Orçamento do Estado aprovado: Cativações, IRS e… uma página com três anos?
Em 12 horas de debate na Assembleia da República, os deputados contestaram a resposta do Governo aos incêndios no OE 2018 e ainda houve tempo para ressuscitar uma polémica de 2015. Saiba tudo aqui.
A proposta de Orçamento do Estado para 2018 apresentada pelo Governo foi aprovada esta sexta-feira, em Lisboa, com os votos favoráveis da maioria parlamentar de esquerda, o Partido Socialista, o Bloco de Esquerda, o Partido Comunista Português e o partido ecologista Os Verdes. O deputado único do PAN optou por se abster, enquanto os partidos da direita, “sem surpresa”, como disse Marques Guedes do PSD, votaram contra a proposta.
Agora, vem aí o debate na especialidade que permitirá responder a algumas das preocupações apresentadas pelos partidos naquilo que foram mais de 12 horas de debate, ao longo de dois dias, no plenário da Assembleia da República. Entre preocupações com as cativações, o regime simplificado do IRS e as verbas para os incêndios, os partidos também tiveram tempo para falar, durante quase uma hora, sobre uma página com mais de três anos do Programa de Estabilidade do Governo de Pedro Passos Coelho.
Cativações: Muito criticadas mas Centeno não abdica
As críticas às cativações vieram de todas as direções. Da direita, onde Leitão Amaro do PSD disse que as cativações eram uma forma de ocultar a estratégia do Governo, e Cristas, dirigente do CDS-PP, disse que a “execução do OE continuará a assentar nas cativações de larga escala”. Da esquerda, onde Catarina Martins do Bloco de Esquerda pediu que fosse gasto o orçamento aprovado e que não fossem feitas cativações nos serviços públicos.
No entanto, o Governo não se moveu. Haverá mais transparência nas cativações em 2018, é verdade, e Mário Centeno prevê que o valor seja inferior ao que se antecipava para 2017, ficando nos 1.156 milhões de euros, mas trata-se de um “mecanismo de mera prudência”, assinalou António Costa. “Há uma enorme confusão entre cativações e cortes”, acrescentou.
Mário Centeno foi ainda mais claro: “As cativações são seguramente um instrumento de gestão orçamental do qual o Governo não abdicará”. Falta saber, no debate de especialidade, se serão aprovadas propostas para que estas sejam contidas ou mais transparentes no ano que aí vem.
Regime simplificado de IRS: Governo aberto a mudar
Logo no princípio do debate na quinta-feira, António Costa reconheceu que o regime simplificado de IRS, com as alterações propostas no Orçamento do Estado para 2018, poderia criar problemas, nomeadamente para casos particulares como o dos “agricultores”. O primeiro-ministro garantiu por isso que o Governo está disponível para introduzir clarificações na fase de debate de especialidade. “Certamente em sede de especialidade estaremos disponíveis”, assegurou o primeiro-ministro, referindo-se à abertura para afinar a proposta por forma a evitar que grupos específicos acabem por ficar prejudicados.
Isso não impediu que os partidos continuassem a apontar falhas neste regime. Tanto da esquerda como da direita vieram críticas à redação e ao impacto da reformulação do regime simplificado, que tem inúmeros problemas apontados por fiscalistas e pode levar a um aumento de impostos para um grande número de pessoas.
Mário Centeno garantiu que 90% dos contribuintes que descontam no regime simplificado seriam beneficiados ou não seriam afetados pelas mudanças, mas assumiu que, para os outros 10%, poderia ser necessário fazer mudanças na especialidade. Fica então uma discussão para as comissões especializadas resolverem.
Incêndios: Governo garante que haverá verbas
Os incêndios e a proteção da floresta foram outro dos temas importantes nestes dois dias de debates, com muitos deputados a perguntarem concretamente ao Governo quais as verbas que seriam alocadas para as estratégias de reforma florestal e prevenção de incêndios, visto que isso não consta em concreto na proposta de Orçamento do Estado que foi hoje aprovada.
