Domingues já só tem uma saída, é a da porta

António Domingues não pediu a demissão da CGD. Ainda. As promessas por cumprir, a posição de Marcelo, do Tribunal Constitucional e de António Costa tornam a saída (quase) inevitável.

Mário Centeno convida António Domingues para presidente da CGD e acertou com o gestor as condições em que exerceria as suas funções, como a recapitalização do banco, os salários da administração e a dispensa de apresentação de declaração de rendimentos no Tribunal Constitucional; Marcelo Rebelo de Sousa informa o país, em nota oficial, que António Domingues tem de apresentar a declaração no TC, como manda uma lei de 1983, e o Tribunal Constitucional notifica António Domingues para entregar a – famosa – declaração. António Costa afirma que o presidente da CGD tem de cumprir a lei e que o mais importante está ‘feito’, leia-se a negociação com Bruxelas para recapitalizar a CGD.

Em quatro atos, entre março deste ano e passado sábado, está feita a curta história de um gestor independente que entrou no banco público com a imagem de líder, e quase o único capaz de dar um novo futuro à CGD, e que foi deixado à sua sorte, até pelos que o convidaram. A saída, de Domingues e de toda a equipa, é inevitável. Ou não?

Oficialmente, ninguém confirma a saída de António Domingues, mas oficiosamente são muitas as informações que, diariamente, apontam o pedido de demissão como inevitável. Na sexta-feira, os rumores sobre a demissão em bloco aumentaram, apareceram os planos B, mas foram desmentidos. Ainda assim, de acordo com diversos contactos feitos pelo ECO, é o que se espera. “A pior situação para a CGD e para o sistema financeiro não é a saída de Domingues, um grande gestor com provas dadas, é a manutenção deste impasse”, confidenciou ao ECO um administrador de um grande banco.

À medida que os dias passam, e a pressão aumenta, já ninguém esconde o incómodo com António Domingues, nem aqueles que aceitaram as suas condições, como o primeiro-ministro. Já o ministro das Finanças anda a fugir do assunto. Porquê? Porque assumiu formalmente no dia 25 de outubro que Domingues estava dispensado de apresentar a declaração de rendimentos. Sim, não é apenas António Domingues que está isolado, Centeno anda por lá perto.

Entre alguns dos mais próximos de António Domingues e os que o conhecem profissionalmente, há um consenso: o presidente da CGD não vai ficar com a equipa partida ao meio. Dito de outra forma, Domingues não vai aceitar ficar se algum dos que levou para a Caixa mantiverem a posição de não entrega da declaração de rendimentos no TC. Haverá, pelo menos, seis administradores de um conselho de 11 que não querem prestar essa informação ao TC. Há, recorde-se, dois administradores estrangeiros nesta equipa – os não-executivos Angel Corcóstegui e Herbert Walter -, e um executivo que veio de Angola, Emídio Pinheiro (ex-presidente do BFA).

António Domingues terá sido enganado pelo Governo, terá recebido promessas que, agora, não podem ser cumpridas. É isto que o presidente da CGD diz nos seus círculos mais próximos, e disse também ao presidente da República na reunião da semana passada, em Belém.

Será, talvez, por isso que António Costa mostra um crescente desagrado com a telenovela da CGD. Com Mário Centeno em silêncio – o que pensa o ministro da posição de António Domingues? -, o primeiro-ministro deixa cair aquele que era, há uns meses, um trunfo indispensável, para as negociações em Bruxelas e para consumo político interno. A afirmação de que o mais difícil está feito – a própria recapitalização, ou melhor, a negociação com Bruxelas para a sua concretização, no valor global de mais de cinco mil milhões de euros, dos quais mil milhões através da emissão de obrigações para investidores privados. O guia de marcha foi dado, será que António Domingues o ouviu?

Afinal, quais são as datas relevantes desta telenovela:

  1. No dia 19 de março, o ministro Mário Centeno convida António Domingues, vice-presidente do BPI, para presidente da CGD.
  2. No dia 18 de outubro, Mário Centeno revela, no Parlamento, o salário do novo presidente da CGD, cerca de 423 mil euros brutos por ano, mais prémios. E nada diz sobre a declaração de rendimentos a entregar ao Tribunal Constitucional. O ministro sublinha que a CGD tem de ter uma atuação equiparada à de um banco privado.
  3. No dia 23 de outubro, Marques Mendes diz no seu comentário semanal na SIC que António Domingues está dispensado da entrega da declaração de rendimentos e património no Tribunal Constitucional. E acrescenta que, seguramente, deveria ser um lapso.
  4. Afinal, não era. No dia 25 de outubro, Mário Centeno diz que não há qualquer lapso. O ministro escreve, sem margem para dúvidas, que “os corpos dirigentes da CGD têm que prestar contas ao acionista e aos órgãos de controlo interno” e “estão disponíveis para revelar essa informação ao acionista”, justificando assim a não obrigatoriedade de entrega de declaração de rendimentos dos gestores no Tribunal Constitucional.
  5. No dia 4 de novembro, o Presidente da República toma uma posição oficial e direta. Marcelo Rebelo de Sousa considera que António Domingues tem a obrigação de entregar a declaração de rendimentos e património ao Constitucional (TC). E sublinha que as alterações feitas ao Estatuto do Gestor Público não desobrigam a atual gestão do banco público de apresentar os documentos junto do TC.
  6. No dia 7 de novembro, o governo muda de posição. Já não é apenas António Domingues que fica com uma saída mais estreita, também Mário Centeno fica a falar sozinho. O secretário de Estado Pedro Nuno Santos diz ao DN que “aos gestores da CGD não se aplica o estatuto de gestor público, mas eles têm de apresentar a declaração de rendimentos porque a lei de 1983, aliás invocada pelo Presidente da República, diz isso mesmo e essa não foi alterada e, portanto, há um conjunto de outras matérias, nomeadamente do ponto de vista remuneratório que não se aplica”.
  7. No dia 9 de novembro, finalmente, o Tribunal Constitucional notifica António Domingues e a administração da CGD. A gestão do banco público tem agora 30 dias para apresentar os documentos. Caso não o faça, terá de o justificar.
  8. No dia 11 de novembro, Marcelo Rebelo de Sousa insiste na sua posição e recorda, a António Domingues, que “o TC decidiu [notificar a administração da CGD], está decidido”. E António Costa vai ainda mais longe. O primeiro-ministro diz que não é advogado dos administradores da CGD, afirma que todos têm de cumprir a lei, e mais: A principal tarefa da administração – a negociação com Bruxelas para a recapitalização do banco público – já está feita.

