Mulheres na advocacia
No século XXI, os deveres de solidariedade impõem que qualquer mulher possa beneficiar de proteção numa situação de maternidade ou assistência à família.
Da questão: ao desafio para escrever um artigo relacionado com a questão das mulheres na advocacia, a primeira reação foi “ó diabo! mas qual questão?!”. Não que não haja uma questão, ou até várias. Já muito se escreveu sobre o papel da mulher na sociedade, nas empresas, na vida em geral. Neste contexto, a advocacia não é novidade nem exceção, ainda que possa ter especificidades. A maneira como se aborda esse papel e todos os temas associados – A questão – não é um exercício fácil e tem associado o risco de cair em rótulos ou banalizações. A polémica será o menor dos problemas. Mas vamos lá.
Primeiro os disclaimers (típico…): sou mulher, esposa e mãe. Três filhas. Uma cadela. A ordem é a cronológica. Não me identifico com o feminismo ativista e igualitarista. A defesa da mulher não tem que ser feita em confronto, com um vencedor e um perdedor. Passa pelo respeito e reconhecimento mútuo das especificidades e diferenças, bem como das vantagens associadas a um modo de vida e forma de estar que as reconhece e aceita. Aprendemos em direito que discriminação consiste em tratar de forma diferente situações idênticas; quando as situações são diferentes, não podem ser tratadas da mesma forma. Acredito que cada um deve poder escolher o seu caminho de realização pessoal e profissional, sem que os outros (individualmente ou a sociedade como um todo) tenham o direito de julgar, rotular ou impor um qualquer comportamento (progressivo, apropriado ou outro). E acredito que a vida em sociedade implica a existência de regras e respetivo cumprimento.
Feita a introdução, a advocacia é uma profissão liberal e há aspetos em que a proteção da mulher não está ainda ao nível das melhores práticas – vide os casos de maternidade e assistência à família. É certo que, pelo menos nas grandes sociedades o tema é debatido e há um cada vez maior número de sociedades a oferecer (boas?) condições. Ainda assim, arrisco que na maior parte dos casos, tal proteção não existe ou é parca, resultando numa efetiva perda de rendimento das advogadas. Ou traz o ónus silencioso de afetar a evolução na carreira (muitas vezes com base numa pretensa falta de disponibilidade, por contraponto à dos advogados, numa consequência nefasta do argumento igualitário).
Dirão que é o risco associado a uma profissão liberal. Talvez, mas não tem que ser assim. E sobretudo não deve. No século XXI, os deveres de solidariedade impõem que qualquer mulher possa beneficiar de proteção numa situação de maternidade ou assistência à família. Mas mais do que isso, importa ter presente as vantagens correspondentes para uma firma e para a sociedade em geral, de aceitar essa situação e não impor consequências negativas.
Guardo na memória uma conferência-debate, organizada no escritório, com um embaixador cuja profissão base era a de advogado. A conversa tocou vários temas, mas às tantas foi colocada ao convidado uma pergunta, cujos termos (não textuais) visavam saber a sua opinião – enquanto sócio de uma grande e bem-sucedida sociedade de advogados internacional – sobre os impactos e o que fazer com a cada vez maior presença de mulheres na advocacia. A resposta é um exemplo: Well. You want to have the best lawyers, right? And when you want the best, you want them with their circumstances. Because, regardless of the circumstances they will still be the best. Posta nestes termos, qual é mesmo a questão?
*Rita Lufinha Borges é sócia da Miranda & Associados.
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