PS quer resgatar casas devolutas para colocar no arrendamento
Na proposta da Lei de Bases da Habitação, os socialistas defendem que o Estado possa "requisitar temporariamente" casas que estejam devolutas e colocá-las em "efetivo uso habitacional".
O Partido Socialista já apresentou a proposta para a criação de uma Lei de Bases da Habitação, o único dos direitos sociais previstos na Constituição da República que ainda não tem uma lei de bases. O documento, cuja elaboração já tinha sido anunciada no ano passado, contou com a coordenação da deputada Helena Roseta e prevê, entre outras medidas, que o Estado possa “requisitar temporariamente” casas que estejam devolutas, para colocá-las no mercado da habitação. Na prática, o Estado retira a casa desocupada ao proprietário por um período determinado, reabilita-a e paga ao proprietário uma compensação, durante esse período, pelo uso do imóvel.
O objetivo primeiro do projeto de lei é “garantir a todos os acesso efetivo a uma habitação condigna”, definindo, para isso, políticas públicas de habitação, que promovam tanto o acesso ao arrendamento como à casa própria. “Com vista a assegurar o exercício efetivo do direito à habitação, o Estado deve tomar as medidas adequadas, que se destinem a favorecer o acesso à habitação de nível suficiente, a prevenir e reduzir a situação de pessoa sem-abrigo, com vista à sua progressiva eliminação, e a tornar o preço da habitação acessível às pessoas que não disponham de recursos suficientes”, pode ler-se no documento.
Desde logo, a proposta defende que os proprietários de um imóvel ou fração habitacional devem “fazer uso do seu bem de forma a que o exercício do direito de propriedade contribua para o interesse geral”. Sem prejuízo do direito à propriedade privada, estes proprietários deverão “participar, de acordo com a lei, na prossecução do objetivo nacional de garantir a todos, para si e para as suas famílias, o direito a uma habitação condigna”.
Nesse âmbito, é reforçado o incentivo a que os proprietários não deixem as casas desocupadas ou degradadas. Atualmente, as autarquias já podem triplicar o IMI sobre os imóveis devolutos. Este documento propõe agora que, para além disso, as casas devolutas possam ser temporariamente retiradas aos proprietários, em troca de uma compensação financeira.
“As habitações que se encontrem injustificadamente devolutas ou abandonadas incorrem em penalizações definidas por lei, nomeadamente fiscais e/ou contraordenacionais, e podem ser requisitadas temporariamente, mediante indemnização, pelo Estado, pelas regiões autónomas ou por autarquias locais, nos termos e pelos prazos que a lei determinar, a fim de serem colocadas em efetivo uso habitacional, mantendo-se no decurso da requisição a titularidade privada da propriedade”, refere o documento.
Serão considerados imóveis em situação de disponibilidade aqueles que se encontrem sem utilização por um período não inferior a três anos consecutivos e para os quais não exista um “projeto concreto de ocupação a executar no prazo máximo de um ano”.
Esta possibilidade já está, na verdade prevista na Constituição da República e no Código das Expropriações, mas tem um alcance limitado. “A requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efetuadas com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização”, pode ler-se no Artigo 62.º da Constituição. Já o Código das Expropriações refere que “os bens imóveis e os direitos a eles inerentes podem ser expropriados por causa de utilidade pública compreendida nas atribuições, fins ou objeto da entidade expropriante, mediante o pagamento contemporâneo de uma justa indemnização”.
Helena Roseta acredita que, ao mesmo tempo que serve de desincentivo a que os proprietários deixem que a casa fique devoluta, este poderá ser um mecanismo “muito útil” para esses proprietários. “A pessoa não perde a propriedade, que é requisitada por um determinado prazo, recebe uma indemnização, que pode ser uma renda, e, quando acaba a requisição, volta a ter a propriedade. Pode ser um alívio para quem, por exemplo, não tenha dinheiro para arranjar a casa“, diz ao ECO.
