António Mexia questiona a intenção do Governo de introduzir uma taxa de IVA em função do consumo. Diz, em entrevista ao ECO, que há formas mais diretas de combater a pobreza energética.
António Mexia tem dúvidas sobre o modelo de redução do IVA na eletricidade. António Costa pediu a Bruxelas para permitir que a taxa passe a variar em função do consumo, uma flutuação que para o presidente executivo da EDP poderá não ser socialmente justa. “Vamos subsidiar alguém que tem uma casa de férias? Não faz sentido”, diz, em entrevista ao ECO, e alerta para a necessidade de avaliar o modelo que vai ser seguido. O presidente da EDP defende que há formas mais diretas de combater a pobreza energética. É uma crítica ao Executivo, mas também há elogios, como o modo como foi seguido o concurso do solar.
Apesar dos diferendos com o Governo, a EDP continua a ser uma empresa portuguesa, apesar de 97% do capital ser estrangeiro. Mexia diz que mesmo com a venda das barragens, a EDP continua a ser um grande investidor em Portugal. “Somos também o maior investidor português no mundo”, diz.
Nesta entrevistam falou-se de quase tudo — só ficou de fora o caso judicial das rendas excessivas, sobre o qual António Mexia escusou-se a fazer quaisquer comentários por estar a aguardar decisão do Ministério Público e para o qual não quer fazer comentários públicos. Da EDP, dos acionistas, dos projetos futuros e de como vê um novo mandato. Mas também da transição energética e até de Greta Thunberg.
Como vê a potencial descida do IVA na eletricidade?
Já disse que se houver uma decisão de descida do IVA, se ela for dependente dos consumos, será menos regressiva do que seria. E, portanto, está correta. Eu vou pelo lado contrário, que é: descer, para as empresas é neutro. Estamos a falar de pessoas! Se eu quero combater a pobreza energética, há maneiras mais diretas. Não me verão dizer que sou contra ou a favor, já disse o que tinha a dizer sobre o assunto.
Já me viram também falar sobre pobreza energética, em que eu disse que o principal problema — e insisto — tinha a ver com o facto de as pessoas não terem condições, no sítio em que vivem. Porque hoje em dia a iluminação não é o problema, tem muito mais a ver com questões de aquecimento. E o problema é que as pessoas geralmente vivem num sítio em que 80% do que aquece está, instantaneamente, a sair por debaixo da porta ou pela janela, e geralmente essas pessoas têm o aparelho mais barato do mercado que é o mais ineficiente. Portanto, está-se a aquecer de uma forma mais ineficiente possível e a sair pela porta.
Mas perante o que está a dizer, esta descida de IVA em função do consumo, é justa?
Imagine alguém que tem uma casa e uma casa de férias, vai consumir pouco na casa de férias. E tem um desconto na casa de férias? Vamos subsidiar alguém que tem uma casa de férias? Não faz sentido. E comparar quem tem filhos com quem vive sozinho, vamos beneficiar quem vive sozinho? Quando quem tem filhos é que está a contribuir para a Segurança Social? Não!
Como é que se corrigem esses enviesamentos que são evidentes?
Claramente através da explicação e implementação das medidas, não de uma forma cega, mas de uma forma mais detalhada. Por exemplo, a parte fiscal em Portugal é sempre mais complexa e nós queremos simplificá-la. Eu não estou a dizer que se complique, mas apenas que se clarifique e que se distingam as coisas de maneira a que as duas coisas sejam duas coisas e não uma.
"Imagine alguém que tem uma casa e uma casa de férias, vai consumir pouco na casa de férias. E tem um desconto na casa de férias? Vamos subsidiar alguém que tem uma casa de férias? Não faz sentido.”
Agora, a transição energética, a eletrificação, a eletrificação renovável, mais eficiência energética, voltando ao Ministério do Ambiente, o que falhou? Não vou falar de teoria, mas de coisas práticas. Parece-me importantíssimo o que tem sido dito sobre a questão de Portugal estar envolvido no projeto do hidrogénio. Perfeito! Concordo completamente e a EDP, obviamente, está disponível para isso. Portanto, tudo o que tem sido dito parecem-me boas decisões. Houve outras com as quais eu não concordei, que são óbvias e claras.
Nomeadamente aquelas que afetam o resultado da EDP…
Não, não tem nada a ver com isso. Ela afeta o resultado. Portanto, o critério não é esse. O critério é se as regras mudam a meio do jogo. São coisas diferentes. E, sobretudo, se não havia necessidade de mudar o jogo. E, sobretudo, se não formos nós a tomar as decisões. Essa é que é a questão. Nós concordamos com coisas que afetaram o nosso bottom line [resultados líquidos].
Como por exemplo?
A CESE. Nós não questionámos a CESE, desde que ela fosse temporária.
"Nós fomos durante muitos anos o maior investidor em Portugal. Somos também o maior investidor português no mundo. E é preciso que as pessoas tenham noção. Não tenho dúvidas. Quem é que investe o mesmo que a EDP? Ninguém.”
A EDP acabou de vender barragens em Portugal. É injusto dizer que está a desinvestir do mercado português?
