Caixa perdeu 555 milhões com o BCP. Estes são os negócios mais ruinosos do banco entre 2000 e 2015
Auditoria da EY questiona decisões da administração do banco público em 2008, quando aprovou a gestão do BCP que incluía um ex-presidente e ex-membros da CGD.
O investimento feito pela Caixa Geral de Depósitos (CGD) no BCP entre 2000 e 2013 gerou uma perda efetiva de 595 milhões de euros para o banco público, um prejuízo que foi apenas ligeiramente compensado pelo recebimento de 40 milhões de euros em dividendos neste período.
Este foi o negócio mais ruinoso entre as operações de aquisição e alienação de ativos que constam da auditoria forense da EY aos atos de gestão da CGD, um relatório divulgado por Joana Amaral Dias na CMTV e a que o ECO teve acesso.
A entrada da CGD no BCP deu-se em março de 2000, quando o banco público e o banco privado anunciaram um acordo segundo o qual a seguradora Mundial Confiança vendeu ao BCP a sua posição maioritária de 53% no Banco Pinto Sotto Maior. Em troca, a seguradora ficou com 8,5% do capital do BCP, numa posição avaliada em 950 milhões de euros (cada ação foi vendida por 5,28 euros). Em 2001, a Mundial Confiança, “sob orientações do conselho de administração da CGD”, exerceu os direitos de subscrição no âmbito de um aumento de capital, elevando o investimento para 1.009,5 milhões de euros. A totalidade das ações foi posteriormente vendida pela seguradora ao banco estatal, em 2001 e 2002, ao preço que haviam custado.
Porém, em 2002 e 2003, as ações do BCP registaram uma desvalorização acentuada no mercado (-67% em relação à cotação inicial na data da transação). Devido a esta evolução desfavorável, a CGD não acompanhou o aumento de capital do BCP no ano de 2003, obtendo um ganho de 22 milhões de euros pela venda dos direitos de subscrição. E, foi entre 2004 e 2006, quando decidiu alienar 4,19% do capital do BCP, que o banco público veio a efetivar as primeiras perdas com o investimento: -366 milhões de euros.
Entre 2007 e 2009, o BCP voltou a perder valor no mercado (-70%), num período marcado pela guerra entre os acionistas e administração daquele banco e onde a EY expõe dúvidas sobre decisões tomadas pelo conselho de administração da CGD, nomeadamente quanto ao facto de ter aprovado a gestão do banco rival que incluía um seu ex-presidente (Carlos Santos Ferreira) e alguns ex-membros (Armando Vara) sem sequer discutir “eventuais conflitos de interesse” e de ter reforçado o investimento no BCP mesmo com o parecer contrário da direção de risco.
Ainda assim, a auditoria diz que, de 2007 e 2009, a CGD seguiu uma “estratégia de aquisição e alienação de ações de forma a diluir o custo de aquisição, registando perdas nesse período perdas de 142 milhões de euros, correspondentes a 43% do valor do investimento no final de 2006″.
Posteriormente, entre 2010 e 2013, manteve-se a queda do valor das ações do BCP (-89%). “Com o desinvestimento final das ações, a CGD registou 109 milhões de euros de perdas adicionais“, calcularam os auditores da EY.
A EY lembra que todas as operações relativas a esta participação foram aprovadas pelo conselho de administração da CGD em cada momento e com base no preço de mercado, “exceto a transferência da posição da Mundial Confiança para a CGD em 2001 e 2002, que foi realizada ao custo de aquisição, transferindo as menos valias potenciais para a CGD”.
Em termos gerais, em relação a este investimento no BCP, a EY sublinha três conclusões principais:
- Racional de investimento: A tomada de posição inicial inseriu-se no processo de consolidação do setor bancário em Portugal com intervenção do Estado português;
- Influência de fatores externos: A evolução da cotação das ações do BCP no mercado no período em análise foi muito desfavorável (valor por ação passou de 5,28 euros em 4 de abril de 2000 para 0,09 euros em 4 de julho de 2013 — desvalorização de 98%;
- Resultado final: As decisões de gestão subsequente da participação com aquisições e alienações adicionais permitiram reduzir as perdas associadas de 98% para 63% do valor total investido (por diluição do custo unitário). Verificaram-se perdas efetivas nesta posição no montante de 595 milhões de euros.
Caravela provoca prejuízo de 340 milhões
Descreve o relatório da EY: “A 23 de dezembro de 1999, as obrigações com cupão a taxa fixa detidas pelos bancos do grupo em Espanha e sucursal de Paris, as quais estavam a originar perdas, foram vendidas ao VEF Boats Caravela. Este emitiu obrigações de cupão a taxa variável que foram tomadas pelo grupo CGD. O valor das carteiras alienadas ascendeu a cerca de 447,1 milhões de euros e o prazo da operação foi de 11 anos. A venda das obrigações ao VEF permitiu a anulação de provisões de 25,6 milhões.”
Conclusão da EY:
Racional de investimento: Os motivos inerentes à operação são meramente contabilísticos, com a necessidade de eliminar uma menos valia potencial transitória numa carteira de obrigações de taxa fixa.
Influência de fatores externos: Nada a reportar.
