Digital extravia CTT. Cinco anos depois, vale menos um terço em bolsa
Com os lucros a caírem, os correios avançaram para a reestruturação, apostaram nas encomendas e na banca. O dividendo continua atrativo, mas será a execução do cortes de custos a determinar o futuro.
Os CTT comemoram cinco anos em bolsa. Na altura da entrada, o “potencial de valorização” e o “dividendo atrativo” levavam analistas e investidores a fazerem projeções otimistas. Com menos um terço da capitalização de mercado da estreia, a comemoração é ofuscada pelo choque de realidade gerado por dificuldades do caminho da digitalização, uma tentativa de lutar contra gigantes nos negócios das encomendas, mas também do financeiro, que tem feito cair os resultados da empresa.
“Quando o título foi para a bolsa, conheciam-se os riscos. O correio era um negócio que em termos estruturais estava a deteriorar-se, mas é sempre difícil determinar a que ritmo. Aconteceu mais depressa do que o mercado antecipava e levou a que a empresa fizesse vários profit warnings e a que os lucros caíssem. Foi o que aconteceu no negócio core”, explica Albino Oliveira, analista da Patris Corretora.
O Estado privatizou a operadora postal, em duas fases. Primeiro, com a colocação de 70% do capital em bolsa a 5 de dezembro de 2013. As ações foram vendidas ao montante máximo (5,52 euros) e a primeira sessão foi digna de estrelato: os títulos negociaram 6,9% acima do preço a que foram vendidas da oferta pública de venda (OPV). Em setembro de 2014, o Estado vendia a restante participação de 30% e a empresa passava a ter a totalidade do capital em bolsa. Nessa altura, as ações já negociavam nos 7,50 euros e, menos de um ano depois, ultrapassavam os 10,00 euros.
A partir daí, a estrela tornou-se cadente, tal como aconteceu com outras empresas de correios na Europa. Acumula uma desvalorização de 36% em cinco anos, para os 3,502 euros. Conta, atualmente com uma capitalização de mercado 527 milhões de euros, ou seja, menos 190 milhões de euros. Só com os dividendos pagos as contas conseguem ser positivas. Quem comprou ações na OPV e as manteve até agora, ganha ligeirs 3%.
“Havia alguma expectativa consensual que os CTT poderiam crescer de várias formas, mas as escolhas não foram as mais apropriadas”, refere Steven Santos. O head of trading plataforms and brokerage do BiG – Banco de Investimento Global alerta para os desafios da digitalização, o pouco investimento nas encomendas e o mercado financeiro pressionado.
Cinco anos em bolsa, 36% de desvalorização
Fonte: Reuters
Banco, parcerias e reestruturação marcam caminho
“Talvez tenham demorado demasiado a reconhecer a deterioração do negócio core“, afirma Oliveira. O reconhecimento acabou por chegar na forma de novas apostas — no mercado financeiro e no segmento das encomendas — e de um plano de reestruturação, que inclui cortes de custos e despedimentos até 2020. No entanto, a estratégia deixou de se focar exclusivamente num negócio em que não tinha concorrência, para acrescentar dois setores fortemente concorrenciais.
Se durante anos, os serviços financeiros deram um forte impulso às contas dos CTT (através de instrumentos de dívida pública), a empresa acabou por se lançar neste segmento, mas os planos de criação de um banco postal acabaram por ser mais modestos. Em agosto de 2015, a empresa liderada por Francisco Lacerda criava o Banco CTT, detido na totalidade pela casa-mãe e numa lógica de baixos custos, suportada pela rede de estabelecimentos já existentes. Os produtos de dívida pública mantiveram-se na casa-mãe, mas acabou-se a exclusividade. E as receitas passaram a ser mais modestas.
Desde então, o negócio tem vindo a crescer e os últimos resultados da empresa (referentes ao terceiro trimestre de 2018) indicam uma melhoria nos rendimentos de 26,6%, para 17 milhões de euros. A abertura de contas e a concessão de crédito atingiram máximos de sempre, após a aquisição da instituição especializada em empréstimos automóveis 321 Crédito, em julho. Apesar disso, a instituição bancária foi criada em condições financeiros desfavoráveis (ainda durante a recuperação da crise) continua a ter uma representação pequena no mercado nacional e a obrigar a um esforço financeiro por parte dos CTT, com vários aumentos de capital.
Por outro lado, os CTT apostaram também no transporte de encomendas e no e-commerce. Neste segmento, a disseminação de serviços internacionais levou a operadora postal a estabelecer parcerias, especialmente na China com a China Post ou a AliExpress. “Têm feito um esforço muito grande de cortes e modelos de colaboração, mas ainda não é uma instituição digital. Está numa fase muito embrionária e essa vai continuar a ser uma grande dor de crescimento”, sublinha Santos.
