BCP quer abrir mercado de dívida de alto risco na Zona Euro
Banco liderado por Miguel Maya contratou sindicato bancário para emitir títulos de dívida subordinada para reforçar capital. Será a primeira instituição da Zona Euro a testar apetite dos investidores.
O BCP prepara-se para ser o primeiro banco da Zona Euro a testar, este ano, o apetite dos investidores por dívida de alto risco, classificada como Additional Tier 1 (AT1). Será através destes títulos subordinados perpétuos que o banco liderado por Miguel Maya pretende reforçar os seus rácios de capital. Estes títulos funcionam como uma espécie de “para-choques”, sendo o tipo de dívida mais arriscado na medida em que os detentores são os primeiros a sofrer com o impacto de um eventual “acidente”.
Basicamente é uma operação que visa responder às exigências do Banco Central Europeu (BCE). Mas apenas fora do espaço da moeda única é que encontramos instituições que já realizaram ou têm planos para realizar operações do género no arranque de 2019. Por exemplo, na Turquia, e salvaguardando importantes diferenças de contexto, um banco pagou há duas semanas um juro de 13,875% por notes que contam para reforçar o capital AT1. Mas sublinhe-se: cada caso é um caso.
Foi um anúncio cuidadoso aquele que o banco liderado por Miguel Maya fez na Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) esta terça-feira. Indicou que mandatou o Millennium BCP, o Credit Suisse Securities, o JPMorgan e o UBS Investment Bank para “organizarem um conjunto de reuniões com investidores qualificados em Lisboa, Londres e Paris” esta quarta-feira, com vista a uma “potencial emissão de títulos de dívida subordinados perpétuos”. E fez depender das “condições de mercado”.
Contactada pelo ECO, a instituição remeteu toda a informação que pretende disponibilizar neste momento para esse comunicado, sem adiantar, por exemplo, datas previsíveis da operação ou montantes indicativos.
Nesse documento enviado ao regulador disse apenas que os títulos são denominados em euros, têm taxa fixa e existe a possibilidade de reembolso antecipado, por parte do banco, a partir do final do quinto ano de maturidade. E informou que contarão com o “mecanismo de redução temporária do respetivo valor nominal em caso de verificação de um nível de fundos próprios principais de nível 1 de 5,125%, que se pretende que venha a preencher os requisitos regulamentares para poder ser classificada como instrumento de fundos próprios adicionais de nível 1”.
Desde a crise que os reguladores têm tentado evitar que o risco de resgates de bancos seja dos contribuintes, transferindo-o para detentores de títulos de dívida com diferentes graus de risco. O mais arriscado destes títulos são estes AT1 que o BCP pretende emitir.
São títulos desenhados para que, caso o rácio de capital de um banco desça abaixo de determinado nível, sejam convertidos em capital do banco ou totalmente destinados a repor eventuais perdas. Cancelados os AT1, o banco consegue robustecer a posição financeira de forma quase automática.
Também existem títulos AT2, que representam um risco menor face aos títulos A1. Foi com uma emissão de 500 milhões de euros em títulos AT2 que a Caixa Geral de Depósitos (CGD) concluiu em julho do ano passado a segunda fase do plano recapitalização acordada entre o Estado português e a Comissão Europeia, na valor de quase 5.000 milhões de euros. A operação teve um juro associado de 5,75%. Também o Novo Banco realizou, em meados de 2018, uma emissão de 400 milhões títulos AT2 a um juro de 8,5%. Mais recentemente o Banco Montepio voltou atrás com uma operação do género devido às “condições adversas do mercado”.
BCP de 2019 equiparado a CGD de 2017
Assim, a última (e única) emissão de obrigações AT1 realizada por um banco português aconteceu há quase dois anos. Em março de 2017, a CGD emitiu 500 milhões de euros em dívida subordinada que conta como capital e pagou um juro de 10,75%, o que apesar de tudo ficou abaixo do montante indicativo entre 11% e 11,5%.
O juro elevado atraiu procura que chegava para dois mil milhões de euros. Na altura, as agências de rating da CGD refletiram esse risco associado a estes títulos na avaliação que fizeram da operação. A Fitch atribuiu uma notação B- (três níveis abaixo do rating bb de então da CGD), enquanto a Moody’s avaliou a operação em Caa2 face ao nível B1 em que colocava o banco liderado por Paulo Macedo.
Desta vez, o rating atribuído pelas agências de notação financeira não é muito diferente. A norte-americana Moody’s — que avalia o BCP no primeiro nível de investimento Ba3 com perspetiva positiva — atribuiu uma nota Caa1 à operação. O grau é especulativo já que “os títulos não assegurados e perpétuos e têm um mecanismo de suspensão de cupão obrigatório e opcional não acumulável”, segundo explica o relatório da agência.
Já a par Fitch avalia a colocação em B-, quatro degraus abaixo do rating BB do BCP e de forma provisória até serem conhecidos os montantes. A canadiana DBRS é a mais otimista e atribuiu uma notação B (low) aos instrumento, com perspetiva positiva, mas ainda assim cinco níveis abaixo do rating do banco.
A agência sublinha que “as obrigações AT1 são profundamente subordinadas e constituem os mais junior instrumentos de dívida do banco”. “São perpétuos em termos de prazo e podem ser registados em parte ou integralmente, se o emitente ou o regulador determinarem que existe um evento trigger. O nível de trigger para amortizações é definido para o BCP numa taxa mínima de CET1 de 5,125%”, acrescenta a DBRS.
A Fitch antecipa mesmo que o não-pagamento de juros ocorra antes de o banco alcançar um nível abaixo deste limite de 5,125%, “por exemplo se o rácio total de capital do BCP se aproxime da revisão de supervisão e requerimentos do processo de avaliação definidos em 12,31%, em 2018, já que os buffers acima destes requerimentos são, comparativamente, menores”, sublinha a Fitch.
Banco turco pagou 14% em operação semelhante
Apesar de ser a primeira emissão de dívida AT1, realizada este ano por um banco da Zona Euro, há outros exemplos internacionais. O mais próximo aconteceu na Turquia, onde o banco Yapi emitiu, a 11 de janeiro, 650 milhões de dólares em obrigações AT1. Mesmo com mais de metade do valor a ser garantido por procura dos próprios acionistas, a yield atingiu de 13,875%.
Esta foi a primeira colocação de dívida, desde abril de 2018, por parte de um banco na Turquia, país que viu a crise económica e social agravar-se no ano graças à desvalorização da moeda. Uma das principais razões para a emissão ser feita em dólares foi exatamente aumentar a proteção contra a depreciação da lira.
Cenário muito diferente é o vivido nos Emirados Árabes Unidos, onde também já aconteceu uma emissão de obrigações perpétuas. O Banco Islâmico do Dubai (DIB, na sigla em inglês) — que é o segundo maior banco islâmico do mundo e tem um rating A3 pela Moody’s e A pela Fitch — colocou 750 milhões de dólares com uma taxa de 6,25%.
Além destes dois bancos e do anúncio do BCP, há mais duas operações em curso. O banco chinês CMB Wing Lung Bank afirmou, a 14 de janeiro, que começou reuniões preliminares com investidores para emitir títulos perpétuos em dólares. Da mesma forma, também o Banco da Índia recebeu aprovação dos administradores para colocar 22 mil milhões de rupias (equivalente a cerca de 272 milhões de euros), em uma ou várias emissões a partir de abril.
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