Guia dos pessimistas: vem aí uma década de desastres

  • Juliana Nogueira Santos
  • 18 Dezembro 2017

Crises económicas, um ataque de coração ditatorial e climas extremos. É assim que os pessimistas da Bloomberg veem a próxima década. Mal podemos esperar pelo ano novo.

Este podia bem ser um conto escrito por Edward Aloysius Murphy, uma vez que tudo o que poderá correr mal na próxima década, irá correr.Ana Raquel Moreira/ECO

Se em 2017 o guia dos pessimistas da Bloomberg acertou ao lado nas suas apostas — para bem de toda a humanidade –, chegou a altura de a agência pôr em perspetiva, não só o próximo ano como também a década que aí vem.

Esta decidiu olhar até 2028, “não só como uma tentativa de olhar para os potenciais choques do próximo ano como também para considerar a maneira como estes podem moldar a próxima década”. Mas desengane-se: estas perspetivas não vêm recheadas de bons cenários.

Como pessimista que se orgulhe, o guia da próxima década traz com ele guerras, tufões, ataques cardíacos, crashs bolsistas e recessões económicas. Este podia bem ser um conto escrito por Edward Aloysius Murphy, uma vez que tudo o que poderá correr mal na próxima década, irá correr. Só a inovação tecnológica escapa à próxima década de desgraças.

Jimmy Kimmel será o próximo Presidente dos EUA

Já em 2018, e depois de ter conseguido aprovação para o seu plano fiscal, Donald Trump prossegue com políticas de desregulação e de investimento de biliões de dólares nas forças armadas e nas infraestruturas. À boleia destes estímulos, a economia norte-americana vai avançar. Robert Muller não vai conseguir encontrar provas que liguem Trump à interferência russa nas eleições de 2016.

Assim, em 2020, o republicano conseguirá conquistar o segundo mandato — mesmo com números de aprovação baixos. A culpa será de uma oposição fragmentada, com os votos dos democratas a dividirem-se entre a candidata do partido Kamala Harris e o independente Bernie Sanders.

Começa aí mais um desafio: o Obamacare. Trump irá conseguir revogar o plano de saúde do seu antecessor, mas a substituição ficará pendente. O sistema de saúde norte-americano entra em colapso, seguindo-se a economia e os mercados. A bolha no mercado acionista rebenta e atira o país para uma recessão económica.

Surge então um salvador: Jimmy Kimmel, um popular comediante e apresentador de late night shows, é eleito Presidente após apresentar uma proposta de criação de um sistema nacional de saúde, um feito nunca antes atingido, mas desejado pela maioria daqueles que ocuparam a sala oval.

Notícias falsas serão o dia-a-dia

O próximo ano não trará melhorias no que diz respeito às notícias falsas, com as grandes tecnológicas a não conseguirem entregar qualquer solução para este problema. Já em 2019, o Facebook irá investir na contratação de trabalhadores para filtrar os conteúdos suspeitos, mas será impossível intercetar a fonte.

Por tudo o mundo, os governos serão obrigados a seguir o exemplo da Rússia e adotar as “bot farms“, ou seja, os exércitos de robôs virtuais, como arma da contra inteligência, uma vez que metade do tráfego do Twitter passará a ser gerado por contas falsas. E ainda que a inteligência artificial seja anunciada como um antídoto, os aparelhos serão facilmente hackeados, para apresentar informações pro-regime.

A barreira entre verdadeiro e falso deixa de existir na internet e, já em 2023, a administração Kimmel, não terá outra hipótese senão quebrar laços com as tecnológicas e decretá-las ilegais. O Facebook, o Twitter e o Google deixa e existir tal como os conhecemos, ascendendo plataformas sociais que oferecem aos grupos uma experiência social sem qualquer oposição ideológica.

