Afinal, o que faz a televisão multimilionária da Yupido?
O ECO revela mais detalhes do relatório do revisor oficial de contas que aprovou o aumento de capital da Yupido, de 240 milhões para 28,8 mil milhões de euros. O que faz, afinal, esta tecnologia?
A Yupido está no centro da agenda mediática por causa do insólito aumento de capital que realizou no ano passado, de 243 milhões de euros, para 28,8 mil milhões de euros — duas vezes a Galp Energia em valor de mercado. Como o ECO avançou em exclusivo, essa operação resultou da incorporação de um “ativo intangível” de valor multimilionário — uma “plataforma digital inovadora” de media que se destaca “pelos algoritmos que a constituem”.
Ora, que plataforma é essa? À primeira vista, não é fácil perceber do que se trata esta “nova tecnologia”. A carta de intenções no site da empresa não é clara e parece assentar em grandes chavões, como: “[a Yupido] foi fundada para ser um parceiro forte de todas as pessoas que querem servir a sociedade”, ou “estamos a preparar uma solução para ajudar a criar novas empresas, focada em fornecer os serviços essenciais e ajudá-las a superar os obstáculos principais”.
A Yupido planeia lançar “os primeiros serviços” em 2018. Mas, ao jornal Expresso [acesso pago], Francisco Mendes, que é o porta-voz da Yupido, recusou detalhar que tipos de serviços são esses em concreto. Para saber o que faz a Yupido, não restam muitas mais hipóteses do que ver o que diz quem já contactou com essa plataforma: António Alves da Silva, o revisor oficial de contas que avaliou este ativo e deu luz verde ao aumento de capital de 11.722% — sim, leu bem o valor.
Uma plataforma de distribuição de conteúdos
O ECO teve acesso ao relatório no qual António Alves da Silva descreve e justifica a avaliação dada à plataforma da Yupido. Numa primeira referência, o revisor oficial de contas aponta que a plataforma da Yupido permite o “armazenamento, proteção, distribuição e divulgação de todo o tipo de conteúdo media”.
O que significa isto? Vamos por partes:
- “Conteúdo media”: poderá ser tanto um programa de televisão como um artigo em suporte digital, um vídeo ou uma gravação em áudio, como por exemplo um Podcast. Pode ainda ser um filme ou uma série. Este tipo de conteúdos divide-se, na maior parte das vezes, entre conteúdos informativos ou de entretenimento. O foco da Yupido estará voltado para estes últimos.
- “Armazenamento”: a plataforma da Yupido deverá permitir guardar esses conteúdos, ou seja, fornecer alojamento aos mesmos. Face às tendências do mercado, é possível que a plataforma permita algum tipo de armazenamento na “nuvem” (cloud). Para tal, ou recorrerá às soluções já oferecidas, por exemplo, pelas gigantes Google, Amazon, Microsoft ou Dropbox, ou terá de criar uma rede de data centers para permitir o alojamento remoto dos arquivos. Não é certo o que terá a Yupido em mente, mas há pelo menos uma referência a investimentos em “servidores de armazenagem de dados” no relatório.
- “Proteção”: esta nova tecnologia, além do armazenamento, deverá fornecer proteção aos conteúdos multimédia em causa. A proteção dada poderá ser de dois tipos: proteção ao nível da segurança (ou seja, garantir que os conteúdos, na forma de ficheiros, estão seguros) ou proteger ao nível dos direitos de autor ou de uso. A plataforma da Yupido deverá atuar em ambas as vertentes, uma vez que, mais à frente, no relatório, o revisor escreve que a tecnologia permite, “em simultâneo, a proteção dos arquivos” e “assegura todos os direitos de utilização dos mesmos”.
- “Distribuição”: a plataforma da Yupido terá ainda a missão de fazer chegar esses mesmos conteúdos ao público. No relatório, o revisor garante que a tecnologia dá “a possibilidade de tais conteúdos chegarem a novos públicos”. Ainda não entendeu? Neste momento, as maiores plataformas de distribuição de conteúdos serão o Facebook e a Google, pelo que a Yupido, segundo o revisor, poderá concorrer diretamente com estas gigantes tecnológicas.
- “Divulgação”: É um complemento da distribuição. Ao mesmo tempo que a plataforma fornece o canal para que o público aceda aos conteúdos em causa, a plataforma deverá permitir que esses conteúdos cheguem a outras pessoas que, de outra forma, não os iriam conhecer. Os tais “novos públicos” a que o revisor, António Alves da Silva, se refere, tal como vimos no tópico anterior.
Importa referir que quando a Yupido assume que a plataforma é destinada a “todo o tipo de conteúdo media”, isso implica bem mais do que simples vídeos ou programas em áudio. O relatório também lança alguma luz sobre este assunto, com referências aos “novos formatos”.
Estes novos formatos são, por exemplo, o vídeo em 360 graus ou qualidade 4K. E o relatório é explícito nesse aspeto, pois tem, aliás, um parágrafo só dedicado à evolução da televisão. “A tecnologia objeto da nossa avaliação centra-se igualmente na própria televisão”, que passou “da tecnologia HD” para “ultra HD ou 4K”. Vai mesmo mais além, indicando que a comercialização de televisores “com 6K e filmes a 360 graus” já é uma realidade.
