Nos diz que os compromissos da Altice para comprar a TVI são “uma ilusão”. Conheça os argumentos
A Nos enviou um documento ao Parlamento onde tenta desmontar os compromissos que a Altice propôs para desbloquear a compra da TVI. Altice acusa Miguel Almeida de divulgar informação confidencial.
Os oito compromissos da Altice para que a compra da Media Capital seja aprovada são “superficiais”, “genéricos” e “incompletos”. Criam também uma “ilusão” de que os riscos identificados pelas autoridades estão mesmo a ser mitigados, defende a operadora concorrente Nos, num documento a que o ECO teve acesso. Mais: para a empresa liderada por Miguel Almeida, muitas das preocupações evidenciadas pelo regulador da concorrência nem sequer são encaradas por esses compromissos.
Além disso, a Nos garante que um dos compromissos propostos pela Altice vai efetivamente permitir o bloqueio do acesso da concorrência à distribuição da TVI, aumentando “exponencialmente” o preço que as operadoras vão ter de pagar para garantir a sua distribuição e, desta forma, “tornando impossível o acesso ao mesmo”.
A Altice e a Nos têm estado num autêntico braço de ferro, com troca de acusações de parte a parte, numa altura em que a Autoridade da Concorrência (AdC) se encontra a efetuar diligências para decidir se dá luz verde à compra da dona da TVI pela dona da Meo. Já se sabia que a Nos está contra a realização do negócio, com o argumento de que esta fusão vai desvirtuar a concorrência nos setores das telecomunicações e media e com potencial impacto negativo na sociedade, na economia e “no bem-estar dos portugueses”.
O documento a que o ECO teve acesso é uma carta enviada aos deputados da Comissão de Economia, Inovação e Obras Públicas, no qual a Nos argumenta contra cada um dos oito remédios propostos pela Altice, de forma detalhada. É o mesmo documento que o presidente executivo da Altice Portugal, Alexandre Fonseca, criticou na audição parlamentar desta quarta-feira, quando acusou a Nos de ter vertido para o domínio público “um conjunto de informação que foi disponibilizada em sede própria fechada pela Altice à AdC”.
Contudo, a leitura da carta enviada aos deputados, assinada pelo gestor Miguel Almeida, lança mais alguma luz sobre o porquê de a Nos estar contra a aprovação do negócio da Altice e da Media Capital, mesmo com a imposição de garantias que permitam mitigar os tais riscos. É que, além de estar contra isso, Miguel Almeida vai um pouco mais além: assume, uma vez mais, que se a fusão das duas empresas avançar com a imposição de remédios, estes não só são ineficazes como agravam ainda mais os problemas já identificados.
Porque é que a Nos defende que os compromissos da Altice são ineficazes, ponto por ponto:
Estes são, em linhas gerais, os argumentos da Nos para recusar veemente uma aprovação do negócio com compromissos da dona da Meo.
- Compromisso de autonomizar os negócios de distribuição de canais e conteúdos, de publicidade e de TDT. É o primeiro compromisso da Altice, que a Nos considera ser “totalmente vazio de efeito prático”. Isto porque, segundo a Nos, não engloba o negócio da Plural nem dos portais Sapo e IOL. A Nos recorda que, em 2007, antes do spin off da PT Multimédia do grupo PT, havia um “alinhamento de interesses” entre a PT Multimédia e a PT Comunicações, “patente na ausência de concorrência entre si”. “Até então”, continua, eram “empresas autónomas em termos contabilísticos e funcionais, mas tinham uma gestão alinhada”, “não competiam entre si” e partilhavam a mesma estrutura acionista.
- Implementar a oferta regulada de acesso no que concerne ao canal aberto da TVI. Segundo a Nos, é um “compromisso incompleto”, desde logo porque deixa de fora os “demais canais atuais ou futuros”, nomeadamente a TVI24. Mas há mais: a Nos alerta que este remédio “introduz um conceito de custo do canal que faz aumentar exponencialmente o preço pago atualmente” pelas operadoras aos canais pela sua distribuição, “tornando impossível o acesso ao mesmo”.
- Não exclusividade dos canais e novos canais nas plataformas da Altice. “Este compromisso não sobrevive sequer à primeira leitura”, começa por dizer a Nos. Segundo a operadora liderada por Miguel Almeida, através dele “a Altice é livre de apresentar as condições que quiser e por essa via não fechar quaisquer contratos com as plataformas da Nos, Vodafone e Nowo”, pois não são estabelecidas quaisquer “regras sobre a disponibilização dos canais em condições não discriminatórias entre operadoras e face à própria Meo”.
- Não limitação dos serviços OTT. Para a Nos, este é um remédio “particularmente confuso” e “cuja redação assenta em conceitos indeterminados”. Em causa, o uso, pela Altice, de termos como “condições justas”, ou “razoáveis”, sem especificar que critérios definem o que é justo ou razoável. Serviços OTT são os chamados serviços over-the-top, isto é, funcionam de forma independente e online, mas assente nas redes das operadoras de telecomunicações. (A título de exemplo, o WhatsApp usa a internet fornecida pelas operadoras mas presta um serviço semelhante, que é o de permitir trocar mensagens entre pessoas).
