Chegou a hora de Cláudia liderar o clã Azevedo e o universo Sonae
A Sonae volta a enfrentar uma sucessão, 12 anos depois. Paulo Azevedo apresenta resultados da Sonae pela última vez e será sucedido por Cláudia Azevedo, que herda números sólidos e vários desafios.
A herança é pesada. Mas esta é uma máquina de tal forma oleada que, enquanto outros grupos familiares temem a hora da transição, a Sonae enfrenta-a pela segunda vez em menos de quinze anos. A hora de Paulo Azevedo chegou em 2007. A de Cláudia Azevedo, filha mais nova de Belmiro de Azevedo, chega em 2019, culminando “uma carreira que, nos últimos anos, se especializou na gestão de portefólios diversificados e na internacionalização dos negócios de participadas”, de acordo com a EFANOR, holding através da qual a família Azevedo controla 53% da Sonae.
A diversificação profissional será mesmo um atributo essencial para lidar com as várias ramificações que compõem a Sonae. São muitas e em diferentes estados de maturidade: retalho alimentar, saúde e bem-estar, desporto, eletrónica, imobiliário, serviços financeiros, centros comerciais, telecomunicações ou tecnologias emergentes. E isto são apenas os setores, já que em termos de marcas o grupo, que celebra este ano seis décadas de existência, é ainda mais alargado — Continente, Go Natural, Well’s, Maxmat, SportZone, Zippy, Salsa, Worten, Nos, Saphety, WeDo, S21Sec, etc, etc…
A herança de Cláudia Azevedo, porém, vai além deste amplo portefólio. O grupo tem apresentado resultados sólidos nos últimos anos, o que no entender da EFANOR aconteceu graças aos líderes dos últimos doze anos — Paulo Azevedo e Ângelo Paupério — cujos contributos, segundo o diagnóstico da acionista, “foram determinantes para o crescimento da importância social e económica do Grupo e permitiram-lhe passar incólume pelas crises económicas e éticas dos últimos anos”. Contudo, e tendo em conta o que foi escrito sobre a filha mais nova de Belmiro de Azevedo, sobretudo das suas parecenças com o pai, os acionistas do grupo estarão confiantes que o percurso sólido é para continuar. Eles e os mais de 46 mil trabalhadores sob alçada da Sonae.
Resultados e remunerações
O volume de negócios consolidado do grupo tem crescido de forma sustentada nos últimos anos, com os 4,67 mil milhões de euros de 2012 a subirem gradualmente, superando a fasquia dos 5 mil milhões em 2015 e atingindo os 5,71 mil milhões já no exercício de 2017. Neste período, os resultados líquidos da Sonae variaram entre os 129 milhões, em 2013, e os 215 milhões de euros, em 2016, tendo no ano seguinte recuado para 166 milhões de euros.
Apesar desta variação nos lucros, certo é que a retribuição acionista da Sonae tem vindo a fortalecer-se. Dos 3,15 cêntimos de euro pagos em 2009, a remuneração cresceu para 4,2 cêntimos em 2017, correspondentes a um payout de 64%, contra os 33% de 2009. Mais oscilante tem sido a evolução do dividend yeld — rácio entre o dividendo e o preço da ação –, que neste período saltou entre 2,9% (2009) e 7,2% (2011), fixando-se nos 3,7% em 2017.
Os números em termos consolidados escondem, porém, distintas realidades no universo Sonae. Com diversas ramificações empresariais e cada uma delas a atravessar diferentes estados de maturidade, umas contribuem mais do que outras para os resultados imediatos. Por exemplo, a Sonae MC é, de longe, o maior negócio do grupo e bateu recordes em 2018.
Desafios a curto e longo prazo
A Sonae MC é a líder de mercado no retalho alimentar em Portugal, medido pelas vendas com base em informação pública e estimativas da Sonae, tendo uma quota de mercado no setor de 22% (dezembro de 2017), de acordo com a Planet Retail. A Sonae MC responde por mais de 65% do total de trabalhadores da Sonae e pesou 67% no volume de negócios total do grupo em 2017 — compara com os 17,3% da Worten, 10,2% da Sonae S&F (retalho de moda e desporto) ou os 2,2% da Sonae IM (gestão de investimentos) –, respondendo por 49% do EBITDA do grupo e por um terço do enterprisevalue — valor calculado através da capitalização bolsista, dívidas e liquidez.
