províncias angolanas.
Do exército à política
O percurso de João Lourenço, que nasceu no Lobito, em Angola, em 1954, começa com estudos no Instituto Industrial de Luanda, e uma entrada para o exército depois do 25 de abril de 1974 para participar na fase final da independência de Angola, escreve a AFP. Permanecem ainda hoje os seus laços próximos ao exército, ou não fosse esse o seu pelouro nos últimos três anos. Entre 1978 e 1982 foi formado militarmente na União Soviética, tal como José Eduardo dos Santos.
O portal informativo Jeune Afrique escreve que o exército é um dos pilares da candidatura e da persona de João Lourenço. “Entre 1990 e 1992, dirigiu o departamento político das forças armadas angolanas”, acrescenta o jornal. Desde 2014 que é ministro da Defesa, trocando “o uniforme por um fato e gravata”, escreve a AFP. O especialista Soren Kirk Jensen, do think tank Chatham House, disse à AFP que João Lourenço surgiu como “o homem do momento” quando José Eduardo dos Santos assumiu que se iria retirar da cena política e muitos no MPLA exigiam um “moderado”.
Para o rapper e ativista Luaty Beirão, que foi detido pelo regime por participar em atividades consideradas dissidentes, João Lourenço permanece esse homem do exército. “É um militar, com mentalidade hierárquica. Dá ordens e os outros obedecem”, disse à AFP. “A única mudança é que a população se vai aperceber de que ninguém dura para sempre”.
Uma verdadeira mudança, ou mais do mesmo?
É um “homem do aparelho”, segundo Didier Péclard, diretor do mestrado de Estudos Africanos na Universidade de Genebra. “João Lourenço foi escolhido porque é consensual. Trabalhou e está dentro do partido e manteve-se fiel a ele”, afirmou ao jornal francês La Croix, acrescentando: “Após 38 anos de uma mesma pessoa, o regime está dividido em clãs sobre os quais o futuro presidente terá de afirmar o seu poder”.
Tal como José Eduardo dos Santos é conhecido como Zédu, também João Lourenço tem a sua alcunha popular, JLo. O centro da sua campanha, por sua vez, é a luta contra a corrupção. De acordo com a Quartz, quando foi governador da província de Benguela no final dos anos 1980 Lourenço estabeleceu uma reputação de ser um político justo ao permitir a prisão de vários membros do seu partido por corrupção.
Apesar da proximidade aparente entre José Eduardo dos Santos e João Lourenço, os discursos recentes do segundo têm sido numa busca de distanciamento do legado do seu antecessor. Para mostrar, por exemplo, que possui uma legitimidade partidária que vai além da bênção do líder do MPLA, fez questão de sublinhar num discurso em Luanda, citado pelo Jeune Afrique, que a sua nomeação “é apenas a confirmação de qualquer coisa que, internamente e ao nível da direção do partido, era já sabida”.
O The Guardian sublinha que mesmo críticos do regime como o ex-primeiro-ministro Marcolino Moco mostram algum otimismo em relação à viragem que João Lourenço pode fazer. “O MPLA já cometeu tantos erros, já há tanta corrupção. Seria impossível que ele cometesse mais erros”, disse.
Muitos ativistas, porém, não estão convencidos. Luaty Beirão, numa entrevista ao Expresso, dissera já que a vitória de Lourenço não seria justa, mas sim “cozinhada” de forma ilícita. E o jornalista e ativista Rafael Marques, citado pelo Jeune Afrique, afirmou que Lourenço permanece “um duro general do MPLA”. É apenas “uma mudança de rosto” à frente do partido.
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