Conferência #StopTheBullshit: O meu próximo chefe pode ser um robô?
No painel de arranque da 1.ª conferência anual da revista Pessoas, #StopTheBullshit, os participantes revelaram como a automação está a ser integrada nas suas organizações e como olham para o futuro.
“O nosso legado serão as pessoas ou a tecnologia? As ferramentas colaborativas são um fortíssimo apoio, mas não é suficiente. Quando dizemos pessoas vs. tecnologia, creio que o correto será dizer ‘pessoas com a tecnologia certa’”, começou por frisar Marta Santos people advisory services da EY, que abriu as hostes da 1.ª conferência anual da revista Pessoas, “Pessoas vs. tecnologia: #StopTheBullshit”, no Heden Santa Apolónia, esta quinta-feira.
Os robôs vão eliminar tarefas repetitivas e que não acrescentam valor, potenciando assim as características humanas de cada indivíduo. Os robôs não podem substituir as pessoas mas vão permitir ter mais tempo para tarefas mais complexas e criativas. A automação e a robótica já estão dentro das organizações e dos seus processos, mas o que está a ser feito e quais são os maiores desafios desta jornada?
Mário Ceitil, presidente da Associação Portuguesa de Gestão das Pessoas (APG), Teresa Vicente, diretora de recursos humanos da Multicert, Pedro Camacho, jornalista e diretor de inovação e novos negócios da Agência Lusa, Marta Santos, da EY, Nuno Troni, diretor de recrutamento da Randstad e João Duarte, professor da Nova SBE, juntaram-se no primeiro painel da conferência #StopTheBullshit, “O meu próximo chefe é um robô” moderado pela jornalista Mariana de Araújo Barbosa.
Robôs a facilitar tarefas
“Naquilo que são tarefas repetitivas, traz-nos a eliminação do que é o erro humano, que tem a ver com práticas repetitivas, sem valor acrescentado, o que não tem nada a ver com funções de liderança ou chefia”, disse Marta Santos, da EY e keynote speaker do evento.
Em novembro do ano passado, a Lusa “contratou” um robô para gerar notícias, uma contratação inédita em Portugal. A automação anunciava assim a sua chegada ao mundo do jornalismo, com uma experiência inédita em Portugal. Hoje, este robô gera automaticamente as notícias sobre a abertura e fecho das bolsas, que têm de ser publicadas diariamente.
“O objetivo não é automatizar as coisas, é prestar ferramentas de auxílio ao jornalista e permitir que as pessoas façam outras coisas muitíssimo mais inteligentes”, explica o jornalista Pedro Camacho.
"O nosso sistema informático já tem uma parte de IA e de machine learning que nos indica, de forma mais ou menos preditiva, se há empresas que estão a contratar nesta determinada localização, neste determinado setor com esta dimensão.”
Na empresa de recrutamento Randstad, a inteligência artificial e a robótica já estão integradas em toda a atividade da empresa, desde o momento em que os currículos são recebidos até ao desenvolvimento comercial. A primeira fase do recrutamento na Randstad baseia-se numa “conversa com um robô” e, só numa segunda etapa de entrevistas, o candidato contacta com uma pessoa. A inteligência artificial permite à empresa dividir automaticamente os CVs que entram na base de dados, e por setor.
"Há uma enorme necessidade de percebermos que, se estivermos a programar uma máquina com algum nível de segregação, ela não só vai repeti-la como vai exponenciá-la.”
“Numa primeira fase, a interação é totalmente artificial, com um feeling humano. A máquina não se identifica enquanto máquina, portanto temos uma conversa interessante com um robô e, numa segunda fase, já começamos a falar com uma pessoa”, explica Nuno Troni, diretor de recrutamento da Randstad.
“Hoje, o nosso sistema informático já tem uma parte de IA e de machine learning que nos indica, de forma mais ou menos preditiva, se há empresas que estão a contratar numa determinada localização, ou num determinado setor com esta dimensão.” Torna o nosso trabalho mais fácil, mais intuitivo e preditivo, baseado em dados”. A automação vai eliminar “tudo o que é chato, repetitivo e não acrescenta valor”, acredita Nuno Troni.
Autonomia das máquinas? Uma questão séria (e ética)
“É mais importante que um líder tenha integridade do que competência técnica”, começou por destacar o presidente da APG, Mário Ceitil.
“A integridade pressupõe intenção, e um propósito claro pressupõe escolha. Será que a escolha que o ser humano produz, quando está a tomar uma decisão dinâmica e que tem impacto na motivação de uma pessoa, é comparável com a decisão algorítmica de um computador?”
