O Estado tem de assumir um papel forte na formação dos artistas, afirma Álvaro Covões, que gere a Everything is New. O investimento deveria ser o mesmo que foi feito no futebol. Mas há mais a mudar.
Prevê fechar o ano de 2017 da Everything is New com um volume de negócios de 25 milhões, após ter atingido os 23 milhões em 2016. Álvaro Covões fala de futuro, mas também de “ilusionismo” para além do Orçamento. “O truque do ilusionista é pôr as pessoas a olhar para a mão esquerda, enquanto está a fazer o truque com a mão direita. E acho que, na cultura, usa-se muito o ilusionismo”, alerta. “Está toda a gente a olhar para o Orçamento, mas o problema principal não é aumentar o orçamento da cultura, é deixar de penalizar o acesso à cultura.” Entra aí a carga fiscal.
Entrevistado a poucos dias de entrar em vigor o novo Orçamento do Estado para a Cultura, Álvaro Covões, acionista e gestor da promotora de espetáculos Everything is New, deixa claro que as prioridades deste Governo estão desalinhadas com aquelas que são as do setor. Os problemas começam na fatia que irá ser entregue à pasta da cultura em 2018, mas estendem-se à carga fiscal e à incapacidade de atuação em áreas como a formação de novos artistas.
Está toda a gente a olhar para o Orçamento, mas o problema principal não é aumentar o orçamento da cultura, é deixar de penalizar o acesso à cultura.
Em conversa com o ECO, o empresário não poupa críticas. “O Orçamento para a Cultura é uma vergonha porque quando se está a discutir 1% está-se a ir contra a liberdade individual”, argumenta Covões, referindo-se à bandeira defendida por muitos, que quer que o Orçamento da Cultura perfaça 1% do total. “Nós sabemos que o acesso à cultura é um direito que está consignado na Constituição Portuguesa”.
“Entreguem a cultura aos privados”
Com os espetáculos ao vivo a serem taxados a 13% “como se fossem um luxo”, Álvaro Covões considera que é “inconstitucional” que os consumidores sejam penalizados com uma carga fiscal tão alta na altura de comprar um bilhete. Muito mais quando o país é governado por uma maioria de esquerda.
“Não deixa de ser curioso num país que é governado pela primeira vez por uma plataforma de esquerda se mantenha o IVA da cultura. Isto só vem dizer que esquerda e direita é tudo o faz de conta, porque uma política de esquerda obviamente é concentrada na cultura”, argumenta o promotor. A descida do IVA seria então uma “condição indispensável” ao desenvolvimento do setor cultural nacional.
A estatização do setor é também apontado como um obstáculo ao desenvolvimento. Para além de afirmar que muito do que a Everything is New consegue alcançar, maioritariamente no NOS Alive, se deve aos patrocinadores, o sucesso do seu negócio em comparação com os liderados por entidades estatais é usado por Álvaro Covões como argumento para uma tese simples.
"Não deixa de ser curioso num país que é governado pela primeira vez por uma plataforma de esquerda se mantenha o IVA da cultura. Isto só vem dizer que esquerda e direita é tudo o faz de conta, porque uma política de esquerda obviamente é concentrada na cultura.”
“O Estado está a falhar porque tem perdido público. Há cada vez menos público na ópera e no bailado e o público do teatro tem vindo a cair, embora haja uma pequena recuperação porque os privados retomaram a atividade na produção teatral”, enuncia o promotor. “Na música, que é uma atividade privada, os números dispararam.”
Por outro lado, na edição de 2018 do festival de Algés, serão mais de 20 os parceiros e patrocinadores privados que, segundo Covões “assumem um pouco a figura de ministério da Cultura”. E qual é a tese? “Deixem-se de coisas e entreguem a cultura aos privados”, defende.
