Criou o maior fundo de capital de risco do país. Não foi fácil, porque "há mais oportunidades para investir em tecnologia do que propriamente investidores", mas conseguiu. Tem 46 milhões para aplicar.
Se nos Estados Unidos e na China é fácil encontrar investidores para fundos que investem em startups, em Portugal o cenário é bem diferente. Que o diga o maior fundo privado e independente do país, recentemente criado pela Indico Capital Partners. O país não está nos radares dos grandes investidores de fundos de Venture Capital, e nem o Web Summit é suficiente para mudar isso. Para Stephan Morais, “essa é uma questão que tem de ser resolvida”. Talvez o caminho seja aprender mais com o Reino Unido.
Foi a 11 de janeiro que a Indico Capital Partners anunciou a criação de um fundo de capital de risco de 46 milhões de euros, que pretende investir em startups tecnológicas. Contudo, até chegar a este anúncio, o caminho não foi fácil. 90% do dinheiro investido neste fundo é de investidores privados, mas os restantes 10% são do Estado. Isto porque “esta classe de ativos, à escala mundial e em particular na Europa, é uma classe para a qual existem poucos investidores institucionais privados”, explicou Stephen Morais, no ECO24, programa que resulta de uma parceria entre o ECO e a TVI24.
Comparado com os Estados Unidos e a China, Portugal está atrasado porque “não há um número suficiente de investidores privados para acudir a tantos fundos e tantas oportunidades”. Assim, “há mais oportunidades para investir em tecnologia na Europa do que propriamente investidores presentes em fundos que invistam em tecnologia”. Este atraso face às maiores economia do mundo deve-se a um “problema de estrutura da economia”, explicou, mas que não deve deixar de ser ultrapassado quando há “talento tecnológico e pessoas de qualidade”.
"A vasta maioria das pessoas e das instituições com quem falamos e que não quis investir, disseram que não faziam venture capital e que esta classe de ativos não lhes interessava. Ou então diziam que não investiam no sul da Europa.”
Na hora de procurar investidores interessados em injetar dinheiro no maior fundo privado e independente português, a Indico Partners viu várias portas serem fechadas. “A maioria das pessoas e das instituições com quem falámos, e que não quiseram investir, disseram que não faziam venture capital e que esta classe de ativos não lhes interessava. Ou então diziam que não investiam no sul da Europa”. Estas eram as respostas de 80% dos investidores institucionais. Mas os interessados apareceram. Perceberam que havia “uma diferenciação muito específica num país e que havia um fundo, ou uma equipa, que realmente tinha uma especialidade e um acesso ao mercado especial”.
“A credibilidade de Portugal foi um fator importante… negativamente”, disse, explicando que o país é visto como o sul da Europa, ou seja, não aparece no radar. Nem mesmo com o Web Summit? “Os investidores institucionais não querem saber do Web Summit”, respondeu. Embora admita que é um “evento muito importante” para o país, reconhece que “as pessoas olham para números, rentabilidades…”. E a verdade é só uma: “Portugal não está na mira dos investidores institucionais para a área de venture capital“. Contudo, Stephen revelou que houve um “teste para ver se havia apetência para existir um fundo institucional privado profissional em Portugal” e que a Indico Partners passou.
Há “mercado suficiente para um fundo”
Atualmente, apenas parte dos 46 milhões de euros do fundo está alocado. O Indico está a apoiar quatro startups. Para encontrar as melhores startups, ou melhor, um unicórnio, Stephan explica que “há um padrão e o padrão é que o produto tem de ser altamente diferenciado logo ao início, o mercado tem de ser gigante e tem de ter uma equipa muito especial”. Pelo menos o teste foi feito com sucesso, teste esse realizado pelo Fundo Europeu de Investimento (FEI) — um dos investidores –, que, nas palavras de Stephen, é “talvez o maior investidor institucional à escala mundial em capital venture”. Na hora desse tal “teste”, uma das principais provas que a sociedade de capital de risco teve de passar foi “demonstrar que existia mercado suficiente em Portugal”.
"A ideia também não é ter tantos fundos que depois os investidores se percam. Se não nunca mais ninguém investe e mata-se o mercado.”
“E eles [FEI] consideraram que havia mercado suficiente para um fundo profissional”, disse. Contudo, admite que possam vir a existir outros e que esses até venham a ser apoiados pelo FEI mas, para já, a Indico Partners acredita que é possível haver um fundo a ter sucesso no mercado nacional. “A ideia também não é ter tantos fundos que depois os investidores se percam. Se não, nunca mais ninguém investe e mata-se o mercado”, disse. Isto porque, para chegar aqui, foi preciso “muita resiliência, muita paciência”.
Com o Brexit, haverá “menos fundos criados no Reino Unido”
O país tem muitas startups. Para essas, o caminho do crescimento passa, na maioria das vezes, pelo Reino Unido, onde existem muitos destes fundos de venture capital. Os 15 anos que Stephen Morais viveu em Londres deram-lhe conhecimento suficiente para afirmar que haverá menos fundos a serem criados no Reino Unido daqui para a frente. A culpa é do Brexit.
O crescimento dos fundos nacionais é feito normalmente por Inglaterra e só depois Estados Unidos, embora alguns partam diretamente para território norte-americano. “Não vi ainda sinais de que Londres deixará de ser a grande capital europeia de tecnologia, que é. Mas acredito que haverá um abrandamento na quantidade de fundos que são criados em Inglaterra e isso terá consequências quando a ponte [Londres] começar a tremer“, explicou. “Obviamente que poderão surgiu outras pontes”.
"Os primeiros anos serão muito difíceis, em particular se houver uma saída desordenada [do Reino Unido da UE]. Será caótico para toda a gente. Mas acredito que aquela economia, estabelecendo acordos com diferentes países e blocos, vai-se reorganizar porque estamos a falar de centenas de anos de organização robusta e de liderança económica.”
Independentemente disso, excluindo as questões da instabilidade e da incerteza para os britânico e europeus, o gestor reconhece que “economia inglesa também tem uma resiliência e uma forma de funcionar muitíssimo robusta”. Neste sentido, acredita que “os primeiros anos serão muito difíceis, em particular se houver uma saída desordenada [do Reino Unido da UE]. Será caótico para toda a gente. Mas acredito que aquela economia, estabelecendo acordos com diferentes países e blocos, vai-se reorganizar porque estamos a falar de centenas de anos de organização robusta e de liderança económica“.
Para Portugal já vêm “muitos empreendedores e até pessoas que vêm trabalhar em empresas e startups”, mas Stephan Morais diz ser óbvio que “se houver o enfraquecimento de Londres”, Portugal pode vir a adquirir alguma maturidade. Contudo, alerta que há coisas que não são replicáveis, tais como a “existência de redes de conhecimento”, “redes de capital” e a “profundidade do mercado de capitais”. Portugal vai ter de saber aproveitar as oportunidades. Mas independentemente disso, “temos de nos preocupar menos com os outros e mais connosco e ver se temos aqui um ecossistema mais profissional e mais robusto”, remata.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
Os grandes investidores em fundos de risco “não querem saber do Web Summit”
{{ noCommentsLabel }}