Steven Bell, economista-chefe da BMO Global Asset Management, elogia a estabilidade portuguesa, num contexto de incerteza na Europa. Mas alerta que em vez de boom económico, é apenas recuperação.
O pessimismo quanto à desaceleração económica global atingiu um pico e a realidade vai acabar por ser menos negativa que o esperado, na opinião do economista-chefe e gestor de soluções multi-ativos da BMO Global Asset Management. Em entrevista ao ECO, Steven Bell explica que a estabilidade e o crescimento acima da média da Zona Euro em Portugal tornam o país mais atrativo para investidores estrangeiros. A preocupação da Europa é, no entanto, Itália, numa altura em que existem problemas políticos nas quatro maiores economias da Zona Euro.
A desaceleração na economia global parece ser uma das principais preocupações atuais dos mercados. Como vê os constantes avisos por parte do Fundo Monetário Internacional (FMI), Comissão Europeia, bancos centrais e outras instituições?
É certo que estamos perante uma desaceleração económica global e com certeza há preocupações, mas há uma série de razões pelas quais a economia mundial continuará a expandir-se e a principal é a inflação, que está no ponto certo: nem muito alta, nem muito baixa. Não é como há três ou quatro anos, quando muitos se preocupavam com a deflação. Ninguém está preocupado com a deflação agora. Mesmo no Japão, os preços estão a subir. As únicas exceções são países onde a moeda caiu muito, como a Venezuela. Em quase todos os países, a inflação não é um problema, o que é uma grande vantagem.
Mas na Zona Euro, a inflação continua a não atingir a meta de 2% do Banco Central Europeu (BCE)…
A inflação é muito baixa na Zona Euro e no Japão. Não consegue chegar a 2%, mas está mais perto e penso que alcançámos o ponto mais baixo para as expectativas de crescimento europeu. O FMI, a Comissão Europeia, todos os bancos de investimento cortaram as previsões… Para a economia mundial como um todo, o importante é que a China tem estado a desacelerar, mas a ajustar-se e começa a divulgar dados um pouco melhores. Na Europa, penso que veremos um ponto de viragem nas expectativas e os dados a melhorarem um pouco. Acredito que, este ano, o crescimento será igual ou até um pouco melhor do que as projeções.
Então não há razões para começar a pensar numa recessão?
Não vejo uma recessão. As condições financeiras estão facilitistas e os estímulos estão a tornar-se mais ligeiros, principalmente na China. A China está numa fase de desaceleração estrutural porque chegou à meia-idade e tem um grande problema de crédito. É um caso único: um grande país com um governo comunista que persegue políticas capitalistas. Como a Coreia e o Japão antes deles, cresceram muito rapidamente e, quando os agregados familiares alcançaram um rendimento de sete mil dólares ao ano, desaceleraram. Têm problemas, mas vão continuar a crescer a um ritmo razoável.
Esse ajustamento é uma ameaça à economia global? Qual é o impacto da guerra comercial nestas mudanças?
O ajustamento desacelerará e mudará o crescimento chinês, que tem sido impulsionado pelas exportações. Penso que vai passar a ser mais doméstico. O país não é um exportador de serviços e, no entanto, os serviços representam uma grande parte da economia, maior até que a indústria. É o próximo estágio de desenvolvimento. Já não é barato produzir na China… A grande guerra comercial com os Estados Unidos não é sobre comércio, é sobre poder global. É sobre quem é o país dominante militarmente, estrategicamente e tecnicamente. Penso que é uma questão diferente das negociações comerciais. Mas, embora seja estatisticamente negativo, a realidade é que Donald Trump precisa de um acordo comercial e a China também. Irão encontrar alguma saída, mas até lá a batalha continua.
Sobre a saúde da economia global, penso que a China vai ajustar-se e a Europa vai continuar com um desempenho ligeiramente melhor que o esperado. No resto do mundo — excluindo os EUA –, o pessimismo já atingiu o pico.
Considera que existe o risco de uma onda global de protecionismo?