A procura por espetáculos manteve-se mesmo com a crise
Ainda que, como aponta Álvaro Covões, a cultura não seja encarada pelo Governo como um bem ou serviço de primeira necessidade, o mesmo não acontece com a opinião dos portugueses. O diretor da Everything is New destaca a lealdade dos espetadores nacionais que, mesmo em tempo de crise, não deixaram de procurar os palcos. “Houve um grande grupo de pessoas que conseguiram incluir no cabaz básico de necessidades a frequência a espetáculos, pelo menos espetáculos ao vivo”, explica.
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As estatísticas mostram isso mesmo. Dados divulgados ainda este mês de dezembro pelo Instituto Nacional de Estatística apontam para um aumento de 13% nas vendas de bilhetes para sessões ao vivo, sendo que o tipo de espetáculo mais popular é o de pop/rock. Estes estilos musicais chamaram aos palcos nacionais três milhões de espetadores e receitas de bilheteira no valor de 45,4 milhões de euros, um aumento de 20 milhões face ao ano anterior.
"Se nós pensarmos que, em 2016, sob os efeitos da troika, ainda os funcionários públicos não recebiam os subsídios, ainda todos nós tínhamos de pagar a sobretaxa, os números eram assim, é muito interessante ver que os portugueses gastam cada vez mais dinheiro em cultura.”
“Se nós pensarmos que em 2016, sob os efeitos da troika, ainda os funcionários públicos não recebiam os subsídios, ainda todos nós tínhamos de pagar a sobretaxa, os números eram assim, é muito interessante ver que os portugueses gastam cada vez mais dinheiro em cultura”, aponta Álvaro Covões.
É também nos números do maior evento organizado pela Everything is New que se observa esta tendência. A edição passada do NOS Alive, no Passeio Marítimo de Algés, esgotou três meses antes de abrir portas, com 165 mil espetadores a aproveitar a melhor música que se faz por esta altura. Para a edição de 2018, com preços a irem dos 65 aos 124 euros, os portugueses esgotaram os bilhetes de um dos dias e o passe de três dias, mesmo antes de 2017 fechar, ou seja, quase meio ano antes do festival.
Ainda assim, o cenário não é perfeito. “A situação económica dos portugueses, apesar de os números estarem a ser simpáticos, está muito longe de um país normal da União Europeia do século XXI”, afirma o empresário. “Temos noção que, infelizmente, muitos portugueses não têm o poder de compra para ir a espetáculos, que não podem dar 35 euros por um bilhete”.
Formação no futebol versus formação nas artes
Para além da carga fiscal e da ausência de apoios estatais, Álvaro Covões aponta armas para as políticas de educação para as artes que foram seguidas pelos anteriores Governos e que o Executivo atual não irrompe. “Eu sou do tempo da contestação, em que tínhamos uma noção muito clara do papel da cultura na democracia”, relembra o empresário. “E a política em Portugal tem sido no sentido de limitar o acesso à cultura, enquanto as novas gerações estão mais alienadas.”
Depois morre o Zé Pedro e vão todos ao funeral. Mas não querem formar ‘Zé Pedros’, porque não se ensina. Então o que é que andamos a fazer? Andamos a fazer mal.
E quem fala de acesso à cultura fala também no ensino das artes. “Costumo dar o exemplo do futebol. Há 25 anos ou 30 anos a sociedade organizou-se e criou uma teia de formação a nível nacional, que permitia aos jogadores não pagar pela formação”, aponta. “E qual foi o resultado? Todos estes jogadores. Agora vamos à cultura. Pintores com carreira internacional? Nem um. Músicos clássicos mais novo? Nem um.”
“Depois morre o Zé Pedro e vão todos ao funeral. Mas não querem formar ‘Zé Pedros’, porque não se ensina”, aponta, em jeito de conclusão, o empresário. “Então o que é que andamos a fazer? Andamos a fazer mal.”
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Álvaro Covões: “Orçamento da Cultura é uma vergonha”. E se fizéssemos o mesmo que no futebol?
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