Cavaco Silva: “Fake news políticas também existem em Portugal”
Cavaco Silva teceu críticas à comunicação social portuguesa, indicando que também existem fake news políticas no país. Quanto a bons comentadores, diz que não chegam a preencher os dedos de uma mão.
O ex-Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, criticou esta quarta-feira aquilo que chamou de “notícias políticas falsas” no panorama mediático português. E fez referência a “um caso de fake news” de que diz ter sido alvo enquanto desempenhava funções como chefe de Estado, aludindo a uma notícia do jornal Público.
“Há muita coisa para fazer na vida melhor do que perder tempo com informação que não acrescenta nada de útil, nem ao nosso conhecimento, nem à nossa formação”, atirou. “Fake news políticas também existem em Portugal e não só na América do senhor Trump”, ironizou o ex-Presidente, num discurso intitulado Os jovens e a política: quando a realidade tira o tapete à ideologia, na Universidade de Verão do PSD, em Castelo de Vide, Portalegre.
“Consegui ser muito seletivo em termos de informação. Em relação aos chamados comentadores da TV e da rádio, que são muitas centenas, vocês chegam à conclusão dos que valem a pena e não esgotam os dedos de uma mão”, indicou o antigo Presidente.
E alertou: “Os objetivos de quem as fabrica são claros: influenciar a opinião pública a seu favor ou a favor do seu grupo, ou denegrir a imagem dos seus adversários. Quanto à razão de quem aceita publicá-las, há duas hipóteses: ingenuamente acreditarem que são verdadeiras, ou então aceitam publicá-las para servir ou para agradar os seus fabricantes.”
Em relação aos chamados comentadores da TV e da rádio, que são muitas centenas, vocês chegam à conclusão dos que valem a pena e não esgotam os dedos de uma mão.
Quanto ao caso de fake news que diz ter sido alvo, Cavaco Silva explicou que surgiu na sequência de um Conselho de Estado “cujo tema foi a situação política, económica e financeira internacional e os seus reflexos em Portugal num quadro de curto, médio e longo prazo”. Recorda Cavaco Silva que “um jornal diário” escreveu, “com grande destaque, o seguinte título”: “Cavaco estraga unanimidade do Conselho de Estado sobre sanções à União Europeia” [Público, 13 de julho de 2016]. “[Foi] matéria sobre a qual eu não pronunciara uma única palavra no Conselho de Estado”, justificou.
O social-democrata criticou também a relevância dada pelos jornais portugueses ao tema das sanções a Portugal e Espanha por causa do défice “ter excedido muito ligeiramente os 3% no ano de 2015”, indicando que, no país vizinho, que tinha um défice ainda maior, “o número de notícias publicadas” foi “insignificante” quando comparado com as publicadas nos media nacionais. O antigo chefe de Estado diz que já nessa altura, em 2016, tinha informação que lhe permitia estar “absolutamente convencido que nem Portugal nem Espanha iriam ter qualquer sanção”.
“Quanto à informação política efémera, sem fundamento sério” e que mesmo assim merece destaque, o ex-Presidente garante que surge “todos os dias para ocupar espaço no papel ou tempo televisivo ou radiofónico”. Foi, segundo o próprio, o caso da eleição de François Hollande em França ou de Alexis Tsipras na Grécia: “A nossa comunicação social encheu-se de notícias e de artigos, dizendo: ‘as regras de funcionamento da União Europeia vão ser suavizadas; a disciplina das finanças públicas dos Estados-Membros vai desaparecer; a consolidação orçamental deixa de ser relevante; não são necessárias mais medidas de austeridade para reduzir o défice'”, elencou.
Sobre isso, referiu: “Tais conclusões só poderiam resultar de ignorância sobre aquilo que é uma união monetária, ou então [foi] uma tentativa desonesta para iludir os cidadãos. O nível de ignorância patente naquilo que foi escrito e dito ultrapassou tudo aquilo que se podia imaginar”, disse Cavaco Silva.
Cavaco continuou, afirmando que, “nos países da zona do euro, no que se refere à política económica, a realidade acaba sempre por derrotar a ideologia”. E sublinhou: “Verifica-se que a realidade, ao tirar o tapete à ideologia, projeta-a com uma tal força contra a retórica daqueles que no Governo querem realizar a revolução socialista, que eles acabam por perder o pio, ou fingem apenas que piam, mas são pios que não têm qualquer credibilidade e que que refletem meras jogadas partidárias.”
"A realidade, ao tirar o tapete à ideologia, projeta-a com uma tal força contra a retórica daqueles que no Governo querem realizar a revolução socialista, que acabam por perder o pio, ou fingem apenas que piam (…).”
Governo pôs em causa “independência do CFP”
De seguida, Aníbal Cavaco Silva dissertou sobre o Conselho de Finanças Públicas. “Muitos políticos em Portugal não apreciam o rigor das análises do Conselho de Finanças Públicas (CFP) e procuram denegrir a sua imagem, o que é lamentável”, começou por dizer.
“Sobre este organismo, vou fazer uma revelação em primeira mão: não sei se deram conta das notícias que, na primeira metade deste ano, foram publicadas sobre a rejeição dos três nomes propostos em conjunto pelo Governador do Banco de Portugal (BdP) e pelo presidente do Tribunal de Contas (…) e que criou um lamentável impasse”, referiu. E rematou: “Vou revelar o nome da pessoa que está na raiz desse lamentável impasse: fui eu próprio, quando exercia as funções de Presidente da República.”
Muitos políticos em Portugal não apreciam o rigor das análises do Conselho de Finanças Públicas e procuram denegrir a sua imagem, o que é lamentável.
Cavaco Silva explicou que esteve na génese do problema por ter sido, outrora, quem recomendou o método de nomeação por recomendação daquelas entidades e aceitação pelo Governo. E acabou por atirar em António Costa, primeiro-ministro no momento do impasse: “Confesso que nunca imaginei que a proposta apresentada pelo BdP e pelo Tribunal de Contas, que não podia deixar de propor técnicos especializados, pudesse não ser aceite pelo Governo de Portugal.”
Depois, concluiu: “Parti da hipótese de que, numa democracia madura, como é o nosso caso, o Governo, qualquer que ele fosse, nunca iria ser acusado de pôr em causa a essência do CFP, que era precisamente a sua independência do poder político.”
(Notícia atualizada às 11h47 com mais informação)
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
Cavaco Silva: “Fake news políticas também existem em Portugal”
{{ noCommentsLabel }}