Teodora Cardoso, presidente do Conselho das Finanças Públicas: Cativações de 2016 “carecem de transparência”

A presidente do Conselho das Finanças Públicas divulgou esta quinta-feira uma publicação sobre a gestão orçamental em Portugal, identificando problemas e sugerindo soluções.

Teodora Cardoso já tinha dito que “o nosso sistema de finanças públicas ainda é o de Salazar“. Esta quinta-feira colocou a tese em texto onde argumenta que a gestão orçamental da ditadura que ainda vigora é incompatível com o Estado Social. A presidente do Conselho das Finanças Públicas assinala que as “cativações excecionais” do ano passado carecem de transparência — o que é um obstáculo à “capacidade regulatória e orçamental do Estado”.

“Observámos entretanto em 2016 o reforço do uso de instrumentos de recurso (como o PERES ou os cortes no investimento) e carecendo de transparência (como as cativações excecionais) que, ao invés de caminharem na direção desejada, reiteraram as práticas que o novo enquadramento procura corrigir”, escreve Teodora Cardoso numa publicação ocasional no Conselho das Finanças Públicas onde identifica os problemas da gestão orçamental, propondo soluções.

Outro dos argumentos de Teodora Cardoso é que os problemas do país não se deveram aos “limites rígidos” da despesa ou défice, mas sim à falta de um enquadramento orçamental renovado. “A primeira conclusão a reter é a de que os problemas que o país tem enfrentado não se deveram à obediência, na gestão da economia, a qualquer doutrina de fundamentalismo do mercado que impusesse limites rígidos às despesas públicas ou aos défices orçamentais”, argumenta. Para Teodora Cardoso a gestão passou por aumentar a despesa e o endividamento para ter crescimento económico e construir um Estado Social.

A democracia deixou para trás a “austeridade financeira herdada da ditadura”, mas continuou a reger-se pelas mesmas práticas de gestão orçamental. Para a especialista em finanças públicas era necessário um novo enquadramento orçamental. “Na sua ausência a instabilidade voltou a caracterizar as finanças públicas e a acentuar a vulnerabilidade financeira do país à medida que o endividamento se acumulava”, conclui Teodora Cardoso.

Apesar dos “estímulos” e da “abundância de financiamento”, Portugal registou um “desempenho económico medíocre”. A presidente do Conselho das Finanças Públicas considera que o momento atual é o ideal para reformar a gestão orçamental portuguesa. Em suma, eis a solução: “Estas [soluções] devem dirigir-se ao desenvolvimento dos setores transacionáveis, apoiando-se na racionalização das despesas públicas, da política fiscal e da capacidade reguladora do Estado”.

A disciplina salazarista

O que mudou com a ditadura de 1926 a 1974? Com Salazar à frente das finanças públicas reinou o “controlo rígido das despesas públicas” e a limitação de “financiamento dos défices públicos através da criação de moeda”. “Num contexto de governo autoritário, o processo de elaboração e aprovação do orçamento era simples, assentando num orçamento anual, em base de caixa, abrangendo um setor público de âmbito restrito, cujas despesas eram rigidamente controladas pelo Ministério das Finanças”, sintetiza Teodora Cardoso.

Foram estes princípios que deixaram a despesa pública abaixo dos 20% do PIB, a dívida pública nos 13,3% do PIB, fruto de vários anos de excedentes orçamentais. Após a revolução, registaram-se “profundas alterações” dado o “atraso da economia portuguesa”: a abertura aos mercados internacionais — em substituição das “possessões coloniais” –, o investimento em infraestruturas e educação e o papel do Estado social.

Mergulhado num contexto de incerteza, Portugal optou por eliminar as restrições da ditadura face ao endividamento. Na análise de Teodora Cardoso, “instituir um enquadramento alternativo do processo orçamental estava longe das prioridades políticas”. Sem a prioridade da disciplina orçamental, as finanças públicas portuguesas acumularam défices e crises de pagamentos internacionais.

Os programas de ajustamento

Para atingir novamente o equilíbrio externo, Portugal apostou na desvalorização cambial, na restrição do crédito no setor privado, no aumento das exportações e na redução das importações. Em resultado, a inflação interna subiu, afetando os consumidores. Entretanto, os Orçamentos privilegiavam o “expansionismo a curto prazo”, atendendo “à gestão do ciclo político”, mas deixando de lado a “sustentabilidade das finanças públicas”, descreve a publicação do CFP.

Na verdade, o sistema carecia da base institucional que deveria assegurar-lhe coerência interna – entre a política orçamental, a política monetária e os objetivos de crescimento dos rendimentos – e coerência intertemporal“, destaca Teodora Cardoso. Mesmo com a integração na União Europeia, os compromissos orçamentais “permaneceram num plano secundário”, classifica, referindo que se ignorou os mecanismos de disciplina europeus e se aproveitou das lacunas do sistema. Ou seja, o foco estava na “convergência real com os níveis de rendimento europeus”, independentemente da criação de outros desequilíbrios.

É com base neste contexto que a especialista em finanças públicas conclui que a “debilidade” do enquadramento orçamental levou à “acumulação de défices orçamentais” e, consequentemente, à crescente dívida pública. Para Teodora Cardoso optou-se por manter em vigor “práticas de gestão orçamental só eficazes no contexto de um Estado mínimo, submetido a um regime de ditadura financeira”. Esta “contradição” denunciada pela presidente do CFP levou à “vulnerabilidade financeira” de Portugal.

Qual seria o novo enquadramento orçamental?

Os instrumentos de governação têm de ser “compatíveis” com os objetivos do Estado, argumenta Teodora Cardoso, realçando a necessidade de haver “capacidade financeira” para atenuar os efeitos de períodos de crise e cumprir os compromissos firmados. Mas o caminho para lá chegar é “complexo”, admite.

Teodora Cardoso destaca a nova lei de enquadramento orçamental, aprovada em 2015, como um passo para que o processo orçamental seja “compatível” com o Estado social. A líder do CFP destaca três componentes: coordenar a política económica e orçamental; consagrar o horizonte de médio prazo em detrimento do horizonte anual; e adotar um modelo de orçamento por programas com flexibilização, mas também responsabilização.

A primeira etapa será a implementação do novo sistema de contabilidade para aumentar a qualidade de informação. O ponto de partida deve ser “o planeamento e a gestão eficiente das despesas públicas”, tendo em conta o espaço orçamental disponível.

Ao contrário de alterações frequentes das despesas ou das receitas para responder a posteriori aos acidentes da conjuntura, a promoção do desenvolvimento económico e o combate sustentado à austeridade têm de assentar nesse planeamento e na afetação eficiente dos limites de despesas”, explica Teodora Cardoso.

Para a presidente do Conselho das Finanças Públicas o novo modelo devera passar por um maior grau de autonomia e responsabilidade de gestão à administração pública. Simultaneamente, a solução passa por um sistema de revisão de despesa que promova “a coerência e a priorização dos objetivos”, algo que deveria ser integrado no próprio processo orçamental, sob a liderança do Ministério das Finanças.

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