A questão é simples. Nós, depois deste processo, somos maiores em Portugal do que antes de todas as novas barragens que fizemos na última década. Ou seja, somos maiores do que éramos há dez anos. Alienámos uma parte menor do que aquela que fizemos nos últimos anos. Podíamos não ter decidido nada, mas fizemos. O que para nós hoje é claro é que, em particular, o que dissemos ao mercado e aos nossos acionistas, é que queremos diversificar as posições em mercado e queremos, sobretudo, também fazer uma coisa que é óbvia, que é reduzir a volatilidade que resulta hoje de: quando há água, como as barragens são todas numa zona relativamente simples, quem vier para aqui não tem cá barragens, diversifica o risco. E estando cá, como estou no mesmo sítio, concentro o risco. Agora, alguém que tem barragens no norte, noutros países europeus, quando não chove lá, chove cá, e faz um hedging.
E, portanto, não tem nada a ver com uma coisa de contra, pelo contrário. Estamos claramente naquilo que faz sentido. Nós fomos durante muitos anos o maior investidor em Portugal. Somos também o maior investidor português no mundo. E é preciso que as pessoas tenham noção. Não tenho dúvidas. Quem é que investe o mesmo que a EDP? Ninguém.
Não me vejo a mim sozinho, vejo um conselho de supervisão, uma equipa de quase 12.000 pessoas. Eu sou um people’s person.
A EDP é uma empresa portuguesa?
Sim! Sempre acreditei que as empresas são de onde está a competência, a capacidade de atrair as pessoas e os recursos. Nós sempre fomos capazes de fazer isso. A EDP, sendo hoje 97% uma empresa de capital não português, é uma empresa de base portuguesa, que se tornou líder mundial na transição energética, com este capital. E que, aliás, no nome tem “Energias de Portugal”.
A venda das barragens vai para as contas de 2019 ou de 2020?
Só vamos ter o encaixe no terceiro trimestre deste ano. Mas o objetivo essencial é que aquilo vai rebalancear os nossos ativos e reduzir a nossa volatilidade. Ou seja, isto é um elemento essencial para aquilo que nós temos como objetivo central: manter o grau de investimento sólido na EDP, ou seja, estar confortável em termos de rating. Porque um dia isto irá mudar outra vez.
Os dividendos foram anunciados para 19 cêntimos…
A nossa política não mudou. São 19 cêntimos. Quando subirmos, será um novo floor, e só subiremos quando os fundamentais da empresa o justificarem. Mas não mudou nada desde março.
Mas as contas de 2020, tendo em conta esse encaixe que vão fazer no terceiro trimestre…
Esse encaixe já estava previsto. Já estava no plano estratégico. Agora, há uma série de coisas que tem a ver com os fundamentais, a capacidade do crescimento que está a ser entregue, os preços estarem lá, a chuva estar lá. Passaram-se nove meses…
Mas os investidores não podem esperar desta venda de dois biliões alguma remuneração especial?
A política da EDP é muito clara. Já estava previsto e, ao estar isto previsto, os dividendos já estavam previstos. Ou seja, isto tudo era uma peça que estava montada em março, pode ter ajustamentos marginais, mas sempre naquele conjunto que não é um momento de contar uma história porque estamos apenas a contar a mesma história.
O plano estratégico vai para 2022. Este mandato acaba agora, no final deste ano. Fica a meio o plano? Sente que precisaria de mais tempo para executar este plano?
Isso é um trabalho de equipa. Os acionistas estão livres de decidir o que entendem. O que os acionistas querem é que os gestores sejam capazes de colocar as empresas nesta noção de crescimento sustentável e de antecipação e execução de estratégias e de tornar as empresas diferentees da do vizinho do lado. E que sejam capazes de criar futuro, essa é que é a questão essencial. Portanto, eu não me vejo a mim sozinho, vejo um conselho de supervisão, uma equipa de quase 12.000 pessoas. Eu sou um people’s person. Eu sempre disse que queria que a empresa tivesse uma estratégia e controlasse o seu próprio destino. Acho que temos conseguido. No final do primeiro mandato, quando me perguntaram qual era a minha prioridade… eram as pessoas e a cultura da empresa. As empresas são dinheiro, pessoas e ideias.
É possível hoje dizer que os acionistas vivem como se não tivesse havido uma OPA de um acionista?
Sobre isso, a única coisa que eu digo é para ver o preço de ação.
Mas entre os atuais acionistas, há um que tentou comprar aos outros. Não comprou e parece que tudo continuou na mesma, como se não tivesse acontecido nada, mas aconteceu.
Isso poderá querer apenas dizer que o investimento inicial e a decisão que tomou mesmo antes da OPA, quando entrou, a única coisa que ficou demonstrada é que tinha o seu fundamento, independentemente do controlo. Nunca falo pelos acionistas, falo por mim. Sinceramente, a decisão é exclusivamente dos acionistas. Eu digo sempre que as ações sobem quando há mais gente a querer entrar do que a querer sair. E eu tenho essa humildade. Eles decidem diariamente, ao minuto, ao segundo… e a EDP definiu uma estratégia há 15 anos, que antecipou muita coisa que nós próprios se calhar nem tínhamos a noção do quão isso era vital para o nosso futuro. Imaginemos que não tinha havido essa escolha há 15 anos… eu pergunto, o que é que seria a EDP hoje?
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IVA variável na luz? “Não faz sentido subsidiar alguém que tem uma casa de férias”
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