Bitcoin faz banca de retalho desaparecer

A falência do sistema bancário atual começará em 2018 com um ataque cibernético. Dados e depósitos serão roubados, mas os reguladores vão assegurar que tudo está a salvo. Com o aumento da incerteza em torno do sistema financeiro, o ouro sobe mas não tanto como o próximo ativo refúgio, a bitcoin. O guia aponta para que, no próximo ano, a moeda virtual ascenda aos 40 mil dólares.

Em 2021, o Alibaba entrará no mercado das criptomoedas com uma divisa virtual a ser utilizada na sua rede, tornando esta uma prática de massas. Também países como a Grécia ou algumas nações africanas, seguindo o exemplo da Venezuela, vão adotar a bitcoin como moeda nacional. Nessa altura uma bitcoin valerá 100 mil dólares.

Uma falha informática detetada por uma criança de dez anos no sistema bancário mundial irá retirar a credibilidade aos bancos, espoletando um novo crash bolsista. Os bancos centrais vão render-se à blockchain, deixando os bancos para trás e emitindo dinheiro digital diretamente para os consumidores.

Por fim, e neste cenário financeiro apocalíptico, os bancos de retalho apresentarão falência, sendo substituídos por uma manta de retalhos que junta moedas digitais e sistemas de pagamentos como o Alipay ou o Amazon.com. Será aí, em 2028, que a bitcoin atinge uma valorização de um milhão de dólares.

Kim Jong Un morre de ataque cardíaco

North Korean leader Kim Jong Un waves at parade participants at the Kim Il Sung Square on Tuesday, May 10, 2016, in Pyongyang, North Korea. Hundreds of thousands of North Koreans celebrated the country's newly completed ruling-party congress with a massive civilian parade featuring floats bearing patriotic slogans and marchers with flags and pompoms. (AP Photo/Wong Maye-E)

Se, neste momento, uma das principais preocupações de Trump é Kim Jong Un, em quatro anos poderá deixar de ser. O guia dos pessimistas prevê que, em 2018, a Coreia do Norte dispare um míssil que ficará a 32 quilómetros da costa dos Estados Unidos. Aí, Trump decidirá não retaliar e unir-se à China, que por sua vez fechará as suas fronteiras com a nação eremita.

Em 2020, a televisão nacional norte-coreana anunciará que o seu líder sofreu, inesperadamente, um ataque cardíaco que acaba por ser a sua causa de morte. O regime que lhe segue decide largar mão do poder nuclear, o que leva a aprovação de Trump a subir a pique. Os laços entre EUA e China tornam-se mais fortes que nunca.

Corbyn lidera um Reino Unido com yield de 5%

À beira de um acordo para a saída da União Europeia, a espiral do Brexit ficará fora de controlo em 2018. Theresa May é afastada e uma eleição antecipada dará a vitória ao trabalhista Jeremy Corbyn. Este irá liderar as negociações, a culminar a 29 de março de 2019, com os custos a serem maiores que o antecipado. Corbyn culpa os conservadores e May de terem enganado os britânicos.

Com a sua agenda socialista a avançar, Corbyn irá servir-se de empréstimos externos e da imposição de carga fiscal para fazer face às despesas. Será o caso da reforma do ensino superior, que passará a ser gratuito. A yield da dívida soberana a 10 anos atinge aí os 5%.

Ao tornar o socialismo sexy, Corbyn consegue a reeleição em 2023 com larga maioria. A realidade chega depois com a dívida a ultrapassar os 100% do PIB e a inflação a crescer fora de controlo. Crescem as preocupações de que o país entre em não cumprimento e precise de resgate financeiro. As contas públicas fazem afundar a libra e o Reino Unido passa a ser um ativo emergente de alto risco.

Baby boomers reformados pressionam população ativa

Será em 2018 que o desequilíbrio geracional passa a por em causa a sobrevivência do estado social. Os pessimistas apontam para que, em França, Macron não consiga ganhar o apoio dos pensionistas na remodelação do sistema de pensões. Em Itália, as eleições irão mostrar o que afasta os jovens dos idosos, com as faixas etárias mais elevadas a votar em Silvio Berlusconi para a liderança do país.

