A chegar ao fim do mandato, Francisco de Lacerda faz o balanço dos últimos anos na presidência da COTEC. O número de associados manteve-se, mas a estabilidade financeira da associação melhorou.
Francisco de Lacerda está de saída da presidência da COTEC. E é já no próximo dia 22 de maio que o também presidente executivo dos CTT deixará o cargo na associação. Será substituído por Isabel Furtado, líder da TMG Automotive, mas vai continuar na direção, como ditam os costumes da instituição.
Em entrevista ao ECO, a poucos dias da assembleia-geral e do Encontro Nacional de Inovação, que se realiza este ano em Évora, o gestor português faz o balanço dos três anos de mandato e explica qual é o estado da inovação em Portugal. E como estava quando o encontrou.
Está agora a terminar o mandato. Pedia-lhe um balanço dos últimos três anos do estado da inovação em Portugal. Como evoluiu? Em que ponto está agora? Em que ponto é que o encontrou quando assumiu a presidência da associação?
Portugal, desde há uns anos para cá, começou uma recuperação económica forte feita em termos em que hoje podemos dizer que temos uma economia mais competitiva e mais inovadora do que tínhamos. E não me estou a focar a três anos, mas também do que tínhamos mesmo há 15 anos, quando a COTEC foi fundada. Considero que a COTEC deu um contributo relevante ao longo de todos estes anos, desde uma altura em que não havia a própria noção de que a inovação era importante para o crescimento com valor acrescentado. Não era universalmente aceite. Hoje, ninguém tem dúvidas sobre isso, de quem anda no mundo das empresas.
É uma conquista as empresas estarem hoje mais conscientes de que a inovação é importante?
A COTEC teve um papel muito significativo e muito importante nisso mesmo. Vemos empresas inovadoras e empresas competitivas em variadíssimos setores e alguns setores são aquilo que se chamava, noutro tempo, indústrias tradicionais mas que, de tradicionais têm muito pouco. Só tinham de tradicional no sentido de serem aquelas onde Portugal, há muitas décadas, tem uma especialização — porque, de resto, são indústrias modernas, competitivas, que competem pelo mundo fora ao nível dos melhores.
Está a falar dos CTT? É uma empresa de um setor mais tradicional que está agora “a dar cartas” de uma outra forma.
Sim, embora não seja bem o caso a que estava aqui a referir. Mas pode-se usar esse exemplo como um caso de modernização daquilo que se faz dentro do mercado, não num sentido de internacionalização como estava a referir.
Que temas estiveram sob reflexão durante o seu mandato?
Começámos pela economia circular. Todo o tema à volta da Indústria 4.0. O trabalhar em rede com os sistemas cada vez mais interligados e as consequências de riscos que isso traz. Também todo o tema da cibersegurança, a aproximação da universidade à rede empresarial, influência nas políticas públicas que fossem de encontro às prioridades definidas, prioridades essas definidas por uma proximidade grande e crescente com os associados e um esforço grande de permanentemente reforçar a proximidade aos associados. Houve uma revisão num sentido de maior abrangência internacional de um instrumento muito importante na COTEC já há bastante tempo, que é o scoring de inovação. Porque esse instrumento permite às empresas autoavaliarem-se sobre como é que estão no processo de inovação e com isso criarem para elas próprias metodologias e disciplinas de melhoria da sua situação. A realidade dos últimos anos é que houve um reconhecimento, por parte de alguns dos principais bancos portugueses, de que as empresas inovadoras têm um risco diferente das empresas que não inovam.
Em que sentido?
Não estamos a falar do mundo das startups, que é um mundo à parte para este efeito. Mas empresas estabelecidas, que têm as suas atividades, aquelas que têm uma capacidade de inovação mais elevada…
… o risco é menor?
O risco é menor embora, se for uma inovação completamente disruptiva, estamos a falar de outra coisa. Agora, empresas estabelecidas que se desenvolvem sempre permanentemente preocupadas e a conseguir fazer coisas no tema da inovação têm mais futuro nos mercados onde atuam.
Ou seja, para efeitos de atribuição de crédito, financiamento.
Há alguns bancos que incorporam o indicador da inovação nos seus modelos de risco. Não será o fator principal, mas é incorporado e isso é mais uma demonstração da vantagem de haver instrumentos deste tipo, como o Innovation Scoring.
Concretamente sobre a associação, como era a COTEC que encontrou em 2015 e que COTEC deixa para Isabel Furtado?
O que vejo hoje parte muito da questão da proximidade. Penso que fomos capazes de reforçar a proximidade aos associados e, a partir daí, em conjunto, identificar os temas relevantes, trabalhar nas políticas públicas, reforçar a ponte com quem, no fim do dia, define as políticas públicas, que a nível nacional é o Governo e a nível internacional é a Comissão Europeia. E este aspeto da internacionalização também tem estado a ser reforçado.
