Primeiro laboratório aberto d'A Padaria Portuguesa é uma montra de experiências ao vivo mas, sobretudo, uma loja-rampa de qualidade para a marca. Se tiverem sucesso, os produtos serão escalados.
Os clientes sentam-se encostados à parede, de frente para os vidros altos que servem de separação entre a loja e o “laboratório”. As mesas, brancas, não contrastam com o chão, branco, nem com as paredes, brancas, nem com os candeeiros, as fardas, os sacos de tecido, as cadeiras. Tudo branco.
“Queria uma loja marcadamente intemporal. O briefing foi no sentido de fazer uma coisa altamente laboratorial e acho que é o que temos à vista. Tivemos a preocupação de fazer tudo com o máximo de matérias-primas portuguesas, materiais que sejam da nossa história e referências — mármore lioz, os fardamentos. É uma marca feita do zero”, descreve Nuno Carvalho, CEO d’A Padaria Portuguesa.
A loja da marca LAB, feita from the scratch como se diz nas startups, abriu esta semana ao público, e ocupa o número 39 da Avenida da República. O que, para uma empresa que montou antes 58 lojas seguindo o mesmo desenho, pode ser um desafio.
“Temos já dentro de casa, há muitos anos, esta vontade e uma equipa dedicada ao desenvolvimento do produto e inovação. Queremos permanentemente surpreender o mercado em todos os níveis, porque é o nosso ADN e o que temos feito ao longo destes sete anos, de forma progressiva (…) Nesta loja, queríamos que não fosse só uma mudança de hardware mas que fosse também a do software. Queríamos que a loja tivesse uma oferta diferente para além da aparência”, explica Nuno.
Por isso, no LAB, os tubos de ensaio estão à vista dos clientes, transformados em farinhas 100%, receitas artesanais, experiências reais. O laboratório de cozinha, padaria e pastelaria é isso mesmo: três bancadas com espaço para experimentar, testar, falhar, melhorar e voltar a tentar.
Sentir para ver
Com uma equipa que já ultrapassa os 1.300 colaboradores, apenas cerca de 20 sabiam da novidade e estiveram envolvidos no processo de criação da nova loja. A ideia surgiu numa reunião-piquenique, no Jardim da Estrela, em Lisboa, em maio do ano passado. Nesse dia, Nuno reuniu alguns membros de equipas diferentes para pensarem num conceito novo. Nesse dia, conta, saíram ideias de todos os tipos.
“Havia muitas ideias: uma biblioteca, uma florista dentro da loja. Acabámos por focar-nos na natureza do pão e noutros produtos que fazemos. Surgiu esta ideia do laboratório, de fazermos uma coisa muito de ensaio, uma experiência marcadamente para o cliente — já tínhamos um pequeno ateliê, uma espécie de réplica da fábrica, mas estava meio escondido. Aqui é ao vivo. A equipa da qualidade está aqui live, todos os dias, para falar com clientes, receber feedback. E vai ser um work in progress permanente”, detalha.
Achámos que devíamos dedicar-nos a um tema que tem sido uma aposta interna nos últimos anos: a questão do pão.
À ideia de laboratório, juntou-se a metodologia que A Padaria já usa desde o dia um, altura em que não previa os já 40.000 clientes que todos os dias visitam as lojas. “Temos feito muitas viagens ao longo dos últimos anos. Eu viajo muito, e tenho passado essa perspetiva de conhecer o mundo para as equipas, e temos mesmo um orçamento para viagens. Portanto, muitas dessas ideias vêm das viagens. Uma das coisas que pensámos foi em alargar categorias e fazer uma espécie de Eataly à portuguesa. Acabou por ser o caminho impossível. Havia ideias muito diferentes, há sempre um grande confronto. Desistimos disso e achámos que devíamos dedicar-nos a um tema que tem sido uma aposta interna nos últimos anos: a questão do pão”.
