É possível suspender e retomar greve sem novo pré-aviso? Lei é omissa, mas especialistas validam opção dos motoristas
Pode um sindicato suspender a greve e retomá-la sem apresentar novo aviso prévio? Lei é omissa, mas tratando-se de greve por tempo indeterminado e uma suspensão com prazo fixo, especialistas validam.
Pode o Sindicato Nacional de Motoristas de Matérias Perigosas (SNMMP) suspender temporariamente a greve e retomá-la sem ter que apresentar um novo aviso prévio de greve? A dúvida, suscitada sobretudo pela figura da “suspensão” não estar prevista na legislação que regula as paralisações laborais, ganha novo relevo com a abertura anunciada esta sexta-feira pelos motoristas de matérias perigosas: podem suspender o protesto até ao próximo domingo desde que surjam novas negociações entretanto. Uma decisão “rara e atípica”, dizem os especialistas.
O burburinho causado pela abertura do SNMMP em suspender o protesto nas vésperas do fim de semana em que muitos turistas se preparam para ou regressar ou partir de férias, levou à multiplicação de contactos e, por fim, à ida do sindicato às instalações do Ministério das Infraestruturas. É no gabinete de Pedro Nuno Santos que aparentemente se encontra o centro nevrálgico da greve e suas sucessivas tentativas de resolução.
Pedro Nuno Santos nos últimos dois dias mediou um acordo com a Fectrans — que dificilmente teria surgido com tantos benefícios para os motoristas não fosse a greve de abril e a insatisfação dos motoristas de mercadorias — e com o Sindicato Independente de Motoristas de Mercadorias. Porém, surgindo novos avanços desta nova reunião entre o SNMMP e o ministro, é legalmente possível suspender uma greve até à realização de um plenário para decidir se a greve se mantém? Palavra aos especialistas em Direito Laboral.
Situação rara e atípica, mas apoiada
“Trata-se de facto de uma situação juslaboral rara, para não a qualificar como atípica num movimento grevista”, começa por apontar Pedro da Quitéria Faria, advogado especialista em Direito Laboral e sócio da Antas da Cunha ECIJA ouvido pelo ECO. A questão é atípica porque simplesmente não está prevista na Lei, conforme explica Isabel Araújo Costa.
“Admito que possam existir dois entendimentos pois a lei não é clara num cenário destes. Não obstante, e no meu entendimento, poderá admitir-se a dispensa de um novo aviso prévio, uma vez que foi já adiantado que a própria suspensão durará apenas até domingo”, diz a especialista em direito Laboral sócia da Vieira Advogados. Entendimento partilhado por Pedro da Quitéria Faria.
Numa análise “literal e teleológica do regime da greve previsto no Código do Trabalho”, refere, “sou do entendimento que nos termos do art.º 539 do citado diploma legal, sendo a greve decretada por tempo indeterminado, e porque não existe acordo entre as partes, nem tão pouco, declaração inequívoca e perentória da entidade sindical que a promoveu que a mesma terminou, que a mesma possa licitamente ser suspensa, sem necessidade de posterior e nova promoção de outra greve, com o pré-aviso legal que seria aplicável de 10 dias úteis”.
Ou seja, e para que fique claro: “O SNMMP não deliberou o termo da greve, mas apenas a sua suspensão”, remata o sócio da Antas da Cunha ECIJA. E sendo a paralisação suspensa, não está em causa nenhum dos instrumentos que cessam uma greve tal como previstos no CT — acordo, termo declarado por quem a convocou e fim de período previsto — e, logo, não está em causa o fim da greve, pelo que exigir um novo pré-aviso “retiraria o efeito útil da presente”, diz.
Todavia, e “sem prejuízo” do seu entendimento, o especialista assume que “esta questão pode levantar mais uma vez, dúvidas juslaborais, fundadas e legítimas sobre a legalidade e efeitos da suspensão desta greve”.
Para Isabel Araújo da Costa, um ponto-chave na leitura legal desta suspensão prende-se com o facto da mesma, ao contrário da greve, ser decretada por tempo determinado — até domingo.
“A figura da suspensão vem aqui intervalar um ato – o aviso prévio de greve – que é único e que foi declarado através dos meios idóneos previstos na lei e dirigido às entidades competentes. Ora, sabem já os portugueses que a greve ficará suspensa até domingo, logo se não for alcançado um acordo até esse dia, a mesma deverá ser retomada a partir de segunda-feira por tempo indeterminado, conforme foi inicialmente declarada”, diz a sócia da Vieira Advogados ao ECO. Mas tal como Pedro da Quitéria Faria, a especialista levanta uma outra questão.
“O que poderá estar em causa e poderá levantar discussão – sem nunca colocar em causa o irrenunciável e incontestável direito à greve – é a questão de saber até que ponto pode uma greve manter-se quase ‘ad eternum’, em prejuízo de vários setores da sociedade“, questiona.
Também Luís Gonçalves Silva, outro especialista em Direito Laboral ouvido pelo ECO, sublinhou que a figura da suspensão de uma greve não está prevista na lei. Salientando desconhecer os contornos específicos da decisão tomada pelo SNMMP, o advogado explicou que uma greve suspensa apenas pode ser retomada sem aviso prévio, se essa data for conhecida à partida — ou seja, o domingo anunciado pelo SNMMP.
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