António Domingues não é apenas competente, embora sejam muitos os críticos que recordam as perdas pessoais que teve – 700 mil euros – com produtos derivados e também as perdas do BPI com dívida pública grega, o que obrigou a um pedido de ajuda ao Estado, entretanto pago. Também é determinado… ou teimoso, em função de quem se ouve. Domingues já percebeu que está sozinho, e que a sua imagem está afetada por esta polémica.

Reformado do BPI, Domingues aceitou a função de presidente da CGD, também porque, depois de ser um ‘número 2’ do BPI que estava destinado a ser presidente, acabou por não ter essa oportunidade com o previsível sucesso da OPA do CaixaBank. O desafio da recapitalização da CGD era impossível de recusar, sobretudo com as condições que pôs em cima da mesa e que foram aceites pelo Governo.

Os amigos de Domingues dizem, sob anonimato, que o presidente da CGD está a ser alvo de um linchamento público na sua competência e integridade. E responsabilizam diretamente o Governo pelo que está a suceder, apesar de o líder da oposição não ter sido, nas últimas semanas, propriamente um apoiante desta solução. Nem do salário de Domingues, menos ainda da dispensa de declaração de rendimentos. E à esquerda, o BE e o PCP também acenam com iniciativas parlamentares para corrigir as exceções permitidas pelo facto de Domingues não estar sob as regras do Estatuto do Gestor Público.

Agora, Domingues e a sua equipa tem 30 dias a contar a partir do 9 de novembro para entregarem a declaração ao TC, um tempo que pode ser usado para concluir uma parte do processo de recapitalização, nomeadamente a transformação de 900 milhões de euros de Cocos – capital contigente – em capital da CGD e a transferência da 500 milhões de capital da Parcaixa para o próprio banco público. A emissão de dívida privada – mil milhões de euros – essa já não seria feita em 2016 mesmo que não houvesse esta polémica, porque nenhum banco português foi ao mercado desde 2011 e não é em dois meses que isso seria possível. Neste contexto de incerteza, ainda mais, por isso a operação passa para 2017. Falta saber se a capitalização com dinheiro público do orçamento – até 2,7 mil milhões – será feita este ano ainda, como está prometida.

E a Comissão Europeia, poderá suscitar problemas em torno do plano de recapitalização se António Domingues sair? Ninguém subscreve esta tese, mas é evidente que o Governo precisa de ter uma alternativa credível. Daí os ditos planos B, que Costa rejeita existirem.

De resto, também internamente, o impasse em que está o conselho de administração da CGD tem efeitos negativos. Com uma gestão totalmente nova, e quase exclusivamente externa aos quadros do banco público, as tensões seriam sempre expectáveis. Até ‘pormenores’ como as mudanças de gabinete da administração, tradicionalmente no quinto andar na sede do banco, na João XXI, agora espalhada pelas várias direções em função das respetivas áreas de responsabilidade. E como é fácil perceber, essas mudanças estão a gerar reações. A posição de fragilidade pública da equipa de Domingues agrava, claro, a sua autoridade interna.

Ora, neste clima de mal-estar e desconfiança, que já nem António Costa esconde, o presidente da CGD tem condições para exercer as suas funções até ao dia 9 de dezembro sem clarificar a sua posição? Dificilmente, respondem várias fontes. “O ambiente já está contaminado, já não é apenas uma questão jurídica, é uma questão política. E o Governo não pode continuar a esconder-se atrás do Presidente da República”, disse outra fonte do meio financeiro ao ECO. E faz uma pergunta: “qual vai ser a estratégia de provisões dos empréstimos em situação de malparado que a CGD vai seguir? Essa decisão, e o que a Deloitte fizer, vai impactar diretamente as contas de bancos como o BCP e o Novo Banco, porque há empréstimos comuns. Ora, isso, tem de ficar claro mais cedo do que tarde, porque tem implicações na atuação daqueles dois bancos, e nas suas necessidades de capital”.

A intervenção pública do Presidente da República nesta matéria tem sido crescente e terá diretamente a ver com a tentativa de proteção da estabilidade política do governo, num momento em que a proposta de orçamento do Estado está em discussão no Parlamento. A convicção em Belém é a de que uma intervenção direta do primeiro-ministro poderia expor (ainda mais) um ministro das Finanças que conseguiu negociar uma recapitalização da CGD e, agora, perde a mão por causa da declaração de rendimentos da gestão ao Tribunal Constitucional.

Os efeitos colaterais de uma demissão cada vez mais previsível da administração da CGD estão diretamente relacionados com a posição de Mário Centeno. Ainda ontem, um dos ‘responsáveis’ por esta polémica, Marques Mendes, dizia que Centeno não deverá sair porque não é fácil encontrar um ministro das Finanças para um governo com estas características, minoritário e com apoio do BE e do PCP. Mas depois de ser desmentido por colegas de Governo, que fica fragilizado, fica.

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