E a própria relação com as outras duas COTEC [Espanha e Itália].
Com as outras COTEC por um lado, e isso é muito importante, mas também mesmo a nível dos organismos de Bruxelas, da Comissão Europeia e do que os circunda. Porque, de facto, isso permite estar próximo de onde são definidas essas políticas e trazer esses ensinamentos para o tecido empresarial em Portugal, levar as experiências para os processos de reflexão que depois se traduzem nas decisões que venham a ser tomadas. Neste período, também assumimos a responsabilidade da monitorização de todo o programa da Indústria 4.0, que é um assunto estrutural e bastante importante na economia. Foram publicados alguns relatórios — destaco o do crescimento e inovação. No fundo, a demonstração de que as empresa inovadoras crescem mais e mais depressa do que empresas com menos graus de inovação. Mais uma vez, demonstrámos empiricamente a vantagem da inovação para o sucesso das empresas e para o seu desenvolvimento. E o sucesso de uma economia é feito do sucesso das suas empresas. Tivemos também a boa notícia de a COTEC, durante este período, ter sido reconhecida como entidade de utilidade pública, o que, mais uma vez, é uma demonstração da forma como é vista e do prestígio que ao longo de toda a sua vida foi granjeando. Fizemos tudo isto com uma associação que se baseia nos seus associados, que são empresas. Nas quotas que os seus associados pagam e que, com isso, financiam a atividade da associação.
Hoje a COTEC tem mais associados do que tinha em 2015?
Tem um número semelhante, mas com uma evolução positiva em termos de sustentabilidade financeira.
Está mais ativa hoje do que estava em 2015?
Cada ciclo tem os seus aspetos e a sua avaliação e acho que não faz muito sentido estar aqui a comparar com ciclos anteriores. Neste ciclo, a COTEC foi bastante produtiva e está numa fase positiva.
Está a cumprir com os propósitos para os quais foi criada?
Sim, e o princípio de qualquer mandato, desta direção ou de qualquer outra, na COTEC ou em qualquer organização, deve pautar-se por pensar no que se vai fazer, definir as metas e depois executá-las. Penso que aquilo que resultou da reflexão estratégica que fizemos ao princípio — e depois foi aprovada em conjunto com os associados nos primeiros trimestres deste mandato — foi levado a cabo nas suas grandes linhas e com muitas iniciativas para concretizar aquilo que foi definido.
Vai continuar ligado à COTEC daqui para a frente?
Há uma tradição, já de alguns mandatos, em que o presidente que sai fica na direção. A futura presidente convidou-me para ficar na direção e é com muito gosto que mantenho essa tradição viva e portanto ficarei na direção.
A COTEC está a mudar, na sua presidência, de um gestor para uma empresária. Que fator diferenciador é que Isabel Furtado pode trazer à COTEC?
É uma empresária, mas uma empresária que também é gestora. Olhando para o que tem sido a sua experiência, vemos uma contínua gestão e desenvolvimento nos últimos (já bastantes) anos da empresa que tem sob a sua responsabilidade [TMG Automotive]. Vamos para a sexta presidência e, nestes seis, incluindo a que agora começará, houve perfis mais de gestão, outros mais ligados ao mundo empresarial. No fundo, no fim do dia, o ponto fundamental é que haja a capacidade de mobilizar as energias dos associados, do mundo envolvente, dos poderes que tomam decisões, para ir ao encontro do que é a finalidade da COTEC desde o primeiro dia, que é a cooperação para a tecnologia. Daí vem o nome COTEC: cooperar para que a inovação tenha um papel sempre central e cada vez mais central na vida das empresas. Aí, creio que os perfis podem ser vários.
Concretamente, o que acha do perfil de Isabel Furtado?
Seguramente fará um bom mandato.
O facto de ser uma mulher vai trazer alguma diferença, até no contexto dos dias em que vivemos?
A diversidade e a complementaridade é um tema que hoje é dado como pacífico, que produz bons resultados. Creio que não devemos eleger isso ao ponto de ser a razão. Mas, o facto de haver diversidade e complementaridade de experiências, de capacidades, e no sentido de haver um presidente mulher, é sempre positivo e enriquecedor e é um dos aspetos relevantes desta transição.
Destes três anos, de todas as iniciativas que a COTEC teve, a nível pessoal, qual foi a que considera mais importante e teve mais impacto?
Claramente, aquela onde a COTEC está a atuar de uma forma mais transversal, mais abrangente e com uma capacidade de ser parte de uma componente mais relevante da economia, que é a plataforma Indústria 4.0.
Acredita que vai ser o tema em que a COTEC vai continuar a atuar?