- Acesso à plataforma de televisão por subscrição da Altice. O que está aqui em causa não é o bloqueio da TVI às plataformas concorrentes da Meo, mas sim o oposto: o eventual bloqueio do acesso de canais concorrentes da Media Capital (como a SIC) à plataforma da Meo. De acordo com a Nos, é um “compromisso incompleto, equívoco e opaco”, pois só engloba seis canais das “centenas de canais que são atualmente distribuídos, além de ignorar eventuais canais novos que possam vir a ser criados. A proposta da Altice vai também congelar “qualquer evolução contratual que possa ser necessária”, pois remete diretamente para as atuais condições. A Nos acusa esta proposta de “desfaçatez”.
- Disponibilização do espaço publicitário da Media Capital numa base não discriminatória. Esta é outra das grandes preocupações das operadoras concorrentes da Meo. Temem que a Altice, uma vez dona da Media Capital, crie entraves na promoção de campanhas dos concorrentes na televisão ou na rádio. Novamente, o problema para a Nos é o uso de termos como “condições justas e razoáveis”, algo subjetivo que, numa negociação, “raramente” ou “nunca” têm um significado “idêntico”. Outro problema é a Altice remeter para as condições comerciais standard quando este mercado costuma oferecer “elevados descontos que dependem de diferentes variáveis”.
- Evitar quaisquer risco de troca de informação concorrencialmente sensível. A Nos teme eventuais fluxos de informação confidencial e sensível que possam existir entre a Media Capital e a Meo, como é o caso de eventuais informações de campanhas publicitárias de concorrentes da Altice que possam estar na calha da TVI. Para a Nos, não há como controlar esses fluxos, pois “é impossível monitorar o contacto pessoal quer em ambiente profissional, quer particular, dos colaboradores das empresas e da troca de informação”.
- Acesso à TDT em condições de transparência de preços e numa base não discriminatória. Para a empresa de Miguel Almeida, é um remédio que “não acrescenta nada de verdadeiramente novo”, pois é algo que “já está previsto na legislação em vigor”. Além disso, não resolve o verdadeiro problema, na opinião da Nos, nomeadamente o risco de ser colocado um “travão” ao desenvolvimento da TDT, ou da introdução de condições de acesso menos transparentes.
- A Nos também aponta uma série de outros riscos que diz não terem sido, sequer, encarados pela Altice nas propostas enviadas à AdC. Entre eles está o risco de “aumento de uniformidade dos conteúdos disponíveis em Portugal”, a “lesão da autonomia e independência editorial” dos órgãos de comunicação social da Media Capital (a Nos acha mesmo que há risco de a Altice “instrumentalizar” meios de comunicação social como a TVI ou a rádio Comercial), ou mesmo o “enfraquecimento” dos restantes meios de comunicação através da redução das receitas resultante desta operação de concentração.
A resposta da Altice à posição da Nos: documento é “vazio” e não tem “fundamentação”
O presidente executivo da Altice Portugal, Alexandre Fonseca, encarou este documento na Assembleia da República (AR), numa sessão conjunta das comissões de economia e cultura, que decorreu esta quarta-feira de manhã. Sem mencionar o nome da Nos ou de Miguel Almeida, Alexandre Fonseca lamentou que a concorrência tenha trazido “a público informação que é de caráter confidencial”.
O gestor da Altice foi ainda mais longe, acusando indiretamente a Nos de “falta de cortesia e de ética”. Sobre a análise da Nos aos compromissos propostos ao regulador da concorrência, Alexandre Fonseca disse tratar-se de uma “análise tendenciosa” e “disponibilizada de forma ilegítima”. “É um documento que é vazio e que não tem qualquer tipo de fundamentação”, afirmou o gestor. “Parece-me, no mínimo, lamentável”, concluiu.
A Altice tem evitado entrar em detalhes acerca desta operação, recordando que este é um dossiê que deve ser tratado sempre no âmbito do processo que está a ser levado a cabo pela AdC. No próximo dia 14 de julho assinala-se um ano desde que a empresa anunciou o acordo com os espanhóis da Prisa para a compra da Media Capital por 440 milhões de euros. E, apesar de Alexandre Fonseca ter a “máxima convicção” de que o regulador vai aprovar a compra entretanto, o gestor admitiu que há o “limite da razoabilidade”.
Ou seja, este pode ser o prazo psicológico para que a empresa decida desistir da compra. Outro fator que pode fazer cair a operação poderá ser a imposição de remédios demasiado limitativos e que impeçam a Altice de levar a cabo a estratégia que motiva esta compra. Não esquecer ainda que a Vodafone já interpôs uma providência cautelar para tentar travar a operação, um processo que poderá criar atritos nas engrenagens deste dossiê.
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