Afinal, malparado não trava financiamento à economia

Estudo do Banco de Portugal concluiu que o aumento do crédito em incumprimento não afetou a oferta do financiamento bancário às empresas. Conclusão contraria posições de FMI e Bruxelas.

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Uma empresa com empréstimos em dois bancos que diferem apenas no nível do rácio de NPL não observou uma diferença significativa na evolução do crédito obtido, conclui estudo de economistas do Banco de Portugal.Hugo Amaral/ECO

Afinal, o crédito malparado não trava o financiamento bancário à economia, seja o rácio mais ou menos elevado. A conclusão é de um estudo do Banco de Portugal, que concluiu que o crédito disponibilizado pelos bancos nacionais às empresas durante a última década não foi restringido pela evolução dos chamados NPL (non performing loans).

A evidência para o caso português contraria as posições de instituições internacionais como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e a Comissão Europeia, que por mais do que uma vez, nos seus relatórios sobre a evolução económica e financeira do país, sublinharam a necessidade de o sistema bancário em Portugal reduzir os níveis de empréstimos em incumprimento porque isso condiciona a oferta de crédito, constituindo uma travão à economia. Afinal, não é bem assim.

“Em média, uma empresa com empréstimos em dois bancos que diferem apenas no nível do rácio de NPL, não observou uma diferença significativa na evolução do crédito obtido“, dizem os economistas do Banco de Portugal num artigo publicado esta quinta-feira na Revista de Estudos Económicos.

“Este resultado aplica-se aos períodos de crise e pós-crise (2009-2015 e 2016-2018, respetivamente), independentemente da dimensão da empresa e a empresas com risco de crédito baixo ou médio”, acrescentam os autores Carla Marques, Ricardo Martinho e Rui Silva, do Departamento de Estabilidade Financeira do supervisor. As conclusões não refletem necessariamente as visões do Banco de Portugal.

"Uma empresa com empréstimos em dois bancos que diferem apenas no nível do rácio de NPL, não observou uma diferença significativa na evolução do crédito obtido.”

Banco de Portugal

Revista de Estudos Económicos

O rácio de malparado em Portugal atingiu o pico em junho de 2016, quando os bancos registaram um nível de 17,9% (cerca de 50 mil milhões de euros), sendo uma das principais consequências das duas crises financeiras que afetaram o país na última década. Desde esse momento, o sistema financeiro têm reduzido a exposição a estes ativos problemáticos, pressionado pelas autoridades europeias: chegou a setembro de 2019 com o rácio já abaixo de 8% (21,7 mil milhões).

Malparado em queda

Fonte: Banco de Portugal

Para esta análise sobre o impacto dos NPL no crédito à economia durante o período entre 2009 e 2018, foram considerados 20 bancos e empresas com pelo menos relações com duas instituições de crédito diferentes. Da amostra final foram analisadas 74 mil observações por ano. Outros fatores como os rácios de capital, a liquidez e o perfil de risco dos bancos e a procura de crédito por parte das empresas também foram tidos em conta no estudo, o que permitiu isolar o efeito do rácio de NPL na concessão de financiamento. Assim, fatores como apoios públicos do Estado ao setorque ascenderam a 24 mil milhões de euros neste período — ou o alívio das condições financeiras pelo Banco Central Europeu (BCE) foram considerados.

Embora a conclusão principal corrobore a ideia de que de que a oferta de crédito a empresas não foi significativamente afetada pelos elevados rácios de NPL, verificou-se que há uma relação positiva — embora pouco significativa — entre o malparado e o crédito concedido a empresas com risco de crédito elevado, o “que poderá refletir o apoio a empresas mais arriscadas, cuja viabilidade pode ter sido mais difícil, especialmente num período de condições macroeconómicas adversas e menos previsíveis”.

Apesar das conclusões, o esforço para a banca para baixar o nível de malparado vai ter de continuar nos próximos tempos, com as autoridades a exigirem um rácio de 5%. Num discurso recente, o governador Carlos Costa frisou que os bancos precisam de ser “mais ambiciosos” falando na “última milha” que será “decisiva para obter resultados e retorno da confiança dos investidores e do mercado e retorno da rentabilidade”.

Entre os grandes bancos portugueses há já quem registe rácios de NPL abaixo do nível considerado adequado pelos reguladores, como o BPI. Outros bancos como a Caixa Geral de Depósitos (CGD) e BCP estão a caminho de baixar desse patamar. Com níveis mais elevados estão Montepio e Novo Banco.

Outras conclusões do estudo:

  1. Há uma relação positiva entre oferta de crédito a empresas e a reserva voluntária de fundos próprios (isto é, a diferença entre os rácios de capital observados e os respetivos requisitos mínimos) no período da crise e a acumulação de NPL;
  2. Há uma relação negativa entre oferta de crédito a empresas e o recurso ao financiamento do BCE;
  3. Há uma relação negativa entre a oferta de crédito a empresas e o peso dos empréstimos concedidos às famílias na carteira de crédito, potencialmente refletindo diferenças nos modelos de negócio dos bancos e na sua apetência pelo risco.
  4. Níveis de malparado mais elevados estiveram associados a uma menor propensão dos bancos para iniciarem novas relações de crédito no período pós-crise, entre 2016 e 2018.

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