• Entrevista por:
  • Cristina Oliveira da Silva

“Tributar os ‘robots’ é uma ideia natural, mas pode ser difícil na prática”

Richard Baldwin está em Portugal para participar na conferência "Em que pé está a igualdade", promovida pela FFMS. Ao ECO, o professor indica o que se pode esperar dos avanços da tecnologia.

O avanço da tecnologia vai eliminar empregos já que serão precisas menos pessoas para completar cada tarefa. E vai pôr em perigo o sistema fiscal e a Segurança Social. Se tributar robots pode ser “uma ideia natural”, na prática pode tornar-se difícil, alerta o professor de Economia Internacional Richard Baldwin.

Autor do livro “The Great Convergence: Information technology and the New Globalisation”, Baldwin também é conselheiro de governos e organizações internacionais em assuntos relacionados com globalização e políticas comerciais. O presidente do Centre for Economic Policy Research está presente na conferência “Em que pé está a igualdade?”, promovida pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, que decorre sábado no Teatro Nacional S. Carlos. E respondeu, por escrito, às questões do ECO.

O tema da globalização tem sido muito debatido, mas não podemos dizer que se trata de um fenómeno que só agora começou. Em que fase se encontra e para onde se dirige?

Falando na globalização moderna, que começou em 1820 com a deslocação massiva (força do vapor, paz na Europa, etc.), estamos na segunda fase, prestes a começar a terceira. A primeira, entre 1820 e 1990, tinha a ver sobretudo com a troca de bens, com a vantagem competitiva das nações a serem determinadas pelos seus próprios recursos (humanos, tecnológicos e naturais).

A segunda, de 1990 até hoje, foi espoletada pela revolução das ITC [informação, tecnologia e comunicação], que permitiram que empresas de nações ricas combinassem a sua tecnologia com mão-de-obra de baixo custo no estrangeiro — este novo tipo de competição alta tecnologia/baixos salários alterou completamente o mundo do comércio em produtos manufaturados. Tendo em conta que os produtos manufaturados representaram três quartos de todo o comércio, esta alteração definiu uma nova fase. Envolveu a rápida industrialização da China, Coreia, Tailândia, Índia, Polónia e outros. O acelerado aumento de rendimentos nestes países rapidamente industrializados desencadeou um superciclo de matérias-primas, que por sua vez desencadeou crescimento em muitas nações exportadoras de matérias-primas.

A terceira fase vai envolver aquilo que se pode chamar telecomutação internacional. Está a ser desencadeada pela tradução automática e tecnologia avançada de comunicação.

O desenvolvimento da tecnologia vai substituir totalmente a mão-de-obra humana? Quando?

Penso que IA [AI, em inglês] devia significar ‘Quase Inteligente [‘Almost Intelligent’] e não ‘Inteligência Artificial’ [‘Artificial Intelligence’]; estes algoritmos têm uma utilização muito limitada. Portanto vejo-os a assumir partes de muitas ocupações, mas não a eliminar essas ocupações. A questão é que quase todos os empregos requerem coisas que a IA não pode fazer agora. Mas a IA vai eliminar muitos empregos, tendo em conta que precisaremos de menos humanos para completar cada tarefa. Penso que isto já está a começar e vai acelerar rapidamente. Por volta de 2020, penso que [esta realidade] será óbvia para toda a gente nos mercados desenvolvidos. Em cada escritório, restaurante, hotel, hospital e governo.

Como podem as sociedades suavizar esta transição, para alcançar algum equilíbrio entre o trabalho humano e a tecnologia?

Penso que o Governo tem de olhar para o ritmo disto e desacelerá-lo com regulação e/ou taxação se acelerar demasiado.

O uso crescente de tecnologia vai pôr em perigo os sistemas fiscais e de Segurança Social?

Em perigo, sim. Muita da receita fiscal dos governos é baseada em empregos. Na medida em que a IA elimina empregos sem dar tempo para que novos empregos sejam criados, a base tributária vai erodir. Por fim, digamos, daqui a 20 anos, quando realmente existir uma substituição mesmo massiva de pessoas, teremos de encontrar outra forma de receita fiscal. Tributar os ‘robots’ é uma ideia natural, mas pode ser difícil na prática, sobretudo para os robots “colarinhos brancos”, isto é, software inteligente, tendo em conta que o software pode estar na nuvem (‘Cloud’).

Num cenário em que o uso de tecnologia substitui cada vez mais as pessoas, os países deviam criar algum regime de compensação para os trabalhadores?

Compensação não. Precisam de reforçar as políticas ativas de mercado de trabalho que ajudem os trabalhadores a ajustarem-se às novas circunstâncias.

As sociedades estão preparadas para estes desenvolvimentos? Como podem as pessoas ser valorizadas se a maquinaria substituir a necessidade de mão-de-obra humana?

Estou bastante preocupado que venham a ser um retrocesso neoludita contra a tecnologia nos próximos anos. Em termos de valor, não estou preocupado. As pessoas passam imenso tempo a fazer publicações no Facebook, etc., porque querem que os seus amigos os apreciem. A família não precisa de ser paga para se ajudar entre si. Mas exigirá um ajustamento da atitude através da qual nos definimos relativamente aos nossos empregos.

Quem ganha e quem perde com a globalização?

Em todos os países, os cidadãos mais competitivos ganham mais e os cidadãos menos competitivos perdem. É por isso que a globalização tem de ser parte do contrato social que partilha os ganhos e as perdas. Penso que as nações do norte da Europa, Canadá e Japão fazem um bom trabalho nisto. As nações do sul da Europa fazem-no menos bem, o Reino Unido menos ainda e os Estados Unidos são chocantemente maus nisto.

  • Cristina Oliveira da Silva
  • Redatora

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