Aumentar o peso dos negócios não-alimentar, melhorando a rentabilidade dos mesmos, será assim um dos principais desafios que a nova CEO enfrentará. “Tal como aconteceu com a Sport Zone”, que recentemente se uniu à JD Sprinter/JD Sports, nos próximos anos a Sonae terá de definir “qual a estratégia que será implementada para o resto da área não alimentar, com o objetivo de melhorar a rentabilidade deste segmento”, referiu Albino Oliveira ao ECO.
O analista da Patris Corretora não antecipa grandes oscilações na Sonae com as mudanças na administração que agora se concretizam, avaliando que estas só se poderão vir a sentir mais a longo prazo. “Irá provavelmente depender de eventuais alterações estratégicas, ou seja, do mercado ganhar visibilidade sobre as linhas estratégicas da administração da Sonae para os próximos anos”, disse.
Mas o que Cláudia Azevedo vai herdar não era o que esperava em julho do ano passado, altura em que foram dadas a conhecer as mudanças. Isto porque o percurso dos anteriores co-CEO da Sonae não terminou sem um último percalço, com o grupo a dar um passo atrás na dispersão do capital da Sonae MC, empresa de retalho, pouco depois de ter visto o prospeto aprovado pela CMVM, justificando-o com a tensão nos mercados internacionais. E este será um dos dossiês através dos quais os investidores e demais stakeholders começarão a tomar o pulso à nova liderança da Sonae.
“A operação acabou por não ser concretizada, refletindo a deterioração observada nas condições de mercado. Apesar de o regresso ao mercado com esta operação ter sido, para já, afastada, não deixará de ser um ponto de atenção por parte dos investidores, nomeadamente se as condições nos mercados permanecerem favoráveis, tal como tem ocorrido desde o início do ano”, apontou Albino Oliveira.
No imediato, e também relacionado com a Sonae MC, uma das ameaças que paira sobre o grupo prende-se com a entrada da Mercadona em Portugal, que prevê lançar dez lojas no norte do país ainda este ano. O grupo espanhol detém mais de 1.600 supermercados em Espanha, emprega 85 mil pessoas e apostou em Portugal para a sua primeira aventura internacional. A chegada da Mercadona representa assim a entrada de mais um player forte num setor onde a concorrência é, já hoje, muito intensa.
“Nos últimos anos, o mercado retalhista alimentar em Portugal tem-se caracterizado por uma intensa concorrência, com aumentos significativos da oferta, impulsionados pelo crescimento do número total de lojas e áreas de venda no mercado retalhista alimentar português. A intensa concorrência no mercado teve o efeito de limitar os aumentos de preços, em parte através de níveis crescentes de atividade promocional”, conforme admite a Sonae no recente prospeto relativo à abortada dispersão da Sonae MC.
As outras mudanças
No dia em que Paulo Azevedo e Ângelo Paupério dão a cara a última vez pelos resultados anuais da Sonae são várias as mudanças que se vão começar a operar na composição das administrações da Sonae e também da Efanor para o mandato 2019-2022, além da subida de Cláudia Azevedo a CEO da SGPS.
Destaque desde logo para a entrada de Ângelo Paupério e Carlos Moreira da Silva para a administração da Efanor, sendo a primeira vez que nomes fora da família Azevedo assumem lugar na administração da holding pessoal da família. Paulo Azevedo continuará também como chairman da Sonae, ao passo que Paupério terá assento não executivo na administração.
Para além destes, a gestão da Sonae será composta por nomes como José Neves Adelino, Marcelo Faria de Lima e Margaret Lorraine Trainer, que já marcam presença no conselho. Já Fuencisla Clemares, ex-responsável ibérica da Google, é um dos novos nomes a entrar na administração, bem como o de Philippe Cyriel Elodie Haspeslagh.
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