Depois de seis meses de preparação para o programa Free Electrons, são estas algumas das tendências para o setor energético. Na final em Lisboa, pela primeira vez, o grande vencedor foi o clima.
Era o tudo ou nada. Com quinze startups — duas portuguesas e 13 estrangeiras — a chegarem à fase final da terceira edição do programa de aceleração Free Electrons (uma parceria entre a EDP e outras nove utilities) –, a última etapa teve um sabor especial: foi a primeira vez que decorreu em Lisboa. Entre a pressão do tempo para apresentar projetos-piloto e resultados são várias as ideias tecnológicas ligadas ao setor energético. Todos queriam convencer os jurados das 10 utilities — empresas ligadas ao setor –, e arrecadar o tão ambicionado prémio de 200 mil dólares mas, no final, ganhou a Ev.energy.
Numa altura em que o combate às alterações climáticas é uma das principais preocupações a nível global, as startups não fogem ao tema. Pela primeira vez, uma startup do Reino Unido ganhou o programa. A equipa vencedora quer tornar os carros elétricos mais eficientes e, para isso, desenvolveu uma aplicação para smarthphones que controla os carregamentos do veículo e permite aos condutores reduzirem os custos e as emissões de carbono. Este software “já está a ser utilizado por uma das marcas de automóveis elétricos líderes do mercado”, refere o comunicado da EDP.
Com tudo preparado na cidade das sete colinas foi o clima que ganhou. “Agrada-nos muito ver muitos projetos neste setor porque as alterações climáticas são um problema muito importante nos dias de hoje e que nos afeta a todos“, conta ao ECO Joan Pinyol, CEO da Dexma.
Fundada há 12 anos, a startup catalã surgiu da ideia de dois estudantes de engenharia informática que se juntaram e perceberam que “a tecnologia se aplicava muito bem ao setor energético”. Desenvolvida a ideia, a Dexma dedicou-se a cruzar a tecnologia sem nunca descartar a componente ambiental. Com uma equipa de 45 pessoas e negócios nos mercados italiano, francês e britânico e, na zona de Benelux, uma coisa é certa: o futuro passa pela transição energética.
Para o programa Free Electrons, a empresa criou um piloto de um software que permite às empresas distribuidoras de energia e às administrações públicas compararem os seus consumos dentro dos setores de atividade e detetarem onde é possível melhorar a eficiência energética. Um dos exemplos é a sua aplicação através da introdução de iluminação inteligente, de sistemas de climatização mais atualizados ou da instalação de painéis fotovoltaicos na cobertura dos edifícios.
“Temos uma base de dados de quase 60 mil edifícios monitorizados em tempo real e esta informação, juntamente com os algoritmos, permite-nos fazer melhores previsões e dizer às distribuidoras quais os tipos de projetos que podem vender”, explica ao ECO.
"O futuro passa pela transição energética e pela digitalização energética. Ainda que as distribuidoras de energia reduzam o seu modelo de negócio tradicional de venda de energia, com estas novas soluções é possível criar modelos de negócio e com maiores margens do que os anteriores.”
Para esta startup, o balanço no Free Electrons é positivo, uma vez que assim o produto chegará ao mercado português, através da EDP, e ao norte-americano. Para o futuro, quererem atingir o maior número de empresas e de administrações públicas, de forma a reduzir as emissões de dióxido de carbono.
Mas este não foi o único projeto ligado à transição energética a participar no programa de aceleração. A startup portuguesa Save to Complete (S2C) criou uma plataforma digital que reduz significativamente os custos de transações dos serviços de energia e personaliza ajuda a empresas nacionais para se tornarem mais eficientes do ponto de vista da energia e de pouparem face à concorrência. A ideia surgiu em 2017, em parceria com a EDP, mas depois expandiu-se. “Esta solução permite aumentar o volume de negócios dos serviços de energia e, consequentemente, contribuir para resolver o problema da emergência climática”, esclarece Luís Oliveira, CEO da S2C.
Confiante no seu projeto, o CEO da startup portuguesa afirma que a solução “já tem resultados sólidos”, permitindo “aumentar bastante o volume de negócios dos serviços de energia e, consequentemente, contribuir para resolver o problema da emergência climática”. No entanto, Luís Oliveira reconhece que não é fácil para as grandes empresas do setor adaptarem-se a esta mudança, já que se está “a propor uma transformação digital para a utility“. Fazendo um paralelismo com os Descobrimentos portugueses, a ideia é “fazer com que as utilities cheguem primeiro ao Cabo da Boa Esperança para, no final, chegarem à índia“, atira.
Luís Oliveira não esconde entusiasmo de ter participado nesta edição do Free Electrons, que já lhe permitiu passar por Dublin (Irlanda), Ohio (EUA) e Hong Kong, destacando o “acesso a outras utilities que são potenciais clientes” e a “interação com outras startups” como as mais-valias da participação.
