Jorge Marrão, presidente do Movimento Europa e Liberdade (MEL), denuncia que existem temas ocultados pelos partidos, que temem perder eleições. Novo movimento vem contrariar esse paradigma.
O presidente do Movimento Europa e Liberdade (MEL), Jorge Marrão, rejeita todas as intenções de que o grupo de pensamento venha a originar ou convergir num partido político. “Este é um movimento inorgânico de cidadãos que decidiram juntar-se. Partidos há muitos. Um partido novo, para existir, tem de ter uma visão estratégica, uma nova vocação, tem de ter uma ambição e tem de ter um lugar para ocupar. Não é nem de perto nem de longe a minha ideia, nem dos restantes fundadores”, diz, em entrevista ao ECO24.
Numa altura em que decorre em Lisboa a convenção do MEL, Jorge Marrão, que lidera os departamentos de imobiliário, fusões e aquisições e marketing e desenvolvimento de negócio na Deloitte em Portugal, garante que o objetivo real é discutir temas que os partidos não querem discutir, sob pena de perderem votos. “Já tivemos todas as etiquetas num curto espaço de tempo. Mas o que nos uniu foi essa ideia de que temos de debater os temas da Europa e da liberdade em Portugal por razões muito concretas”, indica.
Nós queremos estar no centro, reforçar o centro e afastar os extremos. Porque a clivagem da sociedade privilegia os partidos tramados. Nós não precisamos disso.
Vai ainda mais longe. Critica os partidos políticos, da esquerda à direita, por partidarizarem todos os debates públicos: “Esse é o problema central. Não vale a pena debater se é uma boa medida do PSD, do PS, do PCP, do CDS… Há matérias que ultrapassam a própria luta partidária e que são de natureza pública. Ou seja, estão muito acima dos próprios partidos.” Essa “clivagem da sociedade”, diz, “privilegia os partidos tramados” — ou seja, os populistas, os extremos, os partidos que, eles próprios, são contraditórios em si. Aponta o dedo a Grécia e a Itália, que têm soluções governativas “esdrúxulas”. “Ninguém percebe bem qual é a corrente ideológica daqueles governos”, atira.
Por isso, o MEL vem “reforçar o centro” e o debate público. “Queremos estar no centro, reforçar o centro e afastar os extremos. Se pensarmos numa Europa em que o Parlamento Europeu se vai dividir mais, a pergunta é: quais são as consequências disso para Portugal? É óbvio que isto é um debate muito difícil de fazer neste momento, por causa das eleições. É por isso que achamos que o movimento foi relativamente mal interpretado, e as pessoas usaram-no da forma que entenderam. Mas porquê? Porque há uma hipersensibilidade adicional dos partidos”, garante Jorge Marrão.
Populismo nasce por falta de representatividade dos partidos
O líder do MEL não tem dúvidas de que, dado o facto de a sociedade civil não se ver representada nos partidos, qualquer solução que dê respostas simples aos “problemas complexos” acaba por vingar. “Hoje, é pedido a um político num ambiente complexo, que, ao fim de um acontecimento e de um acidente, tenha uma resposta concreta e imediata. E a sociedade não tem essa resposta. Pior: a sociedade, em vez de assumir a sua responsabilidade individual sobre a matéria, transfere essa responsabilidade para o Estado e para o político”, acusa o presidente do movimento.
A impossibilidade real de simplificar o complexo leva, depois, a que as pessoas “não acreditem nos partidos”. “Nasceu um novo eixo. A nossa nova luta vai ser entre nacionalistas, europeísta e globalistas”, garante, falando em “momentos históricos e únicos”. “Vamos ter de viver com esta ambiguidade partidária e pior e ao mesmo tempo ideológica. O que dizemos é que não há soluções milagrosas, tecnocraticamente perfeitas e irrepreensíveis ideologicamente. Hoje, quem vai para a política vai ter de lidar com a realidade tal e qual como ela é”, alerta.
Para Jorge Marrão, a própria comunicação social tem um papel determinante no surgimento dessas iniciativas. “Estamos a querer transformar todos os problemas que a sociedade tem complexos em respostas muito simples. Ora, isso não é possível”, afirma, indicando que os meios de comunicação social tradicionais se “ligam com o mainstream político”. Assim, “as respostas tradicionais não funcionam” e há ainda “um problema de cidadania”, em que está instalada uma “conceção de sociedade que já não se aplica aos tempos de hoje”.
Direita procura “novo espaço”. Esquerda aceitou Tratado Orçamental em nome da estabilidade
Numa altura em que o PSD se prepara para assistir a uma nova disputa pela liderança, o presidente do MEL diz que “o estado da direita resulta de uma perda eleitoral“. Assim, desde 2015, por ocasião das Legislativas, “anda à procura de um novo espaço, de uma nova mensagem e de novos protagonistas”.
No que toca à esquerda, pôs de parte convicções em nome da “estabilidade política”. “O que é que o Tratado Orçamental tem a ver com o PCP e o BE?”, questiona o próprio Jorge Marrão. “Rigorosamente nada, mas tiveram de o aceitar porque perceberam que o Governo do PS era um solução de estabilidade. Isto é feito com partidos extremados, mas depois tem uma consequência: na prática, o PS, quer fazer reformas e provavelmente vê-se impedido, porque não tem apoio desses partidos nem dos outros que estão na luta partidária”, explica. E desabafa: “A reforma é uma palavra gasta no léxico político nacional”.
O estado da direita resulta de uma perda eleitoral. Anda à procura de um novo espaço, de uma nova mensagem e de novos protagonistas.
Fundos comunitários poderiam financiar reforma do sistema de pensões
O tema das pensões, apesar de premente, é eleitoralmente delicado e sensível. E Jorge Marrão sabe disso. Mas uma reforma do sistema devia ser feita. Não internamente, mas com a ajuda de Bruxelas, defende. “Quando estivermos a negociar com a Europa, em vez de estarmos a negociar infraestruturas, se calhar temos de negociar um conjunto de fundos para ajustar o nosso sistema de pensões”, sugere o líder do MEL. “Poderia ser uma forma”, acredita.
Quando estivermos a negociar com a Europa, em vez de estarmos a negociar infraestruturas, se calhar temos de negociar um conjunto de fundos para ajustar o nosso sistema de pensões.
Por fim, Jorge Marrão alerta para aquilo a que chama de “degradação natural” do conservadorismo da sociedade portuguesa, a característica que “lhe permite aguentar com alguma resistência a todos os choques”, nomeadamente, as medidas de austeridade que foi necessário impor durante o período de ajustamento financeiro. O responsável sublinha a necessidade de mudar ilustrando-a com o crescimento da economia nacional. “Porque é que em 20 anos o sistema político português não conseguiu gerar crescimento acima da média europeia? Porque o que o sistema político fez foi endividar-se através dos bancos”, acusa o presidente, justificando que os portugueses — há anos com baixos salários — só não se revoltam pelo elevado nível de conservadorismo que existe.
Jorge Marrão, em jeito de balanço do primeiro dia de convenção do MEL, esta quinta-feira, diz que, “do primeiro dia, fica que o tema da qualidade da decisão política”, um tema sobre o qual o país se deveria debruçar. O debate foi “lançado por Marques Mendes, que avançou várias propostas”, mas logo ali houve divergências sobre a forma como o deveria alcançar, o que demonstra como o tema é fraturante.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
“Não há um debate público em Portugal que não seja partidarizado”
{{ noCommentsLabel }}