O dia que amargou o ano “saboroso” de António Costa
O primeiro-ministro teve de lidar com o melhor e o pior do seu mandato em 2017. Num ano positivo para a economia, os incêndios fizeram mais de 100 vítimas e o Governo sofreu sucessivas alterações.
Pedrógão Grande. 17 de junho, o dia mais quente do ano. Em 50 minutos, 62 pessoas perderam a vida. Quatro meses depois, morreram mais 45 pessoas levadas pelo fogo, a 15 de outubro — o pior dia do ano em termos de incêndios. A sequência de eventos castigou o Executivo e as próprias funções do Estado ficaram em causa. 2017 foi um ano bipolar para o líder do Governo: ao mesmo tempo que foi um “ano saboroso” na frente económica, as tragédias deixaram o país em choque.
O ano começa e termina com duas vitórias de Costa na frente internacional: Guterres inicia o mandato na ONU, Centeno vence as eleições do Eurogrupo. Na frente interna, ‘geringonça’ é eleita a palavra do ano, refletindo a solidez do acordo à esquerda alfinetado apenas em momentos-chave — as autárquicas com a derrota do PCP, o chumbo da taxa das renováveis com o desagrado do BE e o Caso Almaraz com Os Verdes. Nada que belisque a aprovação do Orçamento do Estado para 2018 ou o chumbo de uma moção de censura.
O início do ano começa com um problema provocado pelo PSD: a diminuição da TSU para compensar a subida do salário mínimo foi chumbada, mas o caso resolveu-se rapidamente com mudanças no pagamento por conta. Mesmo em março, quando o ministro das Finanças põe o seu lugar à disposição por causa do Caso Domingues, o Executivo não abalou, Centeno continuou e tornou-se o cavalo de Troia do Governo — a economia portuguesa surpreende e cresce 3% no primeiro semestre. Só mais tarde é que António Costa é forçado a fazer mudanças no Governo com o eclodir do Galpgate, os incêndios e o Caso Raríssimas.
Em maio, a Comissão Europeia recomenda a saída de Portugal do Procedimento por Défice Excessivo (PDE), uma das primeiras vitórias do ano. Na banca, Costa respira de alívio em março com a aprovação da recapitalização da CGD e em julho com a aprovação da venda do Novo Banco à Lone Star. Os reembolsos ao FMI são autorizados pelo Ecofin e começa a estratégia de pagar antecipadamente e substituir por dívida mais barata à medida que as agências de notação financeira foram melhorando o rating de Portugal — primeiro a S&P, depois a Fitch.
Ainda em junho, o Governo recua na decisão de candidatar Lisboa à Agência Europeia do Medicamento, uma polémica que culminou na presumível ida do Infarmed para o Porto. Na área da defesa, o roubo de Tancos causa instabilidade no Governo devido às declarações do ministro da Defesa. Em novembro mais um caso onde é apontado o dedo à “falência do Estado” com o caso de legionella que matou seis pessoais.
Mas nada fará esquecer junho e outubro, os meses horribilis de António Costa. O número recorde de mortos, as centenas de edifícios destruídos, empresas afetadas e milhões de prejuízos fizeram de 2017 o pior ano de incêndios que há memória em Portugal. O Parlamento apressou-se a discutir uma reforma florestal, mas o PCP impediu que a geringonça funcionasse. Criou-se a comissão técnica independente e parte da ação ficou em standby até haver conclusões. Quatro meses depois, volta a acontecer.
No mesmo mês que vence as eleições autárquicas por uma larga margem, Costa é pressionado com o discurso mais duro da legislatura de Marcelo Rebelo de Sousa. Além disso, é alvo da primeira moção de censura ao Executivo. A ministra da Administração Interna sai, depois de meses de críticas. O Governo reúne de emergência num Conselho de Ministros ao fim de semana, são anunciadas medidas e milhões para as zonas afetadas e para as indemnizações. Costa cria uma unidade de missão, que fica sob a sua alçada.
O Orçamento do Estado para 2018 é aprovado na Assembleia da República e promulgado pelo Presidente da República, apesar dos avisos. A geringonça caminha para a segunda parte da legislatura, “a mais desafiante” fase da solução que Costa criou, na opinião de vários analistas. O ano agridoce passou.
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