“As empresas vão afogar-se na quantidade de informação”
Marcel Smith é holandês e um dos fundadores da Energy Worx, uma startup holandesa de gestão de dados e que está em processo de negociação para ser investida pela EDP. Apesar de ter surgido na Holanda, a startup não é 100% holandesa: dois dos cofundadores são suecos.
Sempre de pasta na mão e, entre reuniões com outras startups, Marcel explica ao ECO o seu projeto. “As empresas têm um plano tecnológico bastante complexo, com muitos computadores e informação proveniente de outros lados, como smart meters [medidores inteligentes]. Acontece que essa informação é bastante útil se conseguires utilizá-la, mas o que está a acontecer é que as empresas se estão a afogar nessa informação e a maioria das vezes não a consegue usar”.
Para fazer face a esta “onda de informação”, a startup criou uma solução que permite aceder à informação das empresas “com bastante rapidez”, aumentar a capacidade de armazenamento de informação de dados e reutilizar esses dados, tendo como objetivo principal dar uma maior segurança às empresas ao nível da informação que têm e evitar que sejam manipuladas.
Apesar de estarem muito focados no processo de negociação com a EDP, esta startup conta já com dois investidores holandeses e pretende expandir as suas ideias para o mercado irlandês.
“Este programa permitiu-nos fazer um relacionamento fora do normal”
Gualter Sampaio é português e o representante de outra startup nacional a chegar à final, a Enging. Com uma equipa formada por “100% de cérebros portugueses”, além do mercado nacional já expandiram o negócio a nível internacional para o Brasil e Itália, e têm projetos-piloto na Austrália, Hong Kong e Japão.
Nesta competição, a Enging desenvolveu um software que, através de um algoritmo matemático e recorrendo à medição de correntes e tensões, permite detetar falhas nas máquinas elétricas de uma maneira muito precoce. O objetivo é permitir que utilities do setor energético ou da água consigam fazer uma monitorização em tempo real de todos os seus ativos e, por forma a evitar paragens não planeadas da produção e diminuir os tempos de paragem. “Não nos baseamos em percentagens ou em modelos teóricos. Somos engenheiros e, portanto, a informação que temos é tão precisa que permite a tomada de decisões objetiva”, adianta Gualter Sampaio, CEO da Enging.
Para Gualter Sampaio as expectativas para este programa eram “muito altas”, mas a participação superou todas as perspetivas. O CEO da Enging destaca “a capacidade de fazer um relacionamento fora do normal”, com os decisions makers e outras startups, e conseguir perceber “os pontos fracos e as necessidades que as eletric utilities têm”, como as mais-valias do programa. Através desta experiência, “estamos a antecipar provavelmente vários anos de contactos infrutíferos”, atira.
"Estamos a falar de uma filosofia que está relacionada com as tecnologias da industria 4.0, o que significa que estamos a conseguir fazer uma monotorização online e em tempo real do que se está a passar dentro da máquina com uma comunicação que estabelecemos entre a máquina e o Homem.”
Por outro lado, o maior desafio encontrado foi a pressão exigida para apresentar os projetos-pilotos e resultados. “Esta pressão de nós orientarmos a estratégia da empresa especificamente para este programa foi de facto o nosso maior desafio”, confessa.
Três anos, três edições: a primeira final em Lisboa
A ideia para o programa surgiu em 2015, mas só dois anos depois ganhou asas. Em três edições muita coisa mudou e o projeto cresceu. “Há um processo de aperfeiçoamento constante do programa. Na primeira edição éramos apenas oito utilities e 12 startups, a partir de 2018 introduzimos um módulo adicional, o chamado bootcamp, que envolve 30 startups, e depois de falarmos com essas 30 escolhemos 15″, conta ao ECO Luís Manuel, administrador da EDP Inovação.
Por ano são recebidas perto de 500 candidaturas, mas não há critérios específicos de seleção. No fundo “as empresas têm de estar dentro de um grupo de áreas de interesse”, que é muito vasto, e prontas a trabalhar, o que significa que durante o programa têm de criar pelo menos um projeto-piloto, explica o administrador.
Para os próximos candidatos, o responsável aconselha a que, em caso de dúvida, se candidatem, porque “mesmo entre aquelas [startups] que não foram selecionadas, há muitas com as quais estamos a trabalhar”, acrescentando que é importante que “as pessoas sejam o mais abertas e transparentes possível quando estão a candidatar-se”.
Nas três edições de Free Electrons, houve mais de mil startups de 65 países diferentes a candidatar-se e cerca de cinco milhões de dólares investidos. Só nesta última edição, foram criados 68 pilotos. As candidaturas para a próxima edição abrem em novembro.
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Free Electrons: Seis meses depois, ganhou o clima
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