A tecnologia objeto da nossa avaliação centra-se igualmente na própria televisão.
O jornal Observador conseguiu chegar à fala com António Alves da Silva, que disse que quando a tecnologia lhe foi apresentada, ficou “maravilhado”. “Reuni com algumas pessoas, os responsáveis pela empresa e alguns técnicos. Vi a imagem da televisão e pouco mais. Não sou nenhum técnico especializado, mas fiquei maravilhado”, indicou.
Disse ainda: “Fiz este relatório há três anos. Quando se começar a ver esta tecnologia, se calhar o valor até é irrisório. Se esta tecnologia se efetivar, vai revolucionar todo o sistema.” E concluiu: “O que me motivou para fazer esta avaliação foi olhar para aquilo e sabe de quem me lembrei? Lembrei-me de Steve Jobs.”
Uma plataforma com “algoritmos avançados”
Outro aspeto a suportar a avaliação elevada desta “nova tecnologia” são os “algoritmos de computação avançados” que a compõem. Um algoritmo é, basicamente, um conjunto de regras, através do qual um computador executa uma determinada função caso se verifique uma determinada condição. É como um livro de comandos que o computador consulta para saber o que fazer numa qualquer situação. Por exemplo, é um algoritmo que escolhe o que aparece na página inicial do Facebook, com base nos interesses de cada pessoa.
Segundo o relatório acedido pelo ECO, “a plataforma digital que foi avaliada reúne um conjunto de tecnologias de compressão, armazenamento, transporte e proteção dos conteúdos media”. É nestas áreas que atuam os algoritmos da Yupido, e servem quatro grandes propósitos:
- “Diminuição dos consumos de espaço”, ou seja, permitir armazenar mais conteúdos no menor espaço possível. Isso permite reduzir custos, na medida em que o revisor considera que esta tecnologia “não requer o aumento proporcional as infraestruturas ao nível do armazenamento físico”.
- “[Diminuição dos consumos de] transferência de dados, ou seja, permitir aceder a conteúdos com a menor utilização de tráfego possível na rede. Aliás, o revisor enfatiza no relatório que o aumento da qualidade dos conteúdos, bem como do número de utilizadores interessados, está a impor “novos desafios” aos fornecedores de serviços na internet e aos distribuidores de conteúdos.
"Da análise do mercado dos dispositivos móveis com capacidade de acesso e consumo de conteúdos media, poderemos observar um crescimento contínuo a uma taxa de 66,67% para os próximos cinco anos, passando dos atuais 15 biliões [sic] de dispositivos (em 2015) para 25 biliões até 2019.”
- “Proteção dos arquivos”, garantindo a sua segurança e integridade.
- “[Proteção de] todos os direitos de utilização”, ou seja, assegurar que a utilização desses conteúdos segue todos os conformes definidos pelo proprietário dos direitos — o dono dos conteúdos.
Tecnologia “já adaptada” aos principais mercados
O revisor oficial de contas que fez esta avaliação garante ainda que a plataforma da Yupido “encontra-se já adaptada para funcionar nos principais mercados”, nomeadamente a Europa, a América do Norte, a Ásia e a América do Sul. Será também esta a ambição da empresa.
E fica a faltar falar dos números que suportam a avaliação de 28,8 mil milhões de euros: “Considerou-se o valor global do mercado de entretenimento cuja média é de 1,93 triliões [sic] de dólares, continuando tal mercado em crescimento constante para os anos vindouros, esperando-se um crescimento a uma taxa média de 22%, prevendo-se que o mercado atinja em 2019 2,36 triliões de dólares”.
Os 28,8 mil milhões de dólares foi o valor alcançado com base “na metodologia dos cash-flows descontados”, um método contabilístico de avaliação de empresas. “Assim, por recurso a este critério, foi possível encontrar um valor para tal ativo que foi fixado em 28.524.864.970 [de euros], lê-se no documento. “Tal valor foi calculado descontando, para o momento presente, a libertação de fundos expectável na venda e manutenção do software e das despesas inerentes e com ele relacionadas, ao longo de um período estimado de dez anos, em quatro mercados considerados relevantes” (os que já indicámos mais acima).
E acrescenta: “No modelo de avaliação foram anda considerados cenários que previam a necessidade de novos investimentos no hardware (servidores de armazenagem de dados) e no software (incorporando, designadamente, despesas decorrentes de inovações tecnológicas e de alterações legislativas que impliquem alterações ao programa).”
António Alves da Silva deixa um recado curioso. Escreve que a avaliação considerou “uma taxa de penetração no mercado conservadora”, e garante que “o potencial de valorização do referido software poderá ascender a valores ainda mais significativos”. No final, responsabiliza-se pela “razoabilidade” desta avaliação. O ECO tentou obter mais esclarecimentos junto de um porta-voz da Yupido, mas não tinha sido possível até à hora de publicação deste artigo.
"O potencial de valorização do referido software poderá ascender a valores ainda mais significativos.”
Vídeo: Conheça a empresa que diz valer 29 mil milhões
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
Afinal, o que faz a televisão multimilionária da Yupido?
{{ noCommentsLabel }}