A população ativa vai ser incapaz de suportar os custos de reforma dos babyboomers, empurrando Portugal, Itália, Espanha e Grécia para uma crise financeira. Macron e Merkel serão tão impopulares que a disciplina fiscal que ambos defendem não consegue ser imposta.

Já em 2022, o candidato de extrema-esquerda francês Jean-Luc Melenchon irá carrega a bandeira jovem até ao Eliseu, apontando Corbyn como prova de que o verdadeiro socialismo funciona no século XXI. Os impostos agravam-se nos dois países. Ao mesmo tempo, a Escócia votará para se separar do Reino Unido na crença de que assim os impostos vão descer.

Com o desemprego jovem a atingir os 50% na Europa, os movimentos populistas começam a derrubar governos. A Catalunha vota para abandonar a Espanha. Esta, sem dinheiro para pagar forças armadas, não consegue deter.

A baixa fertilidade e as reformas antecipadas fazem com que sejam apenas dois trabalhadores a suportarem um pensionista, enquanto os jovens negam o pagamento de impostos. O cenário, em 2018, culmina na separação da Bélgica em três partes: a francesa, a flamenga e a capital daquilo que ainda sobra da União Europeia, Bruxelas.

Alterações climáticas espoletam guerra comercial

Depois de um ano extraordinário no que diz respeito a fenómenos naturais, 2018 trará o tufão mais poderoso da história da China moderna. As consequências devastadoras pressionam Xi Jinping a utilizar a sua força económica e a boa relação com Donald Trump para fazer com que os EUA voltem a assinar o Acordo de Paris e reduzam as emissões poluentes.

Pequim investirá milhares de milhões na conversão da frota automóvel do país em veículos totalmente elétricos. No entanto, Trump recusa voltar ao Acordo de Paris. Em vez disso, diminui a pressão fiscal às petrolíferas e às fabricantes automóveis. A Rússia seguirá o caminho dos norte-americanos.

Com o mundo a entrar numa era de condições climatéricas extremas, e as relações entre Xi e Trump a continuarem estreitas, os governantes em Pequim falam em forçar os EUA a mudar o seu comportamento em termos climáticos. Assim, a China começará por bloquear negócios e impor multas comerciais aos países que ficam para trás nas metas ambientais. O mundo verá, em 2018, a primeira guerra comercial espoletada pelo ambiente, com a China a impor sanções aos EUA, à Austrália e à Rússia.

Carros elétricos condenam petróleo

Com a crescente preocupação virão também as revoluções tecnológicas. Em 2018, avanços na criação de baterias abrirão caminho à produção em massa de carros elétricos acessíveis. Assustada com as implicações para a industria da energia, a OPEP põe travão a produção de petróleo. Os preços manter-se-ão assim nos 50 dólares por barril.

Já em 2020, Mohammed bin Salman tornar-se-á rei da Arábia Saudita e a entrada em bolsa da Saudi Aramco virá a revelar-se um grande sucesso. Começa assim o investimento de milhões na construção da megacidade no deserto, a Neom. O petróleo termina o ano a valer 40 dólares.

Quatro anos depois, o barril cai para os 10 dólares, e a Arábia Saudita enfrenta instabilidade politica e financeira, que se espalha por todo o Médio Oriente. É então obrigada a abandonar, em 2028, o projeto da megacidade e os arranha-céus começam a ser engolidos pela areia. A OPEP dissolve-se e os investidores ficam em pânico com o espalhar das falências na industria do petróleo.

Mas será isto possível?

Em resumo, o avanço de uma década trará crises económicas graves, condições climatéricas extremas, um ataque de coração ditatorial, um presidente dos Estados Unidos comediante, uma massa de reformados que ditará a queda da segurança social e moedas virtuais capazes de derrubar bancos.

E será isto tudo possível? A Bloomberg deixa claro que estes cenários não são previsões mas sim “ideias provocantes, para nos deixar a pensar da velocidade à qual o nosso mundo está a mudar”. É agora que pode respirar de alívio.

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