Sim. Infelizmente, temos de falar um pouco sobre o Brexit… A Europa sem o Reino Unido será mais protecionista. Penso que temos este belo mercado único, que é muito bem-sucedido e liberal. Há mais pressões a favor do protecionismo e a realidade é que as tarifas são muito baixas, mas grande parte do comércio não é industrial, mas serviços. Portanto, existem barreiras e restrições não tarifárias que são mais atraentes que as tarifas porque são mais fáceis de serem impostas.
Voltando à saúde da economia global, penso que a China vai ajustar-se e a Europa vai continuar com um desempenho ligeiramente melhor que o esperado. No resto do mundo — excluindo os EUA –, o pessimismo já atingiu o pico. Na realidade, é um pouco dececionante na Europa… O emprego está em máximos em países como Portugal, que passaram por momentos terríveis e dos quais estão a recuperar. Mas não é um boom, é uma recuperação e é dececionante… Temos que olhar para fatores como a demografia ou o desejo de ter uma rede de segurança na economia, que significa maior regulação e maiores restrições. É compreensível, mas restringe o crescimento. É o modelo europeu e penso que será o futuro: crescimento mais lento, pleno emprego e inflação que demora a subir.
O que causa este crescimento dececionante?
Há vários fatores especiais na Europa. Entre eles está o rio Reno, que é uma enorme faixa de transporte e não foi possível movimentar barcos devido ao verão muito quente. Há produtos, como os químicos, que não podem ser movidos por estrada, de modo que a produção industrial foi prejudicada. Além disso, os preços da energia não caíram quando os preços do petróleo o fizeram, portanto agora veremos uma recuperação. Da mesma forma, os coletes amarelos na França prejudicaram realmente a economia. Foi o PMI [índice de gestores de compras] mais baixo em qualquer país desenvolvido, mas vai recuperar.
Então a França é o grande problema para a Europa?
Têm sido fatores temporários. Temos de ver se as reformas de Emmanuel Macron continuarão. O presidente francês acabou de dar arrancar com estímulos orçamentais, mas não reverteu realmente as reformas e, se conseguir continuar, será positivo.
Para isso, Macron tem de encontrar formas de financiar as reformas…
Sim… Mas teremos eleições para a Comissão Europeia e o que se passa com os défices orçamentais é que quando foi com Portugal, houve palavras muito fortes, mas quando é França ou a Alemanha, é uma história muito diferente. A Comissão Europeia é muito boa a fazer bullying… E o último grande país que ameaçaram foi Itália porque tem um Governo fora do comum. Itália nunca teve a força que o seu tamanho económico determinaria. Não sei porquê… Talvez devido a muitos Governos e fracos. Há um novo governo a cada ano. Não sei porque é que Itália nunca foi tão forte quanto deveria ser, mas em termos de défice orçamental, penso que não haverá grandes mudanças. Existe a possibilidade de a Alemanha se tornar um pouco mais expansionista, mas todos os países têm problemas políticos reais. Todos os países estão fracos, sem exceções.
Portugal também está nesse grupo de países com problemas políticos?
Exceto Portugal, talvez. Portugal é diferente. Teve muitos problemas políticos, mas não, a situação não é especialmente difícil neste momento. Estava a pensar em França, Alemanha, Espanha e Itália. Em termos de fatores económicos, há outra questão: as mudanças nas emissões [de dióxido de carbono] e a transição para carros elétricos são ameaças reais para a indústria automóvel da Alemanha. A Alemanha enfrentou muitos desafios e este é outro. A transição não é impossível, mas será difícil. Portanto, penso que a Europa não está assim tão mal: crescimento lento, mas a melhorar.
As estimativas da Comissão Europeia projetam que a economia portuguesa cresça mais rápido que a Zona do Euro durante, pelo menos, dois anos. Concorda?
Sim. Portugal fez ótimos ajustamentos, é uma economia aberta e o maior parceiro comercial está mesmo ao lado. Quando Espanha estava em recessão, exportou-a. Mas agora tanto Espanha como Portugal estão bem. Não há nenhuma crise grave que eu consiga ver, portanto a perspetiva é positiva para Portugal, como uma das economias em crescimento mais forte. Mas não é um Portugal em expansão, é apenas um crescimento modesto. Simplesmente, o resto da Europa é tão fraco que Portugal será uma das economias que mais crescem este ano.