Os últimos dados dos Instituto Nacional de Estatística (INE), relativos aos censos de 2011, mostram que Portugal tinha, nessa altura, um total de 837.807 edifícios, dos quais 4,41% tinham necessidade de grandes reparações ou estavam muito degradados. O cenário agrava-se nas grandes cidades: em Lisboa, mais de 7% dos 52.696 edifícios estavam degradados nesse ano; no Porto, 6,9% dos 44.324 edifícios estavam nessa situação. O número de alojamentos desocupados também é significativo. Em 2011, mais de 12% dos alojamentos familiares clássicos em Portugal estavam vagos, uma proporção que subia para 15,55% em Lisboa e para quase um quinto (18,82%) no Porto.
Um Conselho Nacional da Habitação, fixação de renda e construção a custos controlados
O projeto apresentado esta tarde propõe vários outros instrumentos para a promoção de políticas de habitação. Um deles é a criação de um Conselho Nacional de Habitação, presidido pelo ministro responsável pela área da habitação e com três competências: emitir pareceres sobre a proposta de Estratégia Nacional da Habitação e sobre o Relatório Anual da Habitação; propor medidas legislativas à habitação; e apresentar propostas e sugestões ao Governo.
No âmbito do acesso ao arrendamento, o PS defende a “promoção de um sistema de renda compatível com o rendimento familiar”, que “implica a existência de regimes de fixação de valores de renda mais favoráveis do que aqueles que resultem da livre negociação entre as partes no mercado privado, sem prejuízo de esta se poder desenvolver livremente nos casos em que outra solução não esteja legalmente estabelecida”.
O Estado deverá assegurar, “pelo menos”, três modalidades de regimes especiais de fixação de valor da renda:
- Renda apoiada, incluindo a renda social, em que o valor da renda é fixado em função do rendimento do agregado familiar;
- Renda condicionada, em que o valor da renda não pode exceder um limite fixado na lei, calculado em função do valor patrimonial tributário do imóvel à da celebração do arrendamento ou da sua renovação;
- Renda acessível ou limitada, em que o valor da renda é fixado dentro de um intervalo de valores que correspondam, consoante as tipologias, a uma taxa de esforço significativamente inferior a 40% do rendimento disponível dos agregados familiares.
Já para a defesa do acesso à casa própria, o PS propõe, entre outras medidas, a “promoção de construção nova ou de reabilitação a custos controlados“. A construção ou reabilitação a custos controlados que receba apoios públicos “pode implicar, para o fogo em questão, e a título perpétuo, a fixação de um preço máximo respeitante à transmissão de direitos reais relativos ao mesmo, indexado à inflação”.
Orçamento para habitação deve ser igual à média europeia
Nesta proposta de Lei de Bases da Habitação, o PS defende ainda um aumento do orçamento destinado à habitação, para que fique, pelo menos, igual ao que é praticado, em média, na União Europeia. “O Estado promove o aumento progressivo das dotações públicas nacionais destinadas à habitação até níveis iguais ou superiores à média dos países da União Europeia”, pode ler-se.
Isto significa, segundo os últimos dados do Eurostat, relativos a 2016, que o Governo teria de elevar o orçamento destinado à habitação para 0,6% do PIB. Em 2016, o Estado português terá destinado 995 milhões de euros para financiar a área da habitação, o equivalente a 0,5% do PIB nacional. É uma proporção que fica muito atrás de países como a Bélgica, França ou Chipre, todos eles com orçamentos para a habitação superiores a 1% do PIB.
A proposta foi entregue esta quinta-feira ao Parlamento e ainda levará vários meses até ser discutida. Antes disso, antecipa Helena Roseta, deverão entrar em discussão as várias propostas já apresentadas para alterar a atual lei do arrendamento urbano, bem como os vários projetos criados pelo Governo no âmbito da Nova Geração de Políticas de Habitação. Carlos César, líder parlamentar do PS, abre a porta a que esta proposta seja alvo de alterações. “Este é um documento trabalhado com muito rigor, mas não só não pretende ser uma proposta portadora de certezas, como, certamente, pode e deve ser alterado e melhorado com a contribuição de todos os partidos com assento parlamentar”, disse o socialista, em conferência de imprensa.
Notícia atualizada pela última vez às 17h47 com mais informação.
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