Certos ataques foram mais diretos. Carlos Abreu Amorim, do PSD, acusou António Costa de ser “o pai, a mãe e o rosto do SIRESP”, o sistema de comunicações de emergência cujas falhas foram apontadas como críticas nos erros no combate aos incêndios trágicos deste verão. Perguntou ainda se António Costa estava “arrependido” de ter feito cortes “de forma tão evidente” no orçamento para a Proteção Civil — ao que Costa reagiu dizendo que os gráficos que Amorim mostrava estavam deturpados e tais cortes não tinham acontecido.
No encerramento do debate, o ministro do Planeamento e das Infraestruturas, Pedro Marques, aproveitou para tentar acalmar os ânimos. O Orçamento, afirmou, contemplará os recursos necessários “para dar corpo a duas reformas que o país não pode dispensar: a reforma da floresta e a prevenção de fogos”.
Também o ministro das Finanças já dissera o mesmo. “O compromisso do Governo com esta reforma e os meios para a alcançar não é alterável”, disse Mário Centeno, acrescentando que as verbas poderiam atingir os 90 milhões de euros, e seriam avaliadas com base nas novas decisões agora tomadas.
Ressuscitada uma polémica de 2015
O ministro do Trabalho e da Segurança Social foi quem, na sua intervenção, teve o papel inusitado de ressuscitar uma polémica com mais de três anos. Acusado por Adão Silva, do PSD, de ter participado em políticas de austeridade no Governo de José Sócrates, disse não querer falar do passado, mas que valia a pena lembrar que “a direita, o PSD e o CDS, apresentou um programa para esta legislatura. Fizeram-no no Programa de Estabilidade enviado lá para maio de 2015 à Comissão Europeia”. Nessa proposta, afirmou, estava “a essência da vossa ideia Segurança Social: era o corte das pensões a pagamento” em 600 milhões de euros, disse Vieira da Silva. “E todos nessa bancada estavam de acordo”, acrescentou, abrangendo o CDS-PP e o PSD.
Foi quanto bastou para haver revolta nas bancadas da direita. Primeiro, Hugo Soares fez uma interpelação à mesa para pedir que Vieira da Silva distribuísse o documento onde constariam essas previsões do Programa de Estabilidade do PSD. Pouco depois, João Oliveira do PCP fazia o mesmo para pedir essa mesma distribuição da página, que fora procurar — a página 39 do documento de 2015. Vieira da Silva aproveitou a sua intervenção seguinte para ler essa mesma página, que referia uma redução de 600 milhões de euros na Segurança Social.
Logo a seguir, respondia a acusações: “A bancada do CDS, audívelmente, acusou-me de desonesto porque eu disse que na altura o Programa de Estabilidade foi uma posição unânime dos partidos da então maioria”, disse Vieira da Silva, e depois ergueu uma página impressa com uma notícia sobre o tema, com a fotografia de Cecília Meireles. A deputada do CDS-PP ficou revoltada. “Diz-se taxativamente que estamos a falar de 600 milhões de euros independentemente de medidas de corte de despesa ou acumulação de receita”, afirmou.
Hugo Soares, num Parlamento cada vez mais exaltado, voltou-se ao ministro: “Ficou demonstrado que em lado nenhum, em momento algum, se fala de um corte. A sua palavra vale zero. O senhor ministro da Segurança Social inventou aquilo que lá não estava.” Posto isto, o Bloco de Esquerda decidiu intervir: José Soeiro, após afirmar que os colegas da bancada da direita demonstravam uma “exaltação após o almoço”, (o que lhe valeu uma repreensão da mesa por insultar os outros deputados), afirmou: “Esta discussão é um pouco degradante porque temos documentos muito concretos”, disse o deputado, insistindo em ler a página polémica. “Se cortar 600 milhões de euros no sistema de pensões não é cortar pensões, é o quê, fazer desaparecer pensionistas?”, perguntou depois Soeiro.
Embora o debate tenha finalmente avançado para temas mais relacionados com o Orçamento do Estado para o próximo ano, não ficou aqui encerrada a guerra sobre o passado. Embora sem a comentar, o CDS-PP pediu ainda a distribuição aos deputados e aos jornalistas de uma notícia de 30 de setembro de 2010 em que Vieira da Silva era citado dizendo que a austeridade é “fundamental” para o crescimento do país.
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