Aeroporto no Montijo? “É bom que se trabalhe nesta solução porque não podemos continuar eternamente à espera”

Para o chairman da TAP, Miguel Frasquilho, a construção de um 3º terminal no Montijo é necessária para dar resposta ao aumento do tráfego. E o Estado está na TAP para ficar.

No dia em que a TAP anuncia uma inédita emissão de obrigações, no valor de 50 milhões de euros a 4,375%, com uma maturidade de quatro anos, Miguel Frasquilho explica em entrevista ao ECO24 — um programa da TVI24 e do ECO — o objetivo da operação. Mas não só. O chairman da TAP, indicado pelo acionista Estado, explica os objetivos da companhia para este ano e as relações entre o acionista público e o acionista privado, a Atlantic Gateway, de David Neelman e Humberto Pedrosa. “Nunca há relações que sejam perfeitas, isso é uma coisa que não existe, mesmo nos casamentos e nas amizades”.

Sobre a expansão do atual aeroporto de Lisboa para o Montijo, através da construção de um terceiro terminal, é fundamental para dar resposta ao aumento do tráfego das companhias aéreas. “Opções perfeitas nunca haverá, mas já que está uma solução em cima da mesa, é bom que se trabalhe nesta solução porque não podemos continuar eternamente à espera”.

Como é possível uma empresa como a TAP pagar por um juro obrigacionista 60 pontos base acima de uma empresa como o Benfica?

Em primeiro lugar, este é um dia simbólico para a TAP… anunciar esta operação, nunca foi feita na história da empresa uma operação deste género. Consideramos que é uma operação interessante, senão, obviamente, não a teríamos lançado. Compete naturalmente aos investidores avaliar e decidir com base na informação que foi disponibilizada no prospeto, que, aliás, me parece um prospeto bastante completo.

São mais de 1000 páginas, creio eu. Está ali tudo para que se possa saber tudo o que há a saber sobre esta operação. Quando à sua pergunta em concreto, deixa-me dizer-lhe que estamos a falar de uma operação a quatro anos. Quando comparada com a operação do Benfica, é uma operação a três anos. É natural que, a medida que vamos tendo maturidades maiores, o juro associado também seja maior.

A taxa de juro de 4,375% atesta, de alguma forma, a solidez das contas da TAP ou demonstra e aponta para algum risco por parte dos investidores?

O juro é sempre uma forma de compensar os investidores pelo investimento que fazem. Já referi que nos parece ser uma operação interessante, mas não me compete a mim estar a tomar a voz dos investidores. Os investidores avaliarão se é interessante ou não, nós temos a expectativa e a confiança de que é uma operação que será bem-sucedida.

Recentemente, a Atlantic Gateway, acionista privado da TAP com 45%, fez saber que gostaria de fazer uma dispersão de capital da companhia. Entretanto, a TAP avança com esta emissão de obrigações. A TAP está a pedir 50 milhões de empréstimo a investidores institucionais, mas também a pequenos investidores, para quê?

Os objetivos também estão claros no prospeto: Atingir os objetivos de alargar a maturidade da nossa dívida, daí uma operação de quatro anos, dado que a maturidade média da dívida a esta altura é inferior [a esse prazo]. Há aqui uma gestão da dívida que nos parece ser mais adequada e, por outro lado, também financiar a atividade corrente que é, no fundo, o dia-a-dia de todas as empresas.

O ponto de partida da TAP para este ano é, no mínimo, ambicioso. Parte de resultados negativos de 118 milhões de euros em 2018, como é que pode planear o ano de 2019, que já está a correr, com os valores que foram registados pela TAP no ano passado?

O ano de 2018 foi um intervalo na trajetória que foi desenhada no plano estratégico da TAP e que é uma trajetória que tem expectativas positivas. Aliás, num dos 32 riscos apontados nesta operação, salvo erro no 32º, o conselho de administração do acionista único, em 29 de abril de 2019, portanto na Assembleia Geral, propôs a não implementação de qualquer das medidas previstas na lei, ou outras com os mesmos objetivos, tendo em conta, e esta é a parte interessante, a expectativa que a estratégia definida para o grupo TAP, que está atualmente a ser implementada, venha a ter no futuro resultados positivos para a situação financeira do acionista único, a TAP SGPS, a holding. Com base nesta informação, posso dizer que 2018 foi um ano anormal, foi um ano de intervalo na trajetória…

Miguel Frasquilho, presidente do Conselho de Administração da TAP, em entrevista ao ECO24 - 30MAI19Porque foi um ano anormal?

