Advogados já têm o seu primeiro sindicato
Sindicato dos Advogados Portugueses (SAP) foi formalmente criado no dia 29 de janeiro para um mandato de três anos. Pretende reverter o "marasmo" da Ordem na defesa dos direitos da classe.
Os advogados já podem contar com o seu primeiro sindicato: o Sindicato dos Advogados Portugueses (SAP). Foi oficialmente registado no Boletim do Trabalho e do Emprego, na segunda-feira, dia 29 de janeiro.
O SAP tem como presidente da direção Fernando Brites, advogado há mais de 20 anos e que nas últimas eleições autárquicas foi candidato independente à autarquia de Benavente pelo CDS/PP. Brites admite que a solução tem vindo a ser pensada nos últimos quatro anos. Mas “agora é um momento especialmente sensível da advocacia em que somos verdadeiros escravos modernos e em que a Ordem dos Advogados não protege os interesses dos seus profissionais”, explica o próprio, em declarações ao ECO. “Estamos numa situação de total impasse em que a Ordem dos Advogados não faz nada de nada em representação dos interesses dos advogados”, acrescenta.
Já Guilherme de Figueiredo, o bastonário eleito em dezembro de 2016, sucedendo a Elina Fraga, prefere manifestar, “a seu tempo”, uma posição sobre o mais recente sindicato, o primeiro na história da advocacia portuguesa.
Mas a criação desta força sindical não é pacífica. E, como em quase tudo o que toca ao mundo jurídico, a doutrina diverge. “Para formar um sindicato é necessário uma escritura e que os estatutos não contrariem a lei e a Constituição da República Portuguesa. No caso português, terão de versar sobre trabalhadores com contrato de trabalho, isto é, com a designada subordinação jurídica”, explica, ao ECO, a advogada de Direito do Trabalho, Rita Garcia Pereira. “Um sindicato destina-se à defesa de trabalhadores por conta de outrem e tem como contrapeso as associações de empregadores, o que, no caso, não parece fazer muito sentido”.
A advocacia tem um estatuto próprio que não me parece que seja inteiramente compatível com o sentido útil de um sindicato. A demonstração do que acabo de referir surge nos próprios Estatutos do dito sindicato, a serem aplicáveis apenas a advogados com contratos de trabalho.
Fernando Brites corrobora, ao ECO, que só são, e só serão, membros do sindicato os advogados que “estejam sujeitos a um contrato de trabalho”. O que excluiu, automaticamente, os advogados que exerçam em prática societária. Apesar de não serem a maioria, certo é que um número expressivo de advogados portugueses não está sujeito a um contrato de trabalho.
“Penso que faz tanto sentido existir um sindicato de advogados como de qualquer outra profissão”, defende, por seu turno, Pedro Antunes, advogado coordenador do Departamento de Laboral da CCA Ontier. “No entanto, de acordo com os estatutos que foram publicados no Boletim do Trabalho e do Emprego no dia 29/01/2018, e que foram aprovados em 15/12/2017, o Sindicato dos Advogados Portugueses é uma associação constituída por todos os advogados e advogados estagiários em regime de subordinação jurídica e afins, com exclusão das sociedades de advogados”, frisa. O advogado defende ainda que este sindicato, que foi recentemente criado, “será no imediato para intervir numa eventual revisão ao regulamento do CPAS, defendendo o interesse específico dos advogados em regime de subordinação jurídica”.
Penso que o principal objetivo da criação deste sindicato, mais do que defender ou promover a dignificação e prestígio dos advogados, nesta altura, será representar e defender os interesses profissionais, económicos e sociais dos seus associados, participando na elaboração de diplomas legais que afetem diretamente os advogados.
Sofia Mateus, sócia do departamento de Laboral da CMS Rui Pena & Arnaut, não concorda com a criação de um sindicato. “Não faz sentido que os advogados tenham um sindicato. A Lei portuguesa restringe a criação de sindicatos a trabalhadores por conta de outrem. Ora, os advogados, por regra, não poderão ter contrato de trabalho – por forma a preservarem a sua independência e isenção”, explica a advogada ao ECO. “Existem alguns advogados (por exemplo, os designados “advogados de empresa”) com contrato de trabalho, mas não representam a maioria da profissão, mas, no limite, a admitir-se a existência de um sindicato terá de se circunscrever a advogados com contrato de trabalho. Concordo e advogo a defesa dos interesses dos advogados portugueses, desde que tal ocorra por forma a que as bases da advocacia, atividade de natureza independente, não sejam colocadas em causa no processo”, concluiu.
Concordo e advogo a defesa dos interesses dos advogados portugueses, desde que tal ocorra por forma a que as bases da advocacia, atividade de natureza independente, não sejam colocadas em causa no processo.
No passado, já existiram tentativas prévias de instituir sindicatos mas que nunca chegaram a vingar. “Presumo que a origem deste se possa explicar no facto de os advogados não se reverem na atual Ordem dos Advogados, ainda que me pareça que o caminho a percorrer não seja este”, defende Rita Garcia Pereira. Ainda na passada sexta-feira, cerca de três mil profissionais manifestaram-se à porta da Ordem dos Advogados e da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores. Em causa a insatisfação perante os aumentos graduais das contribuições à Caixa de Previdência, de forma a garantirem uma reforma no futuro.
O advogado Pedro Antunes diz ainda que “o principal objetivo da criação deste sindicato mais do que defender ou promover a dignificação e prestígio dos advogados, nesta altura será representar e defender os interesses profissionais, económicos e sociais dos seus associados, participando na elaboração de diplomas legais que afetem diretamente os advogado”.
Fernando Brites defende ainda que muitos advogados portugueses estão numa situação de “pagar para trabalhar” e de “total desespero” e que não sabem o que a OA pode fazer por eles. Apenas sabem que “têm de pagar uma quota no final do ano”.
O novo líder sindical tem ainda uma “particularidade” no currículo de mais de 20 anos de advocacia. Em 2010, a Ordem dos Advogados — na altura liderada por António Marinho e Pinto — suspendeu preventivamente Fernando Brites, por alegada procuradoria ilícita já que o advogado era o dono da empresa de cobranças coercivas “Os Senhores do Fraque”. “A atividade em causa [cobranças difíceis] é, de todo, incompatível com a profissão de advogado”, revelou ao ECO fonte envolvida nessa decisão disciplinar, da altura já que “o advogado não pode cobrar quaisquer dívidas. Para isso há solicitadores de execução”. Fernando Brites é ainda pós-graduado em Direito Administrativo e em Direito da Comunicação.
Muitos advogados estão numa situação de total desespero, em que pagam para trabalhar e só sabem o que esperar da Ordem dos Advogados no que toca ao pagamento da quotas.
No resto do corpo diretivo — eleitos a 15 de dezembro para um mandato de três anos — estão ainda Maria Paula Gouveia Andrade, Sandra Quintino e Patrícia Ling.
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