Carlos Pina, diretor de qualidade, é o enviado especial dos “olheiros”: é a ele que Nuno ou qualquer membro da equipa recorrem quando veem — ou melhor, provam — algo que lhes chama a atenção. No ano passado, por exemplo, A Padaria lançou uma sanduíche de caranguejo de casca mole. Nuno conta que, em visita a um dos melhores amigos, em Madrid, e no regresso a casa à noite, pararam “naquele sítio” onde Nuno provou uma sandes parecida. No dia seguinte, Carlos ia a caminho para perceber o que era. “Pouco tempo depois, acabámos por lançar a nossa”, recorda.
Dias antes da inauguração, Nuno juntou chefes de equipa — cerca de 200 pessoas — que foram vendadas e metidas na LAB, às escuras. Nos balcões das experiências, sons de searas, cereais ao toque e cheiro a pão acabado de tirar do forno. Foi depois da experiência sensorial que Nuno permitiu a saída das vendas de cima dos olhos para dar a conhecer, em primeira mão, o novo conceito d’A Padaria.
De Samora Correia ao LAB
Mas, como se chega ao LAB? Carlos Pina, diretor de qualidade, explica. “Começámos esta parte mais criativa na primeira fábrica, em Samora Correia, porque a empresa sempre teve lançamentos novos. Desde há sete anos que estamos na Padaria e vão surgindo desafios: sempre que são muito concretos temos de ir atrás deles. Agora, fora isso, estão sempre muito alerta. Tem sido um trabalho construído e nunca deixamos de pensar nesse assunto”, conta.
E isso, em viagem a Paris ou a Londres — as mais recorrentes — inclui, “Claro”, tomar “dez pequenos-almoços” por dia para experimentar tudo. “Se nos fica um pormenor na memória, procuramos inspirar-nos nele. Para mim, o melhor do meu trabalho de desenvolvimento é experimentar estas coisas todas e, um dia mais tarde, conseguir aplicá-las à minha realidade, que é A Padaria Portuguesa. Não podemos esquecer a portugalidade da nossa marca mas queremos ser uma pedra no charco com determinados ingredientes”, explica Carlos Pina sobre o projeto que permite, pela primeira vez, que o chef padeiro ou o diretor de produção estejam cara a cara com os clientes e, ainda assim, na loja.
"A nossa criatividade também está muito à prova nisto: esta loja serve para criar produtos e testá-los imediatamente. São bem aceites? Muito bem. Passam para as outras lojas, que esta empresa não para. Não são bem aceites? Não há problema nenhum, temos mais surpresas a surgir.”
“Neste momento, a reação dos clientes é muito imediata. É normal, está a acontecer tudo aqui. Esta loja vem permitir este contacto muito direto e muito rápido com os clientes. E a nossa criatividade também está muito à prova nisto: esta loja serve para criar produtos e testá-los imediatamente. São bem aceites? Muito bem. Passam para as outras lojas, que esta empresa não para. Não são bem aceites? Não há problema nenhum, temos mais surpresas a surgir”, diz Carlos.
Os padeiros são as novas rockstars?
Quando Nuno Carvalho decidiu criar a marca A Padaria Portuguesa, a primeira pessoa que contratou foi um padeiro, Paulo Cardoso que, na altura, era chef de pastelaria no hotel Sheraton, em Lisboa. Foi ele que, seis ou sete meses antes da abertura da primeira loja, foi criando e amassando as massas de produtos como o Pão de Deus, croissants e de todo o pão que a Padaria produzia industrialmente até agora.
É também nas mãos de Paulo que estão agora as cinco novidades d’A Padaria. Apenas à venda na loja LAB — pelo menos por enquanto — o salto de qualidade da rede portuguesa aplica-se na prática, a cinco novos pães feitos artesanalmente.
“Não conseguimos fazer tudo de uma vez, para já temos este pão artesanal que estamos a fazer, de cinco tipos: 100% trigo, 100% centeio, mistura (trigo e centeio), espelta com sementes e uma broa de milho”, explica Carlos. Todos os novos pães são feitos com “farinhas de moleiro moídas em pedra e levedações longas, de 24 horas. O resultado é este: o Paulo está a fazer mais massa mas aquele pão só sai amanhã. Este [na loja no momento da reportagem] foi preparado ontem”, assinala.