Por diversos fatores, fatores internos e externos. Comecemos pelos que dizem diretamente respeito à TAP. Houve claramente algumas falhas no que à TAP diz respeito, e temos que as assumir. Essas falhas tiveram peso nas nossas contas, desde logo falhas no que diz respeito à pontualidade e ao cancelamento de voos, que foram bastante acima do que é normal para uma companhia aérea. Numa companhia aérea, cerca de 0,5% dos voos operados podem ser cancelados, é uma estatística normal. No ano passado, tivemos dias claramente acima desse patamar.

Em que percentagem?

Na casa de alguns pontos percentuais.

Isso pesou nas contas?

Pesou nas contas claramente, quer em indemnizações, quer em compensações aos nossos passageiros. Mas penso que também é importante, e eu já o fiz e farei quantas vezes forem necessárias, um pedido de desculpa aos nossos clientes, aos nossos passageiros, porque de facto não foi aceitável o que se passou… Temos que assumir as nossas responsabilidades, assumimo-lo com as indemnizações e as compensações, mas temos que perceber também que os nossos passageiros querem ser cada vez mais bem servidos. Estamos nesse caminho, mas acho que os nossos clientes querem também perceber se estamos a trabalhar para que a situação do ano passado não se repita.

Mudou o processo?

Houve um investimento muito forte, por exemplo, no número de colaboradores da TAP que dizem diretamente respeito à operação. No ano passado, fizemos mais de 1100 admissões, quer em pilotos, quer em comissários e assistentes de bordo e técnicos de manutenção de aeronaves e engenheiros. E este ano já vamos em 450 admissões até ao dia de hoje. Contratação de colaboradores que são qualificados, a criação de emprego é importante…

Estavam com falta de pessoal. Houve um mau planeamento?

Houve um deficiente planeamento, sim. Essa é a parte que nos pode ser imputada, e posso dizer que este ano estamos sem dúvida mais bem preparados para fazer face a um aumento da procura para, obviamente, não sofrer as condições que tivemos no ano passado. Agora, deixe-me dizer que também houve fatores externos.

Tais como?

Movimentos do real e do kwanza, dois mercados importantes que nos penalizaram. O Brasil, que é o nosso principalmente mercado, em conjunto com Portugal, em termos de receita, mas também o mercado angolano. O preço do petróleo, que teve um impacto brutal nas nossas contas do ano passado…

Não pode haver uma cobertura de risco nessas duas dimensões?

Não houve no ano passado. Estaremos protegidos de uma forma que não estávamos no ano passado. E, depois, há os constrangimentos associados à principal infraestrutura aeroportuária do país — aeroporto de Lisboa — que todos sabemos que é outro dos riscos identificados no prospeto e que é uma infraestrutura que se sabe que se aproxima do seu limite de capacidade. Tem constrangimentos muito elevados, há essa expectativa e foi assinado acordo entre o Estado português e a ANA, para que possam ser realizados melhorias que perspetivamos como essenciais para que o aeroporto possa ser mais eficiente.

Mas houve vários fatores internos e externos. Este ano, estamos mais bem preparados em termos internos para fazer face à operação e ao aumento que ocorre normalmente por altura do verão. Isto acontece com todas as companhias aéreas.

E do ponto de vista daquilo que são ainda as contas da TAP, este ano vão mesmo voltar aos resultados positivos? Tem essa convicção?

Não tenho nenhuma bola de cristal. O plano, tal como consta do prospeto, é esse. Que venha a ter no futuro resultados positivos para a situação financeira do acionista. O plano estratégico que aqui também está referido [no prospeto da emissão de obrigações] prevê que os resultados do grupo sejam positivos. Temos essa expectativa para este ano. Mas a expectativa para 2018 também era positiva e, depois, veio a verificar-se ser diferente do resultado que foi realmente apurado.