A consequência é essa. Mas, dando uma explicação, a Indústria 4.0, ou a quarta revolução industrial, está aqui e está aqui para durar. Portanto, ela própria vai ter um papel central na evolução do tecido empresarial. A COTEC, sendo uma associação que quer — e tem — um papel central no tecido empresarial nas áreas da inovação e do desenvolvimento com valor acrescentado e tecnologia, liga-se muito bem ao tipo de preocupações fundamentais da Indústria 4.0. Portanto, é muito importante estar-se a coordenar essa plataforma.
De tudo aquilo que fez na COTEC, dos temas que tratou, dos documentos que teve de estudar para desenvolver as iniciativas, qual é a grande mais-valia que lhe trouxe a nível pessoal e profissional enquanto gestor?
Esta minha experiência na presidência da direção da COTEC foi muito enriquecedora. E foi muito enriquecedora porque trouxe uma proximidade, a mim, de uma realidade de PME [pequenas e médias empresas], de um tecido empresarial mais profundo, de um tecido empresarial inovador, de pessoas ligadas à inovação nas várias componentes, muito maior do que eu até agora tinha tido oportunidade de ter na minha experiência profissional. Portanto, é uma experiência muito enriquecedora e isso, claramente, é um resultado muito positivo que levo desta experiência.
O Encontro Nacional de Inovação acontece já no próximo dia 22 de maio. O que podemos esperar da edição deste ano?
O Encontro Nacional de Inovação é o nosso principal evento a nível nacional — o grande evento anual e um dos momentos-chave na comunicação da COTEC. Reúnem-se os líderes das associadas, opinion makers, decisores públicos e académicos, à volta de temas que são os que pensamos que devem ser debatidos em cada momento. Devem ser trazidos à agenda pública e, sobre eles, devemos tentar criar opinião e dinamizar o tema. Este ano, o tema tem a ver com excelência na indústria, aquilo que se chama de smart production. Vamos apresentar e discutir casos de sucesso de empresas nacionais e europeias. Temos também, como sempre, a entrega do prémio Produto Inovação da COTEC e marca o fim do mandato desta direção. Logo a seguir há assembleia-geral, onde elegeremos os órgãos sociais para a próxima ação. Além disso, no Encontro Nacional de Inovação, o Presidente da República dá-nos sempre a honra de estar presente na sessão de encerramento.
Vem na sequência da COTEC Europa, em que se falou da indústria 4.0?
Todos os temas estão ligados nesta fase, em que a Indústria 4.0 é o pano de fundo de todas estas questões. Na COTEC Europa, focámos especialmente sobre o Trabalho 4.0 — as consequências no trabalho, no emprego, na formação das pessoas, na necessidade de competências das pessoas –, que é um tema importantíssimo e foi um tema em que, claramente, houve um interesse muito forte, quer das três COTEC, quer dos três chefes de Estado, de o trazer para a agenda. O papel da COTEC é o de trazer os temas ao debate e de influenciar os caminhos a partir das conclusões desse debate e a partir, no fundo, de apontar caminhos para a busca de soluções para as questões que existem. Foi isso que fizemos.
Qual é a mensagem que a COTEC pretende passar com este evento de 22 de maio?
Em relação ao evento, a mudança que está a acontecer obriga a refazer a forma como as empresas prosseguem as suas atividades, no sentido mais amplo do termo. Mas isso não significa deixarem de ter os pontos de sucesso que as tornaram bem-sucedidas, ou melhorarem esses pontos de sucesso. Quer dizer que têm de dar passos, passos esses que vão no sentido de alinhar os seus processos com a estratégia de inovação, no sentido de ser algo que se traduz em atividade de negócio, que traz receita, que traz rentabilidade. Depois, não perder de vista o futuro. Obviamente que as empresas têm preocupações do dia-a-dia, mas há que ter bem claro quais são os caminhos, as tendências e o posicionamento que estamos a desenhar para as empresas nesse mesmo futuro. E isto implica dedicar recursos (humanos e materiais) e tempo a preparar o futuro. Não é só em cada momento maximizar a rentabilidade de curto prazo, mas é conseguir um bom balanço entre os vários horizontes. Na forma como a digitalização, ou a indústria 4.0, está a funcionar, cada vez mais as empresas se integram digitalmente em termos de redes.
Depois, nas empresas, há um conjunto grande de gerações, de faixas etárias, e que se está a alongar, com o aumento da esperança de vida, com as pessoas estarem ativas até mais tarde. Não é anormal, hoje em dia, haver cinco gerações a trabalhar ao mesmo tempo. Conseguir um bom equilíbrio dessas gerações é muito importante porque o mercado é composto por pessoas de todas essas gerações. E cada uma vê melhor aquilo que são as suas necessidades do que as necessidades de outros públicos-alvo. Portanto, conseguir trabalhar bem isso é outra das mensagens e das conclusões que retiramos desta reflexão.
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Francisco Lacerda: “Não havia noção de que a inovação era importante”
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