Na agenda para o lançamento de novas categorias e novos produtos, outubro já tem marcações. Mas o LAB também vai contar muito com a espontaneidade dos chefs. “Esta é a ideia do LAB: queremos ter aqui a rampa de qualidade para a marca como um todo, para o resto da cadeia, implementando tendências que, de acordo com a nossa opinião, são difíceis de implementar assim à partida no mass market. Queremos testar produtos e categorias que depois, a correrem bem, lançaremos para as outras lojas”, justifica Nuno Carvalho.
“A missão da marca A Padaria Portuguesa é democratizar, em Portugal, tendências alimentares do mundo. Por isso, fazemos essas viagens por muitos mercados. Tenho vivido uma experiência muito gratificante porque esta nova geração de padeiros não são padeiros de base — tinham outras profissões — e acabam por ficar muito apaixonados pelo pão. O movimento que os chefs de cozinha fizeram há 20 anos, está agora a ser feito pelos padeiros mas com uma diferença significativa: não há competição, não há fight. Há uma abertura muito grande”, conta.
Com esta nova loja, sobe para 59 o número de lojas da rede d’A Padaria Portuguesa. Na LAB, 60% da oferta é nova e alavancada no pão artesanal e numa nova gama de saladas, assim como noutra novidade: pela primeira vez, ao sábado e ao domingo entre as 10h e as 16h, uma loja d’A Padaria Portuguesa vai ter brunch. No entanto, Nuno Carvalho diz que o maior investimento da loja na Avenida da República “é estratégico para a marca”.
“Não queremos falar de números mas esta loja é uma mudança, um ponto de viragem para elevar a qualidade da nossa marca. Há muitas vezes, na construção de uma cadeia de lojas e à medida que aparecem mais, vais construindo e perde-se um bocado o encanto. Mas a qualidade nunca deixou de aparecer, de estar, de ser uma dedicação diária das nossas equipas. E que envolve, transversalmente, a empresa toda.”
Mudámos a nossa orientação: mais do que abrir 12, 14 lojas por ano, queremos elevar garantidamente o patamar de qualidade da marca. (…) queremos fazer na expansão um trabalho de mais qualidade: localizações muito boas que nos permitem acrescentar valor àquela vizinhança.
Sobre novas aberturas, Nuno Carvalho diz ainda: “Mudámos a nossa orientação: mais do que abrir 12, 14 lojas por ano, queremos elevar garantidamente o patamar de qualidade da marca. Vamos continuar a abrir, acreditamos que há espaço em Lisboa para abrir mais lojas, mas queremos fazer na expansão um trabalho de mais qualidade: localizações muito boas que nos permitem acrescentar valor àquela vizinhança”.
Academia da Padaria? Sim, ainda este ano
Além da LAB, A Padaria Portuguesa tem mais uma novidade a pôr em prática, ainda este ano: uma academia de formação. Ainda que o projeto esteja, por enquanto, pouco estruturado, a ideia é que esta ‘escola’ assente num conceito ‘macro’, explica Nuno. “Pode estar materializada numa loja, assumidamente para o cliente, mas os contornos ainda não estão definidos. A Academia está na área comportamental, de liderança, como em áreas tão simples como tirar um expresso”, explica. A ideia é essa: agir, tanto ao nível de formação mais comportamental, de liderança, com técnica. “Fazemos todos os dias o pão na loja e é preciso respeitar o processo de fermentação e cozedura. O negócio tem grande rotação, e temos de fazemos evoluir as pessoas, e o conhecimento tem de ser difundido, para continuarmos a expansão”, conclui Nuno.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
No LAB, o primeiro laboratório aberto d’A Padaria Portuguesa, é tudo uma “questão de pão”
{{ noCommentsLabel }}