Resultado final: Consideramos que houve uma tomada de operação com um risco elevado, sem evidência de análise de suporte nem conhecimento para os riscos inerentes à operação. O resultado foi uma perda de 340 milhões de euros.
Caixa perde 53 milhões com posição acionista na La Seda
A EY começa por lembrar que a decisão de entrar no capital da La Seda Barcelona em 2006 (5%) foi “estratégica e esteve relacionada com a capacidade de influenciar a localização de uma unidade fabril de um investimento externo”. Estava previsto um acordo de concertação com o grupo Imatosgil, principal acionista da La Seda, sobre o sentido de voto nas decisões da empresa. Além disso, este investimento ocorreu numa altura em que a La Seda e o Governo português estavam em negociações com vista à construção de uma unidade industrial de PTA em Sines. Na versão do relatório a que o ECO teve acesso ainda estava por clarificar se existiu intervenção do Estado na decisão.
Conclusão da EY:
Racional de investimento: A tomada de decisão sobre este investimento foi estratégica e esteve relacionado com a capacidade de influenciar a localização de uma unidade fabril de um investimento externo;
Influência de fatores externos: O crescimento esperado da La Seda Barcelona não se concretizou, em boa parte derivado do contexto macroeconómico do mercado do crude (descida significativa dos preços);
Resultado final: Verificaram-se perdas efetivas nesta posição no montante de 53 milhões de euros nas contas individuais da CGD.
Imóveis em Espanha dão perdas de 40 milhões
Foi o espanhol Banco Caixa Geral quem concedeu em 2006 um empréstimo no valor de 54,6 milhões de euros à Nozar para desenvolver um projeto imobiliário em Ajalvir, Espanha. Porém, dois anos volvidos, a Nozar entrou num processo equiparável ao PER (Plano Especial de Recuperação), e para resolver o incumprimento da dívida, o conselho de administração da CGD aprovou a compra dos ativos através da Imocaixa.
Conclusão da EY:
- Racional de investimento: Os motivos inerentes à operação são de permitir apresentar resultados mais robustas na operação de Espanha;
- Influência de fatores externos: Plano territorial de Ajalvir não foi alterado durante todo este período (2006-2016), o que não permitiu o desenvolvimento do projeto imobiliário;
- Resultado final: Crédito concedido onde a garantia foi ativo sobrevalorizado e com projeto de elevado risco de concretização. Aprovação não teve em conta condicionantes do parecer técnico. Compra posterior do ativo com valor sobrevalorizado e que deu origem a reconhecimento de perda por imparidade quase total do valor. Perda de 39,9 milhões de euros a dezembro de 2015.
Perda de 15 milhões com a Vista Alegre
Em 2006, BCP, BPI e CGD estabeleceram um acordo com vista à reestruturação da dívida do grupo Vista Alegre Atlantis (VAA) e à operação de reforço de capital. Neste âmbito, os três bancos viriam a assumir controlo do grupo.
Conclusão da EY:
Racional do investimento: Este investimento surge no âmbito de uma operação harmónio entre o BCP, o BPI e a CGD para a reestruturação do Grupo VAA;
Influência de fatores externos: Trata-se de um grupo de referência nacional, pelo que se pretendeu ajudar na reestruturação financeira. Não identificámos qualquer indício de influência do Estado nesta decisão;
Resultado final: A operação de venda à Visabeira gerou perdas totais aproximadas de 16 milhões de euros (mais valia na venda de participação financeira, prestações acessórias/suplementares de capital e imparidades).
EDP dá ganho de 350 milhões ao banco
Nem todas as operações analisadas pela EY deram perdas à CGD. Esse foi o caso da EDP, cujo investimento do banco público deu um ganho 350 milhões de euros (200 milhões dos quais através de dividendos).
A CGD tomou posição na EDP (4,75%) na sequência de uma permuta com o Estado (através da Partest) da participação que a CGD detinha na Soporcel (50,45%). Detalha a EY: “Em dezembro de 2004, esta posição na elétrica foi alienada à Parpública e, em troca, a CGD adquiriu os direitos de subscrição do aumento de capital da EDP, os quais exerceu logo de seguida. No âmbito do aumento de capital da CGD, o banco recebeu igualmente ações da EDP. Feitas as contas, a 31 de dezembro de 2004, a CGD detinha 9,7% do capital da EDP.”
Depois, entre 2005 e 2012, a CGD foi comprando e vendendo ações da EDP. A maior parte da alienação desta participação ocorreu em 2010, com a venda à Parpública, “tendo ficado por receber desta venda o valor de 481,5 milhões de euros”.
Conclusão da EY:
Racional do investimento: A tomada de posição neste investimento resultou de ações do Estado (permutas ou entradas em espécie em aumento de capital na CGD);
Influência de fatores externos: A evolução da cotação das ações da EDP no mercado no período em análise foi favorável (valor por ação passou de 2,23 euros aquando do recebimento no âmbito do aumento de capital da CGD em 2004 para 2,29 euros em 31 de dezembro de 2012, antes da alienação total — valorização de 2,7%);
Resultado final: Com esta operação, a CGD registou, entre 2004 e 2013, ganhos reais de 248 milhões de euros e recebeu dividendos de 197 milhões. No final de 2015, ainda se encontravam 482 milhões de euros por receber por parte da Parpública, sendo que o Estado não tinha procurado resolver esta questão.
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