Governo ameaça com despedimentos. Gestores hospitalares dizem que problema é de tesouraria e não de gestão
A proposta de OE2020 prevê que os conselhos de administração dos hospitais possam ser dissolvidos se, no final do próximo ano, as dívidas em atraso forem maiores que as de 2019. A APAH reage ao OE.
O Governo vai dar mais verbas aos hospitais para reduzir a suborçamentação mas, em contrapartida, exige mais dos gestores públicos. As novas regras do Orçamento do Estado para 2020 (OE2020) nesta matéria não convencem a Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares (APAH). Em declarações ao ECO, o presidente Alexandre Lourenço defende que “o stock de dívida depende mais das disponibilidades de tesouraria das instituições que do desempenho da gestão”.
No OE2020, o Executivo incluiu uma norma para penalizar os gestores que aumentarem, durante o próximo ano, as dívidas em atraso há mais de 90 dias aos fornecedores. A regra, que impõe a dissolução do conselho de administração, é dirigida a todos os gestores de empresas públicas, mas atinge em especial estes responsáveis dos hospitais.
Em outubro deste ano, os pagamentos em atraso aumentaram pelo quarto mês consecutivo e já ultrapassavam os 735 milhões de euros, o que levou o Governo a anunciar uma injeção de 550 milhões de euros já este ano para pagar dívidas a fornecedores. Em entrevista ao Público, o primeiro-ministro, António Costa, adiantou que, para o próximo ano, serão mais 200 milhões de euros para este fim.
“O setor empresarial do Estado da área da saúde tem sofrido de uma suborçamentação crónica por parte do Ministério das Finanças. Este modelo de gestão orçamental é complementado por injeções de capital ao longo do ano de forma a controlar o stock de dívida, independentemente da eficiência de cada instituição”, diz Alexandre Lourenço.
No entanto, a forma como o problema vai sendo resolvido tem um lado menos bom, admite o presidente da APAH. “Na prática, as instituições com maior dívida são as que beneficiam mais com este modelo. No limite, as instituições com menor eficiência podem ser as mais beneficiadas com este modelo”.
E conclui: “Neste modelo, o stock de dívida não depende do desempenho da gestão, mas sim das injeções de capital por parte do Ministério das Finanças”.
Na proposta de lei, o Governo revela que o critério que será usado para aferir o agravamento dos pagamentos em atraso é o de considerar o saldo destes em 2020 face a 2019, descontando as dotações entretanto recebidas para pagar a fornecedores.
Para Alexandre Lourenço, esta regra acaba por não resolver totalmente a questão de os hospitais menos eficientes serem beneficiados, “uma vez que os orçamentos previstos nos contratos-programa baseiam-se em atividade contratada, desconsiderando as deficiências estruturais de cada hospital”.
“Para que o modelo funcionasse, seria necessário estabelecer uma estratégia de convergência para a eficiência em que o financiamento acompanhasse progressivamente a redução de custos. Por outro lado, o exercício orçamental dos hospitais baseia-se no rateio de uma quantidade de financiamento global pelas partes, não tendo sido possível acautelar os níveis de eficiência de cada instituição”, aponta o responsável pela associação.
Além disso, vê algumas limitações no apuramento do saldo das dívidas a fornecedores tendo em conta a informação que atualmente está disponível. Com “a opacidade dos reforços de capital para pagamentos de dívida a fornecedores (não estão publicados os montantes por instituição), não é possível determinar quem estaria ou não em incumprimento” nos dias de hoje, diz o responsável.
Lei de 2012 já prevê penalizações para os gestores com desempenho negativo
Alexandre Lourenço destaca que é positivo que o OE2020 prever uma redução da suborçamentação e autonomia e responsabilização da gestão. Mas sinaliza que já existe uma lei que liga a gestão aos resultados. “Desde 2012, o estatuto do gestor público prevê a aplicação de contratos de gestão em que avaliações negativas de desempenho conduzem ao afastamento dos gestores.”
O responsável pela associação que representa os gestores hospitalares salienta que a APAH tem defendido a aplicação deste estatuto “em paralelo com os Planos de Atividades e Orçamento”, porque “estes dois instrumentos permitem uma maior autonomia operacional dos hospitais e a responsabilização dos conselhos de administração”.
No entanto, os Planos de Atividades e Orçamento “têm mantido a restrição de tesouraria e as limitações à gestão das instituições”, diz.
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