O mercado dos Estados Unidos vai tornar-se mais importante do que o brasileiro nas receitas da TAP? Esta semana vão arrancar novas rotas…

Começam já no sábado com o voo inaugural para Chicago, depois para São Francisco a 10 de junho e para Washington no dia 16 de junho. O mercado norte-americano, no espaço de três anos, deu um salto notável em termos de receita e número de passageiros transportados na TAP. Passou de nono, salvo erro em 2015, para terceiro em 2018. Atrás do Brasil e Portugal. É evidente que estas rotas que vão ser lançadas e que têm vindo a correr bem em termos de projeção e crescimento de passageiros, provavelmente farão com que o mercado norte-americano continue a ganhar peso. Mas este salto foi sem dúvida muito relevante e isto aconteceu quando duplicamos as rotas de duas para quatro.

O acordo entre o Estado e a ANA prevê a expansão do Aeroporto Humberto Delgado e um segundo aeroporto no Montijo, para o qual ainda não há uma licença ambiental…

Um novo aeroporto, não. Uma extensão do atual aeroporto. Nós temos hoje os terminais 1 e 2 e vamos construir o terminal 3, do lado de lá do Tejo, no Montijo.

Ainda não há autorização para a construção desse terminal?

Não.

Parece uma ideia pouco ambiciosa. Para quem fala num novo aeroporto, um terminal 3 é reduzir um pouco…

Mas não é um novo aeroporto, de facto. A construção do terminal no Montijo faz parte do aeroporto de Lisboa, está separado pelo rio Tejo, mas há formas de ligação que estão pensadas entre o terminal 1 e 2 e o terminal 3 e é isto que temos sobre a mesa. Um novo aeroporto é algo que é feito de raiz e, para isso, teriam que ser necessários muitos anos. Já discutimos o novo aeroporto de Lisboa há cinco décadas e, por fatores vários, nunca se avançou.

Opções perfeitas nunca haverá, mas já que está uma solução em cima da mesa, é bom que se trabalhe nesta solução porque não podemos continuar eternamente à espera. O aeroporto de Lisboa, a atual infraestrutura com as melhorias que estão previstas, tornar-se-á mais eficiente e, portanto, permitirá a expansão da atividade no aeroporto para todas as companhias, incluindo a TAP, que aliás é a principal utilizadora com mais de 50% do tráfego. Mas a verdade é que isso, algures no tempo, se esgotará, mesmo com estas obras e todos os arranjos que estão previstos iniciarem-se na parte final do corrente ano.

Isto significa que durante os próximos anos, a capacidade será aumentada e melhorará a operação no aeroporto, mas haverá uma altura no tempo em que, se nada mais for feito, então chegaremos outra vez a uma situação de constrangimento, de esgotamento.

Miguel Frasquilho, presidente do Conselho de Administração da TAP, em entrevista ao ECO24 - 30MAI19

Já tem a garantia do Estado e da ANA de que a expansão do aeroporto vai mesmo ser feita no calendário previsto?

Isso não cabe à TAP. Nós temos o aeroporto que foi anunciado e estamos à espera…

…Mas delinearam a vossa estratégia com base num pressuposto, que é a expansão e o aumento do número de voos e de passageiros. Estamos em maio, é suposto as obras arrancarem até ao final do ano. Mas esse calendário é apertado…

Esse é outro dos riscos que é identificado no prospeto da operação [de emissão de obrigações].

Mas é um calendário plausível?

Não tenho por que duvidar que seja plausível. Não tenho nenhuma informação que me leve a acreditar que não seja. Portanto, temos a expectativa que sim e penso que todos saímos a ganhar — acima de tudo o país sairá a ganhar — se for assim. E eu espero mesmo que seja assim.

Para a TAP, o que é que é central? A expansão do aeroporto como existe hoje, ou verdadeiramente a estratégia da criação do terminal 3?

Eu direi que, no curtíssimo prazo, é importante que as melhorais na atual infraestrutura ocorram. Porque, mesmo decorrendo tudo como está previsto no terminal 3, ele não estará operacional antes de 2022.

Mesmo cumprindo-se todas as datas…

Exatamente. Temos aqui três anos em que temos previsto que a atividade continue a aumentar, tal e qual como está previsto no plano estratégico. E, portanto, essas obras são de facto importantes. A partir de uma determinada altura, mesmo com estas melhorias, é evidente que vai haver um ponto no tempo em que, continuando a registar-se um crescimento no tráfego aéreo para o país, nomeadamente para Lisboa, e como todos os indicadores que temos, de facto essa tendência poderá continuar, é bom que haja um complemento à atual infraestrutura aeroportuária para que essa capacidade possa de novos ser aumentada.