A par da diversificação de serviços, os CTT têm em curso um plano de “reengenharia” e “readaptação” das operações à nova realidade de mercado e dimensão da procura. A empresa de serviços postais espera poupar 45 milhões de euros até 2020, através de cortes com o despedimento de mil trabalhadores, fecho de lojas e consessões da gestão de postos de correio. A par, planeia ainda um corte até 25% nos salários dos membros da administração e a contínua diminuição no dividendo a distribuir aos acionistas.
Dividendo continua atrativo. Mas é sustentável?
Apesar de o dividendo estar em trajetória descendente, continua acima dos lucros da empresa. No ano passado, os CTT pagaram um dividendo de 0,38 euros, o que representava já um corte de 20% face ao ano anterior. Na altura, Francisco Lacerda afirmou que a reestruturação obrigava à diminuição.
Ainda assim, os analistas consideram o montante elevado e alertavam que o rácio de payout (parcela dos lucros que a empresa dá aos acionistas sob a forma de dividendo) estava nos 209%. No ano anterior, tinha sido 116% e, entre as restantes empresas de correios europeias, não se via nenhuma tão generosa com os acionistas.
Já no desempenho em bolsa, a comparação com as pares europeias é menos linear. A holandesa PostNL desvalorizou quase 38% nos últimos cinco anos, enquanto a britânica Royal Mail caiu 47% e a belga BPost 29%, aproximando-se do que aconteceu à cotada portuguesa. Já a austríaca Österreichische Post deslizou menos de 6%. A italiana Poste Italianne valorizou 5% e a alemã Deutsche Post ganhou quase 12%.
O CEO dos CTT começou 2018 a dizer que o dividendo não era exagerado. Mas o discurso foi mudando. “O pagar acima do resultado do exercício era a política que estava em vigor [em termos de dividendos]. Daqui em diante, a política voltará a ser pagar dividendos limitados aos resultados que tivermos no exercício”, dizia Larceda, em março. “Não nos vamos endividar para pagar dividendos”, garantiu.
O BPI antecipa que os CTT reduzam o dividendo para 0,25 euros, em 2019. Tanto Albino Oliveira como Steven Santos acreditam que o dividendo continua a ser a principal razão para a empresa seduzir os investidores, mas apontam para os riscos. “O dividend yield continua a ser atrativo, mas não pode ser visto de forma isolada. No fim, o que interessa é se é sustentável e daí a importância do programa de corte de custos”, referiu o analistas da Patris Corretora.
Nova quebra no lucro à espreita. Encomendas podem ser a surpresa
O consenso dos analistas (disponível no site dos CTT) aponta para um lucro de 23,5 milhões de euros no acumulado deste ano. A concretizar-se, representaria uma quebra de quase 14% face a 2017 e seguir-se-ia a um tombo de 56,1% registado no ano anterior. Nos primeiros nove meses do ano, os resultados líquidos da empresa liderada por Francisco de Lacerda encolheram para praticamente metade, cifrando-se em 9,9 milhões de euros, penalizados pelo plano de restruturação.
Os custos não recorrentes, resultantes do plano de reestruturação, pesaram nas contas da empresa. Entre janeiro e setembro, os CTT pagaram 15,8 milhões de euros em indemnizações a trabalhadores que aceitaram rescindir os contratos por mútuo acordo (a empresa tinha menos 253 trabalhadores em setembro de 2018 do que tinha no final do mesmo período do ano passado).
“O grande desafio é da execução da poupança sem afetar o serviço de correio, ou seja, materializar o que tem previsto e que tem uma grande componente social (nomeadamente com os sindicatos)”, disse o analista do BiG. O desempenho da empresa liderada por Francisco Lacerda em bolsa deverá depender da aplicação do plano de reestruturação.
“Nos próximos anos, a principal preocupação da gestão é que o negócio se mantenha, pelo menos, estável, com consciência de que é tendencialmente negativo. Quando acabar o programa de corte de custos, terá de encontrar forma de fazer face às pressões e aumentar a eficiência do negócio core porque o banco vai ser sempre difícil que seja muito expressivo. As encomendas poderão surpreender pela positiva. Não sendo uma história que chame muito à atenção na nossa bolsa, pode ainda ter algum interesse e será sempre um título que irá enquadrar-se bem nas carteiras de alguns investidores mais vocacionados para o dividendo”, acrescentou Oliveira.
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