E a “responsabilidade” do robô? Manuel Levi, CEO e founder da Enlightenment.AI, desafiou o painel e adicionou à discussão o conceito de “criatividade computacional”, e a necessidade de dar às máquinas o poder de decidir. Por outro lado, é preciso controlar o “nível de projeção de erro que está a ser introduzido nas máquinas”, sublinha Marta Santos, da EY, que defende que é necessário pensar sobre o nível de projeção de erro que está a ser introduzido nas máquinas.
“A culpa não é da máquina, mas sim de quem programa e de quem precisa de supervisionar”, frisa. “Há uma enorme necessidade de percebermos que, se estivermos a programar uma máquina com algum nível de segregação, ela não só vai repeti-la como vai exponenciá-la”, alerta.
Qualificar, qualificar, qualificar
O estudo sobre o futuro o trabalho, desenvolvido em 2019 pela CIP, em parceria com a McKinsey Global Institute e a Nova SBE, estima que a adoção da automação em Portugal leve à perda de 1,1 milhões de empregos até 2030. Para João Duarte, coordenador do estudo e docente da Nova SBE, os dados do estudo também revelam que a tecnologia vai trazer 800 mil postos de trabalho mas, para isso, é preciso apostar na requalificação.
“Temos de ter a certeza que todas as pessoas têm oportunidade de ser integradas neste processo”, refere. João Duarte vê potencial no desafio da transição tecnológica, mas o grande perigo “esquecermo-nos que uma determinada fatia da população fica completamente abandonada”, por isso “a firma tem de ter as pessoas no topo da agenda”, denota.
A transição tecnológica trará “a emergência de um novo cidadão, mais consciente, mais capaz de transformar a realidade, porque tem o controlo de parcelas muito mais complexas da realidade“, acrescenta Mário Ceitil. O futuro vai exigir “competências de maior nível de complexidade cognitiva”, porque “a tecnologia vai libertar a energia humana para tarefas mais dignamente humanas”, defende o presidente da APG.
"A integridade pressupõe intenção, e um propósito claro, pressupõe escolha. Será que a escolha que o ser humano produz quando está a tomar uma decisão dinâmica, que tem impacto na motivação de uma pessoa, é comparável com a decisão algorítmica de um computador.”
“As pessoas precisam de ser requalificadas, não só para as profissões do futuro mas para a sua função atual”, defende Marta Santos. Os trabalhadores estão mais exigentes e o formato de formação dentro das organizações também está a mudar. “Atualmente queremos ter uma experiência de formandos na empresa muito semelhante à que temos quando ligamos a Netflix, à nossa medida e baseada nos nossos interesses”, exemplifica Marta Santos, da EY.
A responsável de RH da Multicert, Teresa Vicente, tem uma abordagem semelhante, pois acredita que é necessário “fazer com que esta gestão [de pessoas] seja cada vez mais customizada, terminar com a abordagem one size fits all”.
“Tudo o que é menos qualificado sofre mais ameaças”, frisa Nuno Troni, da Randstad, mas, “para profissões qualificadas, automação e inteligência artificial oferecem novas oportunidades”, refere.
Teresa Vicente considera que há uma “inadequação dos procedimentos internos” no que diz respeito à formação dentro das empresas, que precisam de “processos de qualidade, conhecer os negócios das empresas, criar soluções a medida de cada organização, e isso um robô não faz”, sublinha.
Robôs obrigam a repensar o mundo do trabalho
Os robôs e a automação vão criar desafios nas organizações e terão de “introduzir aprendizagens muito mais rapidamente”, acredita Mário Ceitil, que alerta ainda que o perigo será “usar processos tradicionais nas práticas de formação para competências que não são tradicionais”. Para o presidente da APG, as “profissões vão diluir-se em missões” e, por isso, “o sentido da profissão vai ser recriado pela experiência pessoal de cada pessoa”, destaca.
Para Pedro Camacho, um dos desafios é “a falta de sensibilidade que existe nas áreas de gestão”: a “capacidade de discutir questões relacionadas com a tecnologia” e a resposta aos desafios do futuro poderá ser encontrada num ambiente de complementaridade e colaboração.“Num futuro poder-se-á fazer tudo virtualmente”: a questão será ética, de “fazer ou não fazer”, acrescenta.
“O que realmente importa? Termos tempo, continuarmos a ter a nossa individualidade, sermos capazes de transmitir emoção, tratarmo-nos como pessoas, importa que sejamos capazes de sentir que pertencemos. Nenhuma tecnologia nos faz sentir isso por si. A tecnologia é fundamental mas diria que, no final do dia, não só temos de pensar em human centricity, como temos de a ser”, aconselha Marta Santos, da EY.
“Parece-me difícil, no que diz respeito as grandes funções, as mais dinâmicas, que são aquelas que esperamos de um líder, possa haver uma substituição por um robô numa situação de chefia”, remata Mário Ceitil.
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