Esse terminal 3 está à altura daquilo que são as ambições da TAP?

A TAP tem o seu principal hub em Lisboa. Já foi referido várias vezes que boa parte do tráfego da TAP é de conexão. Portanto, os nossos voos conectam Brasil, África, etc. E temos a expectativa de continuar a aumentar e utilizar cada vez mais a infraestrutura que designamos como a Portela. Deste ponto de vista, é importante que aeroporto Humberto Delgado como um todo seja reforçado, porque para o terminal 3 podem ser desviados voos operados por companhias que façam o chamado tráfego ponto a ponto, não de conexão.

Se isso acontecer com algumas companhias, e o que se sabe vindo a público é que as taxas no terminal 3 poderão ser até mais baixas, é um incentivo. E, se isso acontecer, libertará espaço em Lisboa. Portanto, no curtíssimo prazo é importante que as melhorias na atual infraestrutura ocorram, depois, a médio e longo prazo, isso terá que ser complementado com o terminal 3.

A relação da TAP com o Porto já está melhor hoje do que estava há dois anos, por exemplo?

Há dois anos ainda não estava na TAP, mas sei que hoje é uma relação positiva. Aliás, tivemos oportunidade de realizar um Conselho de Administração, foi o primeiro alguma vez realizado fora de Lisboa, no ano passado, e foi precisamente no Porto. Convidámos o presidente da Câmara e notámos que há um agrado grande por parte dos responsáveis políticos a norte e também dos empresários, que são muito importantes. E dos passageiros em geral, dos nossos clientes, quanto à estratégia que a TAP tem vindo a definir. No ano passado, abrimos três novas rotas a partir do aeroporto Francisco Sá Carneiro e, este ano, vamos abrir outras três novas rotas para a Europa.

Essas são boas notícias para os clientes da TAP. Mas também se ouvem muitas críticas aos preços cobrados pela TAP. A TAP é uma companhia cara quando comparada com outras companhias europeias, nomeadamente nas ligações ao Brasil, Angola e Moçambique?

Os preços das viagens são formados automaticamente em função da procura e da oferta. E são gerados por sistemas de computador, onde, quase diria, não há intervenção humana. Os nossos voos têm estado a correr bem em termos de taxas de ocupação — bastante razoável, mas não posso dizer quais.

Como está a relação do Estado com o acionista privado da TAP?

Nunca há relações que sejam perfeitas, isso é uma coisa que não existe, mesmo nos casamentos e nas amizades. Acontecem divergências de opinião, diferenças de intensidade… O importante é que, no fim do dia, seja possível gerir essas diferenças e possa existir um caminho que é traçado e com todos a bordo. Uma das incumbências que tenho é, precisamente, as ligações com os acionistas e com os próprios membros do Conselho de Administração… tenho tido essa incumbência e não me recordo de algum episódio de divergências que tenha sido insanável. Portanto, é uma relação de confiança necessária para que a estratégia que foi delineada possa chegar a bom porto.

O ministro Pedro Nuno Santos disse que o Estado nunca deixará de ter a maioria do capital da TAP. Isso é a convicção ou a exposição pública de que o Estado está na TAP para ficar?

Eu interpretei assim. Portanto, sim, o Estado está na TAP para ficar, com 50%. Disse que é maioritário, mas na verdade é 50/50. Não há uma posição de domínio ao nível do Conselho de Administração. O chairman, que sou eu, tem voto de qualidade, sendo que há seis administradores indicados pelo Estado e outros seis indicados pelo acionista Atlantic Gatway. Portanto, há aqui uma intenção, claro, de o Estado permanecer como acionista da TAP. E é por isso que costumo apresentar a TAP como o caso de uma parceria público privada (PPP) de sucesso ou que nós desejamos e queremos que tenha sucesso.

Neste contexto, foram criados dois comités no quadro do Conselho de Administração. Porquê?

Estes processos são dinâmicos e, portanto, há melhorias que podem ser introduzidas. Esse foi um trabalho que fizemos ao longo do ano, desde que entrámos, e começaram a funcionar na parte final do ano passado, para melhorar a governance ao nível da TAP. E penso que é positivo que isso aconteça, mas isto não significa que outras alterações em termos de governance não possam vir a ser pensadas no sentido de melhorar aquilo que é hoje uma convivência que apelido de positiva entre todos os administradores e os acionistas.

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