Portugal torna-se, por isso, mais atraente para investidores internacionais?
Sim. Penso que é mais interessante. A maioria dos investidores estrangeiros vê a Europa como um todo e escolhe uma região que funciona. Penso que há muito interesse em Portugal, que é muito atrativo devido à sua estabilidade, comparativamente a outros países e olhando para o que aconteceu no passado. Parece-me um país muito interessante para investidores estrangeiros.
Os elevados níveis de dívida pública não são um risco?
Não, não penso dessa forma. A dívida é um problema para quem tem dívida em moeda estrangeira — e é claro que Portugal não imprime euros –, mas não tem um grande problema na conta corrente. Não considero que a dívida seja um problema e penso que não é aí que está o foco. As taxas de juro estão tão baixas que não há problemas com a gestão da dívida. Se houver uma crise, já é uma história diferente… Mas isso parece-me distante.
Considera que Portugal está preparado para a redução dos estímulos na política monetária?
Portugal está em ótima forma. Os fundamentais estão a melhorar… o país com que há preocupações é Itália. O problema em Itália é que não há crescimento. Não são os bancos e não é a dívida, é que não há crescimento. Tivemos reuniões com os principais analistas da Standard & Poor’s e da Moody’s para a Europa e ambos concordaram que o problema é o crescimento. O facto de Itália ter tido dois trimestres de crescimento negativo e PMI muito baixos penalizou a confiança.
Mas penso que a perspetiva para Itália é um pouco melhor, porque irão definitivamente beneficiar de preços mais baixos de petróleo e do facto de o défice orçamental já não ser exatamente o problema que era. Mas esse número [do défice] mostrou a fraqueza na Itália e prejudicou o mercado de obrigações, o que é uma pena. Portanto penso que Itália é o principal país que vai debater-se com o aperto da política monetária. Não é Portugal. As taxas de juros estão incrivelmente baixas para Portugal e o país está em boa forma para resistir a uma subida sem nenhum problema. Sem ser demasiado otimista — porque não é um boom –, a perspetiva é bastante positiva.
O problema em Itália é que não há crescimento. Não são os bancos e não é a dívida, é que não há crescimento. Tivemos reuniões com os principais analistas da Standard & Poor’s e da Moody’s para a Europa e ambos concordaram.
Se a economia portuguesa está em recuperação, mas não num boom, quando podemos esperar esse boom?
Não vejo um boom… Mas vejo melhorias graduais na economia.
As próximas eleições legislativas, em outubro, também não serão um problema?
Eu hesito muito em comentar eleições de qualquer país, depois das surpresas que tivemos em países que conheço muito bem… Vou esperar e ver o que os portugueses decidem. A estabilidade é uma boa notícia, mas as sondagens dizem várias coisas diferentes. Veremos o que acontece…
Falou de surpresas em países que conhece. Está a referir-se ao Brexit? Qual é a sua expectativa para esse processo?
O Brexit é uma confusão… Quando falo com pessoas que estão muito próximas das negociações dizem-me que a primeira-ministra não faz ideia do que vai acontecer. O líder da oposição não faz ideia do que vai acontecer. Portanto, eu não faço ideia. É uma confusão. Qualquer cenário parece complicado de resolver. Se formos positivos e assumirmos que conseguiremos um acordo, então será passado e sairemos suavemente. Mas, ainda assim, teremos de negociar o nosso relacionamento com a UE, o que vai ser um pesadelo e a incerteza vai continuar.
Não há nada de positivo para a economia do Reino Unido depois do Brexit. Mas continuaremos e seremos a mesma economia amanhã como somos hoje. Vamos crescer e vamos continuar. As coisas vão mudar, haverá um ambiente económico menos positivo após o Brexit, mas não é um desastre. Não é o fim do mundo… As pessoas deixam-se levar, às vezes. Não sei se vamos conseguir um acordo, um atraso ou até mesmo um segundo referendo. Não é provável, mas é praticamente possível. Todos os cenários estão abertos. O meu melhor palpite é que conseguiremos um acordo e que a Irlanda tem muito a perder com um Brexit sem acordo. Penso que vão acabar por ceder.
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